Por Silvia Bellandi Paes de Figueiredo: Advogada; Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Mackenzie; Especialista em Direito Civil pela Escola Paulista de Direito; Especializanda em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas
Consoante dispõe o Código Tributário Nacional, em seu artigo 204, a dívida regularmente inscrita goza de presunção de certeza e liquidez, tendo o efeito de prova pré-constituída.
A presunção legal de que se reveste o título executivo tem natureza e aplicação jurídicas específicas, qual seja viabilizar a execução nos termos da Lei de Execução Fiscal – Lei 6.830/80.
Por sua vez a Lei 9.492/97, em seu artigo 1º estabelece que o protesto é o ato formal e solene no qual se prova a inadimplência e o descumprimento da obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.
No entendimento fazendário é possível o protesto da CDA, considerando-se o fato de que o protesto visa tão somente comprovar a inadimplência e o descumprimento da obrigação tributária pelo devedor.
Desta forma, aduz que a CDA por ser título executivo é passível de protesto, com o que, data vênia, discordamos.
Primeiramente, porque o âmbito apropriado para a discussão da inadimplência do contribuinte é a execução fiscal, que é regida por legislação própria, a Lei 6.830/80.
Acrescente-se ainda que o título exigido pela Fazenda não é o mesmo exigido pelo credor comum, qual seja, cheque, nota promissória, duplicata, letra de câmbio etc. Na execução fiscal, a contrário senso, não se está exigindo um título emitido pelo próprio devedor, antes disso, o título executivo – CDA, é emitido pelo Credor, sem que o devedor manifeste sua vontade.
Ora, diversos são os motivos e o fato gerador que ensejam a cobrança, tanto comercial, como a fiscal, possuindo natureza jurídica diversa.
A execução fiscal visa em síntese à obtenção do crédito, o recebimento da exação, não havendo necessidade de fixação da impontualidade do título para que a demanda seja promovida, como no caso dos pedidos de falência, que prescindem do protesto dos títulos ensejadores da dívida, para configuração da impontualidade e inadimplência.
Uma vez protestada a CDA pela Fazenda, além de desnecessária para atingir o fim colimado, vez que goza de presunção, mesmo que relativa, de liquidez e certeza, a medida se torna vexatória e extremamente gravosa para o contribuinte. Constitui, na verdade, coação, além de ser manifestadamente ilegal!
Ora, a própria lei 6830/80 dispõe, em seu artigo 38 que a discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admitida em execução, na forma da Lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição do indébito, ação anulatória.
Ademais, importa ainda observar que o Código Tributário Nacional em seu artigo 187 afasta o concurso de credores ou habilitação de falência sobre os créditos tributários.
Assim, aduzir que seja possível o protesto da CDA, bem como o pedido de falência do contribuinte, constitui claro desvio de finalidade do ato administrativo, sendo, portanto ilegal.
Constitui, também medida vexatória, verdadeira coação moral, uma vez que não existe legítimo interesse econômico e moral para postular a falência do contribuinte.
Se partirmos do pressuposto de que, não raras vezes, o débito tributário é solvido antes do seu ingresso na dívida ativa, e que diante da ausência de comunicação entre os órgãos internos, são processadas e inscritas indevidamente, quando em verdade deveriam ter sido extintas, baixadas, ter-se-á um breve vislumbre da ilegalidade do protesto!
Ora, como se elucida o protesto de uma dívida e o pedido de falência do Contribuinte, claramente solvente?
Não são raras as execuções fiscais movidas por erro, cobrando-se débitos inexistentes, ou mesmo em duplicidade, então qual é o objetivo do protesto da CDA?
Como elucidado, a CDA já goza de liquidez e certeza, assim, não há motivo jurídico relevante, ou interesse econômico que justifique o protesto, corroborando desvio de finalidade do ato administrativo.
Afinal a Fazenda não possui discricionariedade diante da Lei de Execução Fiscal, deve antes de mais nada cumpri-la, sob pena de nulidade do ato, nesse sentido esclarece Maçal Justen:
2. “Revelado o vício de nulidade, o ato administrativo deve ser desfeito. Tratando-se de anulação, o obrigatório desfazimento não pode ser impedido por direito adquirido. Como se reconhece de modo pacífico, ato administrativo inválido não gera direito adquirido”. (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 6ª ed. Dialética, pp. 465/467).(01)
Conclui-se que a medida além de extremada e, desnecessária diante da presunção de liquidez e certeza da CDA, constitui desvio de finalidade do ato administrativo, ofende a legislação tributária, tanto o disposto no CTN, quanto na Lei 6.830/80, cabendo ao Judiciário rechaçá-la, como de fato vem ocorrendo.
Nota
(01) Site:STJ – RESP 472399 – Min. José Delgado.
Fonte: www.fiscosoft.com.br