por Luiz Kignel
Este texto sobre Direito de Família faz parte da Retrospectiva 2007, uma série de artigos em que são analisados os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.
Convidado pela revista Consultor Jurídico a escrever pelo terceiro ano consecutivo a retrospectiva do Direito de Família, tive a curiosidade de verificar em meus arquivos as matérias que abordei nos dois anos anteriores. O ano de 2005 foi dedicado ao debate da relação homoafetiva e 2006 para a mediação familiar. A polêmica de 2007 com certeza deveria caminhar para a guarda compartilhada, uma das questões mais polêmicas no complexo mundo do Direito de Família.
Deparei-me com uma reflexão obrigatória sobre os temas que estamos vivenciando e conclui que a Retrospectiva 2007 não poderia se fixar apenas na guarda compartilhada. Ela não é causa, mas sim efeito de um tema muito maior, a própria rediscussão da família como instituição.
A regulamentação da união estável, a convivência homoafetiva e a rediscussão do matrimônio em todas as suas formas podem originar para alguns a impressão errônea de que o casamento está se tornando obsoleto. O formalismo da relação no conceito “marido e mulher” estaria superado pela absoluta igualdade dos sexos que se vivencia na atualidade, o que foi antecipado pela igualdade e compromisso dos cônjuges onde ambos passam a efetivamente contribuir com o sustento do lar. Portanto, não haveria mais como enquadrar o casamento clássico no mundo atual, cabendo aos mais ousados afirmar que no futuro o casamento será algo apenas dos livros de História. Citando Fritz Dressler, prever o futuro é fácil, difícil é dizer o que está acontecendo agora!
A modificação de valores que estamos vivenciando nos dias de hoje não altera, modifica ou reduz o significado do casamento, muito pelo contrário. É na união de duas pessoas (representada no próprio matrimônio civil, na união estável ou até na relação homoafetiva) que se vislumbra a necessidade de se ter alguém do nosso lado. Não foi Adão que pediu para o Criador uma parceira, mas foi o próprio Criador que, tendo criado Adão, reconheceu que sua obra estava incompleta. “Não é bom que o homem esteja só” (Gênesis, 2:18). A afirmativa é divina, não humana!
O casamento (visto, inclusive, na sua concepção mais moderna) faz parte da formação do ser humano porque sem ele não haverá alicerce para o indivíduo constituir uma família. Tamanha é sua importância que, na via de duas mãos, temos a obrigação de facilitar o divórcio, exatamente porque surgindo divergências insuperáveis entre duas pessoas, poderão elas terminar o relacionamento e iniciar outro, após superados os inevitáveis traumas do anterior.
O Direito de Família é a única matemática onde 1 + 1 jamais será igual a dois. A soma é muito maior. Não apenas pelos filhos que advirão, mas essencialmente porque construímos com nosso parceiro um projeto de vida que não pode ser quantificado no aspecto intangível.
Direito de Família é a única ciência do Direito que envolve Societário, Administrativo, Tributário, Trabalhista, entre outros. Societário, na medida em que o casamento é uma sociedade entre partes com objeto específico, capital social definido (inclusive com participações desiguais) e com sinceros votos de prazo indeterminado que será interrompido pela quebra da affectio societatis ou com a abertura da sucessão de uma das partes. Administrativo porque se fazem necessárias regras de convivência, controle de gastos e gestão de patrimônio comum, coisas que um solteiro pode resolver sozinho sem consultar ninguém. Tributário na preocupação do casal nos aspectos fiscais desta relação, desde a declaração conjunta de imposto de renda pessoa física até a estrutura fiscal frente eventuais transferências patrimoniais, seja em vida, seja causa mortis. Trabalhista quando se define a quem caberá zelar pela casa e a quem caberá trazer o sustento familiar, ainda que hoje ambas se confundam.
As constantes modificações que acompanhamos a cada ano no Direito de Família não trilham para o abandono da instituição do casamento, mas sim para a superação das divergências em prol de um projeto maior constituído pela formação de uma família para todo indivíduo. E debater o tema será certamente essencial para a formação de profissionais do Direito que precisam se desprender dos formalismos jurídicos e alcançar as reais necessidades – e carências – dos clientes que buscam uma orientação.
Sobre o autor
Luiz Kignel: é advogado, especialista em Direito Privado, Direito Processual Civil, Mediação e Arbitragem, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família e co-autor do livroE Deus criou a empresa familiar – uma visão contemporânea.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 15 de dezembro de 2007