132 pessoas registraram em cartório a vontade de serem cremada

Capela no Jardim da Paz reservada para despedida após a cremação; local tem cascata, música ambiente e capacidade para 196 pessoas

Morrer e retornar à terra em forma de cinzas. Esse é o desejo de 132 pessoas de Rio Preto e região que, nos últimos oito meses, assinaram uma declaração registrada em cartório em que manifestam a vontade de serem cremadas. Elas também já compraram o serviço do crematório, que começou a funcionar em Rio Preto em junho do ano passado, no Cemitério Jardim da Paz, no Jardim Vivendas.

Desde então, 29 corpos foram incinerados na cidade, média de um por semana, segundo o diretor do crematório e do cemitério Jardim da Paz – único particular do município -, Moacir Antunes Júnior. Além de rio-pretenses, famílias de moradores de Franca, Presidente Prudente, Araçatuba, São Paulo, Catanduva, Votuporanga, Campo Grande e José Bonifácio recorreram ao crematório.

Entre aqueles que já garantiram em vida que seus corpos sejam transformados em cinzas, 70 são mulheres e 62 são homens. Um deles é o médico rio-pretense Nelson de Carvalho Seixas, 82 anos. Ele afirma que sempre teve vontade de ser cremado e não quis deixar o encargo para a família. "A cremação é uma questão prática. Que tolice o corpo ficar se decompondo. O ideal é que a cremação se popularize, é sinal de civilidade. Daqui a pouco não terá mais espaço nos cemitérios", afirma. O médico pretende que suas cinzas sejam guardadas no jazigo da sua família, no cemitério da Vila Ercília.

Quando a compra não é feita antecipadamente – o que o diretor do crematório chama de pronto-atendimento -, o custo básico do serviço é de R$ 3,3 mil (inclui taxa de cremação, velório e urna para depositar as cinzas). Dependendo do modelo de urna escolhido, o preço pode aumentar. Uma das mais caras é italiana, em bronze, e custa R$ 900.

"A Igreja não é contrária à cremação do corpo. A ressurreição não é da identidade material, mas da espiritual, que não reside no corpo", diz o padre Geomar Alves dos Santos, da igreja Menino Jesus de Praga, no São Manoel, que já fez celebrações de pessoas que foram cremadas. "A Bíblia fala: ‘tu és pó e ao pó retornarás’, e isso se torna fato na cremação, quando o corpo vira cinzas." No forno do crematório o corpo se transforma em cinzas entre 90 e 120 minutos, com temperatura a 900 graus.

Legislação 

A cremação de cadáver pode ser feita somente se houver declaração de vontade registrada em cartório. Caso contrário, cônjuge, ascendentes, descendentes e irmãos, nessa ordem, podem autorizá-la. Também é necessário atestado de óbito assinado por dois médicos ou um legista, em caso de morte violenta (em que também é necessária autorização judicial). No enterro normal, basta o atestado com registro de um médico.

O procedimento deve ser realizado, no mínimo, 24 horas depois da morte. Antes da cremação, a família promove um velório, seguido de uma cerimônia de despedida, que pode ter a participação de um líder religioso. Nela, o corpo é posicionado em uma base de granito, que desce lentamente e é fechada, simbolizando o ato de sepultamento. A partir daí, a família está liberada para ir embora. A despedida é realizada na capela, que tem cascata, música ambiente, ar-condicionado e capacidade para 196 pessoas sentadas.

Se depois da despedida não se completaram as 24 horas ou a documentação para a cremação ainda não ficou pronta, o corpo fica numa câmara fria. Recentemente, o cadáver de um homem ficou três dias no local, até que os filhos que moram no Japão regularizassem os documentos necessários.

Segundo Antunes Júnior, as cinzas são entregues no prazo de dez dias. Um adulto de porte médio vira cerca de 1,5 quilo de cinzas. Segundo ele, 60% das famílias as espalham num local de preferência do morto, 18% levam para casa e o restante as sepultam.

Para alguns, opção preserva ambiente  "Quero que minhas cinzas sejam espalhadas em um jardim, ou em um rio." O desejo da artista plástica Maria Alice Lofrano, 62 anos, por enquanto está concretizado em forma de letras, num termo que ela assinou em dezembro passado, no qual manifesta a vontade de ser cremada.

Para ela, virar cinzas será a melhor escolha, diante do sofrimento já enfrentado em sepultamento de entes queridos. "Visitar túmulo, ver o caixão descendo na cova, tudo isso é muito difícil, quero que minhas filhas fiquem com uma lembrança boa", revela Maria Alice. Além disso, a artista plástica também fala dos benefícios ao meio ambiente. "A cremação é o futuro."

Matéria publicada pelo Diário em abril de 2010 mostrou que o lençol freático das proximidades de oito cemitérios do Noroeste Paulista, incluindo o São João Batista, em Rio Preto, está contaminado com o necrochorume, líquido decorrente da decomposição do corpo.

Valentim Magonaro, 74 anos, morto em 15 de julho do ano passado, deixou por escrito o desejo de ser cremado e pediu que a mensagem fosse lida na cerimônia de despedida, sob silêncio absoluto. Não quis flores nem música, e na mensagem explicou que fez a opção pela cremação por ser a forma mais viável para o meio ambiente. Suas cinzas foram espalhadas em um bosque por um sobrinho.

Pastor auxiliar da 1ª igreja Batista de Rio Preto, João Flávio Martinez, que preside o Centro Apologético Cristão de Pesquisas (CACP), considera que a cremação ainda é tema polêmico na sociedade ocidental. "A Bíblia, no Antigo Testamento, orienta a enterrar os mortos. Já no Novo Testamento, não há palavra que afirme que seja pecado", observa. "Se um fiel pedir minha opinião sobre o assunto, irei orientá-lo a enterrar, mas se ele cremar um parente, como cristão não vou condenar."

 

Fonte: Diário da Região – S. J. do Rio Preto – Últimas/SP