Para evitar abandono e facilitar adoção, projeto prevê que gestantes encaminhem filhos e sigilo seja garantido
O Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM) vai encaminhar no próximo dia 3 ao Congresso um anteprojeto para regulamentar o parto anônimo no País, uma idéia que, em tese, poderia reduzir o abandono de bebês pelas mães. A proposta prevê que gestantes interessadas em encaminhar seus filhos para adoção recebam tratamento diferenciado nos hospitais, com garantia de sigilo.
Passados 30 dias do parto, as crianças seriam encaminhadas a instituições que se encarregariam da adoção. O simples anúncio do projeto já provocou polêmica: integrantes do movimento feminista classificam a proposta como “anacrônica” e “inócua”. No Ministério da Saúde, a idéia também é vista com desdém.
Com a regulamentação do parto anônimo, as mães interessadas poderiam deixar os bebês nos hospitais ou postos de saúde para a adoção sem ter de registrar a criança em seu nome e sem precisar sequer se identificar. A adoção seria menos burocrática por não envolver o registro de pai e mãe nos documentos, isto é, sem a necessidade de fazer a destituição do poder familiar. Hoje, pais biológicos precisam passar para o adotante, de maneira irrevogável e definitiva, o direito sobre a criança.
Assim como outras gestantes, a mulher que optasse pelo parto anônimo teria direito a pré-natal e a parto na rede pública e seria acompanhada por psicólogos durante a gravidez e depois do nascimento do bebê. Pelo anteprojeto, o hospital poderia pedir que a mãe fornecesse seu nome e informações sobre sua saúde, as origens da criança e as circunstâncias do nascimento. Esses dados só poderiam ser informados com autorização judicial.
Mesmo assim, dizem advogados do IBDFAM, o filho só teria acesso às informações genéticas e da saúde dos pais. O nome seria mantido em segredo. “Com esse parto anônimo, estaríamos descriminando o abandono. Algumas mães abandonam os filhos porque não querem que ninguém saiba, seja por questão moral, de consciência, seja, em menor número, porque podem ser presas. Acho que elas pensam muito mais na condenação moral de terem abandonado uma criança”, diz o presidente do IBDFAM, Rodrigo Pereira.
O parto anônimo não é novo na história brasileira. No século 18, conventos brasileiros trouxeram da Europa a idéia da “roda dos expostos ou dos enjeitados”. Na época, as crianças rejeitadas eram colocadas nessas rodas e ficavam sob os cuidados dos conventos e das Santas Casas. Assim como no projeto, as mães permaneciam anônimas. Na Áustria, França (onde foi julgado constitucional), Itália, Bélgica, Luxemburgo e Estados Unidos (adotado em 28 dos 50 Estados) ele é legalizado.
Para integrantes do Ministério da Saúde, a proposta do instituto não traria avanços para a saúde, para mulheres ou crianças. Representantes da pasta argumentam que no Brasil a mulher desde a gravidez pode optar por encaminhar seu filho para adoção. Assistência médica toda mulher tem direito, qualquer que seja o tipo de parto. O ministério espera a apresentação da proposta no Congresso para se manifestar oficialmente.
“O parto anônimo pode ter sido útil durante um período da história. Mas, nos dias de hoje, sua aplicação é questionável”, afirmou a secretária-executiva da Rede Feminista, Télia Negrão. Ela observa que a adoção no Brasil é um processo burocrático, demorado. Além disso, pelo sistema atual, crianças têm o direito de saber quem são seus pais biológicos. Seja por questão de saúde ou emocional. “Essa proposta impede isso”, lembrou Télia.
A secretária-executiva das Jornadas pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro, Dulce Xavier, concorda: “Nada impede hoje que uma mulher encaminhe seu filho para adoção. Não entendo o que o projeto poderia alterar”. Para Gabriela Schreiner, da organização não-governamental Cecif, que trabalha com crianças em abrigos, a medida é inócua em relação ao que a lei já permite. “A mulher já deve ser atendida pelo poder público durante sua gestação e pode entregar a criança caso não tenha condições de criá-la”, diz. “Não vejo o que pode acrescentar.”
“A medida é benéfica para adolescentes que, por precisarem se identificar, se sentem intimidadas nos hospitais desde o pré-natal”, diz Antonio Carlos Alves Braga Júnior, juiz da Vara da Infância em São Miguel Paulista, zona leste da capital.
PROPOSTA
Direito: Institui o direito ao parto anônimo
Atendimento: A mãe que for a um hospital ou posto de saúde e disser que não deseja a criança, terá o direito de realizar o pré-natal e o parto de forma gratuita
Sigilo: A mãe que quiser manter anônima a maternidade deverá deixar o filho em local a ser mantido na entrada dos hospitais e dos postos de saúde
Responsabilidade: A mãe ficará isenta de qualquer responsabilidade civil ou criminal em relação ao filho doado
Fonte: O Estado de São Paulo