Texto aprovado pelos ministros diz que qualquer contrato que envolva garantias precisa da assinatura dos dois cônjuges, caso contrário, poderá ser anulado
Isabella Souto
Muita gente nunca ouviu falar ou não sabe o que significa, mas é bom ficar de olho em duas palavras importantes na hora de aceitar um fiador: outorga uxória. A expressão é traduzida como o aval que um cônjuge dá para que o outro seja fiador de qualquer contrato que envolva garantias e que possa comprometer o patrimônio comum do casal. Sem o consentimento do marido e da mulher, a fiança prevista em um contrato de locação, financiamento ou venda, por exemplo, perde a sua validade. Ou seja, o prejuízo financeiro recairá sobre aquele que recebeu a garantia.
O assunto virou uma súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aprovada há cerca de seis meses. O texto é claro: “A anulação de fiança prestada sem outorga uxória implica a ineficácia total da garantia”. Até então, o assunto não era pacífico nos tribunais. Alguns juízes e desembargadores entendiam que os bens do cônjuge que não assinou a fiança estariam protegidos, enquanto apenas aqueles pertencentes ao fiador seriam usados para quitar a dívida. Outros diziam que a invalidade pela falta da assinatura de ambos os cônjuges anulava toda a garantia dada pela fiança.
Pois foi esse entendimento que prevaleceu no STJ. “A questão envolve o comprometimento de um patrimônio sem o consentimento da esposa ou do marido, por isso a necessidade da concordância dos dois”, diz o advogado e consultor em direito empresarial Fernando Azevedo Sette. Essa, aliás, é a justificativa para a existência do instituto da outorga uxória, mantido no Código Civil de 2002 a partir de uma atualização do Código de 1916, e cumprimento do que diz a Constituição de 1988. Até então, apenas a mulher dependia da outorga de seu marido para praticar certos atos da vida civil.
Se no surgimento da polêmica o cônjuge autorizar a fiança, o contrato poderá ser alterado e a ilegalidade sanada. Vale lembrar que a exigência do consentimento do casal para os contratos que envolvam garantias ocorre apenas para os casamentos celebrados sob o regime de comunhão total ou parcial de bens. Naqueles celebrados em regime de separação total não há necessidade da outorga uxória. “Nesses casos, não há confusão de patrimônio”, explica o advogado Fernando Azevedo Sette.
INVÁLIDO Com a edição da súmula, uma pergunta ficou no ar: Basta não cumprir o princípio da outorga uxória para que o fiador se veja livre da obrigação de quitar a dívida de um terceiro assumida por ele? Não é bem assim. O mesmo STJ que aprovou o texto também proferiu uma sentença contrária a um marido que prestou fiança sem a concordância da mulher para se eximir da responsabilidade. O problema foi discutido pela Terceira Turma do STJ ao negar provimento a um recurso especial a uma decisão da Justiça de São Paulo.
Sem o consentimento da esposa, um homem tornou-se fiador de um parente na locação de um imóvel. Para não precisar pagar a dívida, ele recorreu ao Judiciário, na tentativa de que o contrato fosse declarado inválido. O pedido foi negado em primeira e segunda instâncias. “Não pode pretender eximir-se da responsabilidade livremente assumida o fiador que, afiançando parente próximo, vem alegar a falta da outorga uxória; não se pode premiar a própria torpeza. Demais, o vício representa mera causa de anulação e não nulidade do ato”, afirmou a sentença do TJ paulista.
Entendimento semelhante teve o relator da ação no STJ, ministro Ari Pargendler. “Afasta-se a legitimidade do cônjuge autor da fiança para alegar sua nulidade, pois a esta deu causa”, alegou. “Tal posicionamento busca preservar o princípio consagrado na lei substantiva civil, segundo a qual não pode invocar a nulidade do ato aquele que o praticou, valendo-se da própria ilicitude para desfazer o negócio.” Dessa forma, apenas a mulher que não autorizou a fiança – ou seus herdeiros, se já for falecida – poderia questionar o assunto no Judiciário.
É a necessidade da expressa concordância do cônjuge para que o outro exerça negócios que poderiam onerar o patrimônio comum do casal, como, por exemplo, a venda de um imóvel.
FIANÇA
É um ato ou contrato pelo qual um terceiro, chamado fiador, assume ou assegura, em todo ou em parte, o cumprimento da obrigação de um devedor, quando este não a cumprir.
SÚMULA Nº 332 DO STJ
“A anulação de fiança prestada sem outorga uxória implica a ineficácia total da garantia.”