No dia 05 de janeiro de 2006, com a publicação da Lei 11.441, de 04 de janeiro de 2007, tornou-se possível promover por escritura pública o inventário, a separação consensual e o divórcio consensual, com as respectivas partilhas dos bens, desde que os contratantes (herdeiros, cônjuge e companheiro sobrevivente nos inventários e cônjuges ou ex-cônjuges nas separações e divórcios) sejam maiores e capazes.
Antes se utilizava o termo separação judicial, que com a lei do divórcio veio substituir o antigo desquite. Tal expressão indicava a separação em juízo do casal, distinguindo-se da mera separação de fato.
Neste texto utilizarei o termo separação legal, englobando tanto a separação judicial como a separação contratual, conforme se dê em Juízo ou por escritura pública.
Especificamente sobre as separações e divórcios, a lei condicionou a lavratura da escritura pública à ausência de filhos menores ou incapazes do casal, ao passo que no tocante ao inventário não pode existir testamento.
Desde o início da tramitação do projeto no Congresso Nacional, foi possível notar dos Magistrados, Promotores, Advogados e principalmente dos Notários sobre questões que poderiam surgir, principalmente de cunho tributário, com a mudança radical da legislação, permitindo sejam realizados de forma administrativa atos que historicamente estavam sujeitos a tutela jurisdicional.
Possível notar que passada uma semana da vigência da nova lei, persistem ainda dúvidas e incertezas por parte dos notários, principalmente pelo temor de praticarem o ato notarial deixando de observar requisito indispensável, ou de se exigir o recolhimento tributo, sendo posteriormente responsabilizados pela omissão.
Até porque, se é verdade que a lei veio permitir a prática de tais atos por escritura pública, e que sendo os contratantes obrigatoriamente maiores, capazes e assistidos por advogados, podem contratar livremente, não menos verdade é que não afastou ela exigências outras previstas em leis federais, estaduais e mesmo municipais, aplicáveis principalmente em partilhas de bens, em especial quando há desigualdade de valores nos quinhões.
Assim, penso que deverão os tabeliães e os advogados que participarem dos atos notariais agir com certa cautela, principalmente nas seguintes situações:
01) PARTILHA AMIGÁVEL COM PAGAMENTO DO USUFRUTO PARA O CÔNJUGE OU COMPANHEIRO E DA NUA PROPRIEDADE PARA OS HERDEIROS
Na verdade o cônjuge ou companheiro sobrevivente, via de regra tem direito à meação dos bens inventariados, os quais já lhe pertencem em face do regime de bens adotado (comunhão universal ou bens adquiridos na constância do matrimônio no regime de comunhão parcial, etc.), ao passo que os herdeiros recebem em partes iguais a meação que pertencia à pessoa inventariada. Dar na partilha apenas o usufruto para o cônjuge ou companheiro supérstite e a nua propriedade para os herdeiros, significa que o primeiro doou a nua propriedade de sua meação para os herdeiros, reservando o usufruto, e que estes instituíram aquele usufrutuário das partes que constituem suas legítimas, recebidas como herança.
O mesmo se dá quando na partilha do inventário se atribui apenas o usufruto para um herdeiro e a nua propriedade para outro, ou ainda nas separações e divórcios em relação aos cônjuges ou ex-cônjuges.
Tal ocorrendo, além do imposto de transmissão causa mortis nos inventários, deve o tabelião exigir o prévio pagamento do imposto de transmissão por esses atos inter vivos.
02) RENÚNCIA À HERANÇA OU À MEAÇÃO COM BENEFICIÁRIO DETERMINADO
Constantemente se vê nos inventários herdeiros renunciaram à herança em favor de outro herdeiro ou do cônjuge ou companheiro sobrevivente, ou o que é pior, este renunciar à meação em favor de um ou mais herdeiros…
Na verdade o Código Civil contempla apenas as hipóteses de renúncia da herança sem beneficiário determinado, antes de praticado ato pelo herdeiro que importe em sua aceitação (artigo 1.806 e seguintes do atual e 1.581 e seguintes do anterior), não havendo previsão legal para a renúncia da meação.
Mas na prática a doutrina e a jurisprudência acabaram por admitir a chamada “renúncia translativa”, expressão esta sobre a qual certa feita consagrado jurista escreveu que “o substantivo briga com o adjetivo”, porquanto quem renuncia nada transfere.
Na verdade tais renúncias nada mais são do que doações disfarçadas, pois somente se aceitar a herança poderá o renunciante transferir os bens que a integram para pessoa por ele determinada. Caso contrário, havendo renúncia pura e simples como previsto na lei, a parte do renunciante acresce por vontade da norma legal (e não dele) à dos outros herdeiros da mesma classe, ou da subseqüente, conforme o artigo 1.810 do Código Civil.
Da mesma forma, mesmo antes do evento morte o cônjuge ou companheiro meeiro já era proprietário da meação dos bens comuns, importando em doação sua renúncia translativa em favor de um ou mais herdeiros.
Portanto, possível que nas escrituras de inventário os herdeiros ou os meeiros façam doação de suas legítimas ou meações uns aos outros, devendo os notários utilizar o termo correto de doação, evitando a renúncia translativa ou a renúncia em favor de…
Não obstante, seja a expressão utilizada doação, ou renúncia translativa, ou renúncia com beneficiário determinado ou renúncia em favor de alguém, há na espécie transmissão gratuita de bens, por ato inter vivos, impondo-se o prévio recolhimento do imposto de transmissão respectivo ou o reconhecimento pelo fisco da isenção.
03) RENÚNCIAS SEM BENEFICIÁRIOS DETERMINADOS
Nada impede que na mesma escritura de inventário e partilha, um ou mais herdeiros renunciem à herança que lhes cabe sem beneficiário determinado (art. 1.806 do Código Civil), sendo beneficiados com essa renúncia os outros herdeiros da mesma classe, como por exemplo, os outros filhos do inventariado, irmãos do renunciante, ou os herdeiros da classe subseqüente (ex.: todos os filhos do inventariado viúvo renunciam, passando a herança então para os pais do de cujus).
Mas nesses casos devem ser tomados alguns cuidados, não de natureza tributária, inexistente tributação na renúncia da herança pura e simples.
É que algumas vezes certos herdeiros ao renunciarem desejam de fato beneficiar determinada pessoa, não o declarando expressamente para evitar a tributação, imaginando que a disposição da lei atende suas vontades, com o acréscimo das partes que renunciaram à da pessoa por eles visada.
Por exemplo: todos os filhos, querendo beneficiar sua mãe, que foi casada com o de cujo sob o regime da comunhão universal de bens, renunciam à herança que lhes cabe, sem indicar beneficiário determinado, supondo erroneamente que suas partes acrescerão à da sua genitora, uma vez que o inventariado, seu pai, faleceu sem deixar ascendentes.
No entanto, esses herdeiros renunciantes têm filhos, inclusive um menor.
Nessa hipótese, pela regra do art. 1.811 do Código Civil, as partes dos renunciantes serão transmitidas aos seus filhos (netos do inventariado), por direito próprio, e por cabeça, e não ao cônjuge sobrevivente, impondo-se ao tabelião atenção redobrada para não contribuir no equívoco dos contratantes.
Até porque, numa situação como a retratada acima, não poderá o tabelião lavrar a escritura, pois a partilha deverá obrigatoriamente contemplar herdeiro incapaz (filho menor do renunciante).
04) EXISTÊNCIA DE PROCESSOS DE INVENTÁRIO, SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO
A existência de processo de inventário ainda não encerrado, porquanto não julgada a partilha, não impede a realização do inventário por escritura pública, bastando que cópia autêntica dela posteriormente seja juntada ao processo para extinção do feito, por perda de objeto.
No entanto deverá o Juiz examinar se na escritura de inventário e partilha foram observados os requisitos legais, e recolhidos os tributos incidentes, dando ciência ao fisco de eventual sonegação para as providências administrativas ou judiciais que o ente público entender cabíveis.
Igualmente possível lavrar escrituras de divórcio e separação, mesmo existindo processos a respeito ainda não julgados, os quais perderão seu objeto, sendo extintos sem exame do mérito, uma vez neles juntadas cópias autênticas das escrituras.
Embora não obrigatório, de todo recomendável que o tabelião indague dos contratantes e conste da escritura se existe processo em tramitação, se possível indicando seu número e Vara, sendo apresentada e arquivada certidão sobre o estágio em que se encontra o feito.
05) RENÚNCIA À HERANÇA EM PROCESSO DE INVENTÁRIO OU EM OUTRA ESCRITURA ANTERIOR
Entendo que se já existia processo de inventário e nele determinado herdeiro renunciou à sua parte na herança, sem beneficiário determinado, ou mesmo se ocorreu a “renúncia translativa”, com recolhimento do imposto de transmissão inter vivos, salvo declaração do fisco de sua isenção / não incidência, e tal renúncia com ou sem beneficiário tenha sido objeto de homologação pelo Juiz, poderá o tabelião lavrar uma escritura de inventário e partilha, sem a presença no ato do herdeiro renunciante, tocando a parte que lhe caberia aos demais herdeiros nos termos da lei, ou ao herdeiro beneficiado com a renúncia translativa, desde que os interessados apresentem certidão atualizada do processo de inventário, expedida pelo Escrivão do feito, da qual seja possível aferir que a renúncia se refere aos bens inventariados e partilhados.
Também desnecessária a presença na escritura de inventário e partilha do herdeiro renunciante, se tal renúncia, observados os requisitos legais, se deu por outra escritura pública, em oportunidade anterior e em tabelionato diverso, porquanto admitida pelo art. 1.806 do estatuto civil.
Mas repito: indispensável se possa aferir tanto pela escritura anterior, como pela certidão do termo judicial homologado pelo Juiz, que a renúncia envolveu os direitos hereditários sobre os bens inventariados, objeto da escritura de inventário e partilha.
06) INVENTÁRIO E PARTILHA REALIZADOS POR HERDEIROS DE UMA CLASSE POSTERIOR, SEGUNDO A ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA
Pode acontecer dos contratantes do inventário e partilha serem herdeiros de uma classe posterior na ordem de vocação hereditária, como ocorre, por exemplo, na hipótese de promoverem o inventário e partilha os irmãos do Inventariado, em virtude do prévio falecimento da esposa, dos filhos, dos netos e dos pais do de cujo.
Indispensável que em situações como esta, os tabeliães exijam a comprovação não somente do óbito do inventariado, mas de todos os herdeiros das classes anteriores, vale dizer, de todas aquelas pessoas que antecederiam os contratantes na ordem de vocação hereditária.
O mesmo cuidado é de se ter quando do direito de representação na linha reta descendente e principalmente na linha transversal, pois neste último caso somente se dá o direito de representação em favor dos filhos de irmãos do falecido, quando com irmãos deste concorrerem (art. 1.853 do Código Civil).
07) CONCORRÊNCIA ENTRE HERDEIROS E INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO SOBRE AS PARTES QUE EXCEDEREM AS LEGÍTIMAS
Devem os notários atentar-se ainda nas hipóteses em que o cônjuge sobrevivente concorre com herdeiros descendentes e ascendentes. Com os primeiros poderá herdar metade (1/2) da herança, ou um terço (1/3) dela ou no mínimo um quarto (1/4), dependendo se concorre com apenas um, com dois ou com três ou mais descendentes (CC, art. 1.832).
Já com ascendentes poderá receber uma terça parte ou metade da herança (art. 1.832).
Possível, ainda, a concorrência entre irmãos bilaterais com unilaterais (art. 1.840) ou entre seus respectivos filhos (§ 2º do art. 1.843), quanto estes herdarão metade daqueles.
Em todas essas situações, dependendo do número de herdeiros ou mesmo do vínculo unilateral ou bilateral que os une, poderão os herdeiros receber quinhões diferenciados de uma escritura para outra. Se os notários não se atentarem para o fato, poderão beneficiar determinado herdeiro, em prejuízo de outro. E mais, ao efetuarem na escritura pagamento a maior, poderá o fisco interpretar que houve uma transmissão gratuita (doação), sem que houvesse o indispensável recolhimento do imposto respectivo, cobrando a omissão do cartorário.
08) INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO POR ATO INTER VIVOS SOBRE AS PARTES QUE EXCEDEREM A MEAÇÃO OU AS LEGÍTIMAS
Se na partilha dos bens no inventário, na separação ou no divórcio houver pagamento a maior para meeiro, de forma gratuita, restará caracterizada a doação, sujeita ao imposto de transmissão por ato inter vivos devido ao Estado, salvo isenção por ele reconhecida.
Para tanto devem ser observados exclusivamente os valores dos bens comuns, sujeitos a partilha.
Se para compensar o recebimento a maior o herdeiro ou o meeiro efetuar um pagamento em dinheiro ou mediante dação de outros bens, restará caracterizada a transmissão onerosa, como se houvesse uma compra da parte excedente. Nessa hipótese, se o valor excedente corresponder a imóvel, haverá tributação, porém em favor do Município da situação do bem, a título de imposto sobre a transmissão de bem imóvel (ITBI), salvo isenção ou não incidência segundo a lei municipal respectiva. Da mesma forma, se em pagamento for dado outro bem imóvel, devido o ITBI pela transmissão desse bem.
09) PRAZO PARA RECOLHIMENTO DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS NAS ESCRITURAS DE INVENTÁRIO
Tais prazos dependem das leis estaduais que tratam da matéria. Em Minas Gerais o “Imposto sobre a transmissão causa mortis e doação de Quaisquer Bens ou Direitos”, conhecido por ITCD, atualmente é regido pela Lei Estadual nº 14.941, de 29/12/2003, que nos casos de transmissão causa mortis fixa para pagamento um prazo máximo de 180 dias, contados da data da abertura da sucessão (art. 13, inciso I).
Não obstante, o próprio Código de Processo Civil prevê o prévio recolhimento dos tributos antes da sentença que julga a partilha (art. 1.026), ou antes da expedição do formal de partilha (art. 1.031, § 2º), vale dizer, antecedendo a conclusão do processo de inventário.
A lei mineira prevê no § 1º do mencionado artigo 13, que “o ITCD será pago antes da lavratura da escritura pública e antes do registro de qualquer instrumento, nas hipóteses previstas nesta Lei”.
Obviamente não se refere às escrituras de inventário, separação e divórcio, pois inexistentes e inadmissíveis até 04 de janeiro passado.
Assim, como o ITCD sempre foi exigido antes do encerramento do processo de inventário, via de regra antes mesmo de proferida sentença julgando a partilha ou adjudicando os bens a herdeiro único, entendo deva o respectivo tributo ser exigido também antes da lavratura da escritura.
Da mesma forma, eventuais impostos incidentes sobre as partes que excederem gratuitamente a legítima do herdeiro ou a meação do cônjuge ou companheiro sobrevivente, ou ainda sobre as renúncias translativas, deverão ser recolhidos antes da lavratura da escritura de inventário e partilha, posto configurarem verdadeira doação.
E nessas hipóteses em que o imposto de transmissão deve ser exigido previamente, impõe-se aos notários observar para fins de tributação, se há desigualdade das legítimas ou desrespeito ao direito de meação, considerando para tanto a avaliação dos bens realizada pelo fisco estadual, pouco importando atribuam os contratantes valores diferentes da fiscalização, segundo os quais não haveria desigualdade dos quinhões hereditários ou prejuízo ao meeiro.
Em suma: aconselho aos tabeliães exigir o prévio recolhimento do ITCD, antes da lavratura das escrituras de inventário e partilha, mesmo se os bens partilhados forem situados em outras unidades da federação.
10) PRAZO PARA RECOLHIMENTO DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO POR ATO INTER VIVOS NAS ESCRITURAS DE SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO
Relativamente aos processos judiciais de separação e divórcio, em Minas Gerais o imposto de transmissão incide apenas “sobre o valor que exceder à meação, transmitido de forma gratuita”, com prazo para pagamento de até 15 dias, contados da data do trânsito em julgado da sentença, nos termos do inciso III, do mencionado art. 13 da Lei Estadual nº 14.941, de 29/12/2003.
Em razão disso, descarta-se a possibilidade de se exigir previamente o recolhimento do tributo no próprio processo, porquanto com o trânsito em julgado da sentença possível desde logo a expedição do formal de partilha ou da carta de sentença e o arquivamento do processo.
Concluo assim, por analogia, ser possível aos separandos ou divorciandos recolher o tributo (se devido for), no prazo de 15 dias contados da lavratura da escritura de separação ou divórcio, não obstante seja de todo aconselhável o seu prévio pagamento.
E não sendo exigível o pagamento do imposto antes da escritura, não há necessidade também de prévia manifestação do fisco sobre os valores atribuídos pelos contratantes aos bens partilhados.
Uma coisa é certa: seja escritura de inventário e partilha, seja de separação ou divórcio, o pagamento dos impostos de transmissão causa mortis ou por atos inter vivos devem preceder obrigatoriamente ao registro imobiliário, conforme em Minas Gerais exige o artigo 18 da lei anteriormente referida.
11) POSSIBILIDADE DE DIVÓRCIO DIRETO CONSENSUAL
Entendo possível a realização do divórcio direto consensual por escritura pública, bastando que os divorciandos apresentem declaração escrita de duas ou mais pessoas, com firmas reconhecidas, atestando sob as penas da lei saber que o casal se encontra separado de fato, ininterruptamente, há mais de dois anos. Também possível a presença de testemunhas no ato para dar tal declaração, sempre sob as penas da lei em caso de falsidade.
No entanto, como há acirrada divergência a respeito e salvo se houver autorização judicial para a lavratura do ato, aconselhável aos tabeliães aguardar instruções a respeito da sua Corregedoria-Geral de Justiça, ou que seja pacificado o entendimento por mudança da lei ou por construção jurisprudencial.
12) POSSIBILIDADE DA SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO POR ESCRITURA, MESMO EXISTINDO FILHOS MENORES OU MAIORES INCAPAZES
A lei é clara ao condicionar as escrituras de separação e divórcio à ausência de filhos menores ou maiores incapazes do casal.
No entanto, princípio comezinho de direito pátrio que “a lei deve ser aplicada segundo os fins sociais a que se destina”, de modo a afastar a vedação em alguns casos especiais.
Com efeito, a finalidade da lei nova foi simplificar as separações e divórcios consensuais, mediante procedimento administrativo rápido, quando desnecessária a intervenção judicial.
Afastou-se a possibilidade de realização dos atos notariais quando da presença de filhos incapazes dos separandos e divorciandos, posto ser indispensável a tutela dos interesses destes pelo Poder Judiciário, sob a fiscalização do Ministério Público.
Mas e se os direitos indisponíveis dos filhos incapazes já estiverem judicialmente tutelados e as escrituras de separação e divórcio ratificarem as decisões judiciais, sem quaisquer alterações pelo casal? Qual prejuízo para os filhos incapazes?
Nenhum.
Assim, se for caso de mera conversão consensual de separação judicial em divórcio, no qual ficarão mantidas as cláusulas da separação relativas à guarda, direito de visita e pensão alimentícia dos filhos menores e maiores incapazes, obviamente que nenhum prejuízo poderá ocorrer para os filhos. Nessa hipótese se foram prejudicados, tal se deu no processo judicial da separação e sob as barbas do Juiz de Direito e do Promotor de Justiça.
Ora, também possível em processo contencioso ou consensual serem resolvidas as questões de alimentos, guarda e direito de visita dos filhos incapazes, podendo os cônjuges em escritura de separação ou divórcio consensual direto ratificar o acordo homologado ou a decisão imposta pelo Judiciário.
Tal ocorrendo não há margem para prejuízo para os filhos.
Em resumo: entendo que a intenção do legislador, ou melhor, que o fim social buscado foi unicamente impedir que os cônjuges ou ex-cônjuges, em escrituras de separação ou divórcio, portanto sem a presença do Juiz de Direito e do Promotor de Justiça, estabeleçam ou alterem direitos envolvendo filhos menores ou maiores incapazes, especialmente sobre pensão alimentícia, guarda e direito de visita, de modo a permitir ao Judiciário afastar tal óbice para a lavratura da escritura pública, quando já tutelados judicialmente os direitos desses filhos, limitando-se o casal a ratificar as condições dessa tutela judicial.
Acredito que, com o decorrer do tempo, será essa a posição adotada pela maioria dos Juízes. No entanto, como aos tabeliães não é dado decidir, devem se abster de lavrar escrituras quando existentes filhos incapazes, seguindo à risca a letra fria da lei, podendo quando muito levantar dúvida ao Magistrado, ou instruir os contratantes a postular autorização judicial.
Na prática, entre aguardar uma decisão em processo de dúvida ou de autorização judicial para a lavratura da escritura, é preferível requerer a separação ou o divórcio em juízo.
13) ESCRITURA DE INVENTÁRIO E ADJUDICAÇÃO
A lei autoriza seja lavrada a escritura de inventário e partilha, quando os interessados forem maiores e capazes.
Mas se houver herdeiro único, sendo caso de adjudicação?
Não vejo qualquer óbice em se lavrar uma escritura de inventário e adjudicação, figurando o único herdeiro como outorgante declarante.
Comprovada a qualidade de herdeiro único, observadas as demais exigências legais e recolhido o imposto de transmissão causa mortis, deve o tabelião lavrar mencionada escritura, por se tratar de situação singela, menos complexa do que se houvesse outro ou outros herdeiros e, conseqüentemente, uma partilha.
14) CONCLUSÃO
Tomados esses cuidados, observando-se pela certidão do registro civil o óbito da pessoa inventariada ou o tempo mínimo de casamento para a separação consensual (CC, art. 1.574) ou para a conversão da separação legal em divórcio (art. 1.580), não há qualquer empecilho em se lavrar escritura de inventário, separação ou divórcio, por se tratar de ato notarial como outro qualquer.
A lei veio em boa hora, com possibilidade de desafogar o Judiciário, dele retirando casos nos quais sua intervenção não se justifica. Apenas uma crítica: deveria o legislador ao invés de criar mais uma forma de separação legal, ter aproveitado a oportunidade para acabar com a separação judicial, e principalmente com a discussão de culpa pela separação, fonte interminável de litígios no Judiciário, cuja finalidade única é manter abertas as feridas das separações traumáticas.
Como costumeiramente diz o Desembargador Judimar Martins Biber Sampaio: vamos sem medo.
Antonio Carlos Parreira
Juiz de Direito da Vara de Família e Sucessões e Diretor do Foro da Comarca de Varginha – MG
Fonte : Site da AMAGIS