Divisão e a Organização Judiciárias de MG – Parecer sobre o veto Parcial à proposição da LC nº 112

Comissão Especial

Relatório

O Governador do Estado, no uso da atribuição que lhe é conferida no art. 90, VIII, combinado com o art. 70, II, da Constituição do Estado, opôs veto parcial à proposição de lei complementar em epígrafe, que altera a Lei Complementar nº 59, de 18/1/2001, que contém a organização e divisão judiciárias do Estado de Minas Gerais.

Por meio da Mensagem nº 270/2008, publicada no “Diário do Legislativo” de 29/8/2008, o Chefe do Poder Executivo encaminhou, para apreciação desta Casa, as razões do veto incidente sobre a proposição, o qual deve receber parecer desta Comissão Especial, nos termos do art. 222, combinado com o art. 111, “b”, do Regimento Interno.

Fundamentação

Nos termos da Mensagem nº 270/2008, o Governador do Estado opôs veto parcial à Proposição de Lei Complementar nº 112, o qual incidiu sobre: os §§ 2º, 3º e 4º do art. 1º; o art. 4º; o art. 13; o art. 27; o art. 31; o art. 50; o art. 51; o inciso XVII do art. 53; o art. 58; o art. 59; o art. 63; o art. 65; e os arts. 67 e 68. Para facilitar a compreensão e a análise da matéria, julgamos oportuno proceder ao exame detalhado de cada argumento exposto pelo Chefe do Poder Executivo para fundamentar sua discordância sobre as normas vetadas, as quais serão mencionadas expressamente.

I – §§ 2º, 3º e 4º do art. 1º

“Art. 1º – (…)

§ 2º – A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos tribunais a que se refere o §1º será exercida pela Assembléia Legislativa, na forma definida em seu Regimento Interno.

§ 3º – O Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça Militar enviarão à Assembléia Legislativa, trimestral e anualmente, relatório das suas atividades e apresentarão sua prestação de contas anual, acompanhada do relatório de controle interno, para fins do disposto no § 2º.

§ 4º – Os demonstrativos de despesa serão divulgados, no órgão oficial de imprensa do Estado e por meio eletrônico, nos termos do § 3º do art. 73 da Constituição do Estado.”.

O Executivo vetou os §§ 2º, 3º e 4º do art. 1º.

Nesse caso, constatamos haver excessos nos referidos §§ 3º e 4º: invasão de espaço reservado a outros organismos do Estado e ofensa ao princípio da independência dos Poderes (vícios jurídicos).

Com referência ao § 2º, também vetado, é preciso que se compreenda a regra em seus devidos termos. Uma vez que a Assembléia Legislativa, por definição constitucional, exerce a função de fiscalizar as contas do Estado, com apoio do Tribunal de Contas, é natural que o seu Regimento Interno defina normas que disponham sobre a forma em que se dará tal fiscalização. Isso não significa que esteja havendo usurpação de prerrogativas. O Legislativo pode dizer como será a sua atuação, no exercício de uma competência que a Constituição mineira lhe outorga, sem prejuízo da atuação que incumbe à Corte de Contas.

Assim, opinamos pela manutenção do veto incidente sobre os §§ 3º e 4º e pela rejeição do veto incidente sobre o § 2º da proposição sob comento.

II – Art. 4º

“Art. 4º – O inciso I do § 5º do art. 6º da Lei Complementar nº 59, de 2001, passa a vigorar com a seguinte redação:

`Art. 6º – (…)

§ 5º – (…)

I – dois Serviços de Tabelionato de Notas nas comarcas de primeira e segunda entrância e, nas de entrância especial, mais um Tabelionato de Notas por vara acima de dez, até o máximo de dez Tabelionatos de Notas na comarca;`.”.

Alega o Poder Executivo, entre outras coisas, que o art. 4º “sofreu substancial alteração durante a sua tramitação, que desconsidera a competência privativa do Tribunal de Justiça”.

O argumento exposto confunde poder de iniciativa com poder de emenda. Tal confusão, também já cometida em decisões da própria Corte Superior do País (ver ADIs 1050 e 1051), esvazia a função legiferante e atenta contra princípios basilares da Constituição da República (arts. 1º e 2º, especialmente).

O processo legislativo constitucional se erige como garantia fundamental do cidadão em contexto de Estados Democráticos. A Casa Legislativa, dada a sua composição plural, constitui foro indispensável à discussão dos assuntos afetos aos interesses de uma sociedade bastante heterogênea. Se o Poder Executivo é monocrático, se o Poder Judiciário é integrado por agentes não políticos, o Legislativo é, por sua vez, composto por representantes das mais variadas tendências ideológicas, aí incluídas as minorias de toda a ordem.

A Constituição da República, como regra, proíbe a iniciativa parlamentar em matérias pertinentes à organização e ao funcionamento dos demais Poderes do Estado e o faz como forma de assegurar densidade ao princípio da independência dos Poderes. Porém, não veda, “a priori”, a apresentação de emendas parlamentares. O debate que se trava no Legislativo não se limita a dizer “sim” ou “não” às propostas normativas: vai muito além, devendo permitir que sugestões de aperfeiçoamento sejam discutidas e aprovadas, a fim de que demandas e carências sociais diversas, às vezes antitéticas, sejam confrontadas e compatibilizadas.

O poder de emendar é a regra nos parlamentos, excetuada apenas em restritas hipóteses, como a do art. 63 da Lei Maior. Interpreta-se amplamente o poder de emenda, para que seja fortalecida a representação popular no decorrer do processo legislativo. A emenda só não cabe em caso de expressa vedação constitucional.

A propósito, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do pedido de medida cautelar formulado na ADI 865/MA, que teve como relator o Ministro Celso de Mello, proferiu decisão consubstanciada em acórdão com a seguinte ementa:

“(…)

A cláusula constitucional que confere exclusividade ao Tribunal de Justiça para instaurar o processo legislativo em tema de organização e divisão judiciárias do Estado não impede os parlamentares de oferecerem emendas ao correspondente projeto de lei.

O poder de emendar, que não constitui derivação do poder de iniciar o processo de formação das leis, é prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, quanto ao seu exercício, apenas às restrições impostas, em `numerus clausus`, pela Constituição Federal.

O projeto de lei sobre organização judiciária pode sofrer emendas parlamentares de que resulte, até mesmo, aumento da despesa prevista.

O conteúdo restritivo da norma inscrita no art. 63, II, da Constituição Federal – que concerne, exclusivamente, aos serviços administrativos estruturados na Secretaria dos Tribunais – não se aplica aos projetos referentes à organização judiciária, eis que as limitações expressamente previstas, nesse tema, pela Carta Política de 1969 (art. 144, § 5º, `in fine`), deixaram de ser reproduzidas pelo vigente ordenamento constitucional”. (Grifo nosso.)

Como se vê, o poder de emenda, em relação à lei de organização e divisão judiciárias, é limitado apenas no que tange aos serviços administrativos estruturados na Secretaria dos Tribunais, expressão que não abrange, de modo algum, os Serviços de Tabelionato de Notas referidos no dispositivo vetado.

Ademais, tabelionato constitui serviço público delegável, função que, para ser exercida, não depende da formal criação do correspondente cargo público e, além disso, não gera despesa pública. Não incidem, na espécie, as limitações impostas pelo art. 169 da Constituição da República.

Ao fim do que se disse, cabe reproduzir, à guisa de arremate, as palavras do saudoso Ministro Victor Nunes Leal (RTJ 36/382, 385):

“(…) A Assembléia não pode ficar reduzida ao papel de dizer sim e não, como se fosse – frase conhecida – composta de mudos, que apenas pudessem baixar a cabeça, vertical ou horizontalmente”.

Quando a Constituição da República fala em harmonia dos Poderes, ela não apenas quer evitar que os organismos superiores do Estado se isolem uns dos outros ou, até mesmo, entrem em rota de colisão, mas também quer estimular, entre eles, todas as formas de cooperação possíveis. O Legislativo coopera, especialmente, oferecendo sugestões de mudança para aperfeiçoar os projetos de lei apresentados pelo Executivo e pelo Judiciário. E, agindo assim, mais do que cooperar com os Poderes, o Legislativo dá vazão aos anseios populares, colocando-os na pauta do debate político.

Somos, portanto, pela rejeição do veto oposto ao art. 4º da proposição.

III – Art. 13 (§ 2º do art. 59 da LC 59)

“Art. 13 – Ficam acrescentados ao art. 59 da Lei Complementar nº 59, de 2001, os seguintes §§ 1º e 2º:

`Art. 59 – (…)

(…)

§ 2º – O Tribunal de Justiça instalará, nas comarcas de entrância especial, varas especializadas no julgamento de questões relacionadas com o meio ambiente e o consumidor.`.”.

O Executivo vetou o § 2º inserido no art. 59 da Lei Complementar nº 59, de 2001.

No que tange à criação de despesa, primeiro dos argumentos, reportamo-nos aos argumentos apresentados no item anterior.

Quanto à violação do princípio da eficiência, é importante observar que razões de ordem técnica (risco de ociosidade das novas varas) são por demais subjetivas quando não acompanhadas de dados, números, estatísticas.

A bem da verdade, não há como constatar vício jurídico na proposta, ao menos se for tomada por base a argumentação desenvolvida pelo Poder Executivo para fundamentar o veto.

Além do mais, é notável a constatação do crescente número de demandas nas duas searas referidas na proposta normativa (meio ambiente e proteção ao consumo), sobretudo em entrâncias especiais, as quais estão situadas nos Municípios mais populosos.

A rigor, o Judiciário e o Executivo não concordam com o preceito em questão por considerá-lo inconveniente aos interesses do Tribunal de Justiça, embora a justificação apresentada para a negativa de sanção seja inconsistente. Não obstante esse fato, somos pela manutenção do veto oposto ao art. 13 da proposição em análise, o qual introduz o SS 2º no art. 59 da Lei Complementar nº 59.

IV – Art. 27

“Art. 27 – O inciso VI do art. 165 da Lei Complementar nº 59, de 2001, passa a vigorar com a seguinte redação:

`Art. 165 – (…)

VI – contar, pelo menos, três anos de efetivo exercício, a partir da colação de grau, como magistrado, Promotor de Justiça, Advogado, Serventuário da Justiça ou de atividade para cujo exercício seja exigida a utilização preponderante do Direito;`.”.

Inicialmente, cumpre ressaltar que o direito explícito dos servidores do Judiciário mineiro de se inscreverem em concurso para a magistratura, sem necessidade de exonerar-se de seus cargos, não é novidade do preceito ora vetado, pois tal comando consta no art. 337 da vigente Lei Complementar nº 59, de 2001. Esse dispositivo foi apenas deslocado para o inciso VI do art. 165 da mencionada lei, com as adaptações decorrentes da Emenda à Constituição Federal nº 45, de 2000, conhecida como Reforma do Judiciário. Esta não trouxe nenhum impedimento à manutenção desse direito dos servidores do Poder Judiciário. Ao contrário, se antes a inscrição em concurso para a magistratura se restringia a atividade para cujo exercício era exigido conhecimento privativo de direito, após a edição dessa emenda o direito foi ampliado para as atividades que exigem conhecimento preponderante do direito. Nesse ponto, é oportuno salientar que a Resolução nº 11, de 2006, do Conselho Nacional de Justiça, a qual regulamenta o critério de atividade jurídica para ingresso na magistratura nacional, deixou explícito que tal critério abrange o “exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive o de magistério superior, que exija a utilização preponderante do conhecimento jurídico”.

Para reforçar a tese de que os serventuários da Justiça exercem atividade predominantemente jurídica, basta lembrar que tais agentes lidam diariamente com processos judiciais, seja acompanhando as audiências, seja certificando prazos, seja cumprindo os atos de ofício relacionados com a tramitação dos processos. Trata-se de uma atividade de suporte técnico-jurídico à atuação dos magistrados, o que é importante para garantir a celeridade e o bom andamento dos processos.

Por outro lado, o art. 27 não delimita o direito apenas aos servidores integrantes do Judiciário, diferentemente do que consta nas razões do veto. Isso porque a parte final do dispositivo estende essa faculdade a todos os servidores que desempenham “atividade para cujo exercício seja exigida a utilização predominante do Direito”.

Dessa forma, não se nos afigura inconstitucional a manutenção da regra constante no 27 da Proposição de Lei Complementar nº 112, razão pela qual nos manifestamos contrariamente ao veto incidente sobre tal dispositivo.

V – Art. 31

Art. 31 – O art. 178 da Lei Complementar nº 59, de 2001, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 178 – A remoção do Juiz, voluntária ou por interesse público, só poderá efetivar-se para comarca ou vara a ser provida por merecimento.”.

Quanto ao veto ao art. 31, parece que a intenção é fazer voltar a redação anterior. A nova redação do dispositivo, conferida por emenda parlamentar, retira do Tribunal de Justiça a possibilidade de contar com as vagas de promoção por antigüidade para efetuar a remoção de Juízes.

Todavia, embora se trate de questão meramente técnica, o Poder Executivo entende haver vício de iniciativa na apresentação da emenda que originou a regra ora vetada. Mais uma vez, opera-se grave confusão conceitual entre a prerrogativa de encetar o processo legislativo e o poder de emenda, assunto suficientemente esclarecido no item II deste parecer.

O veto só pode sustentar-se em razões de ordem pública. Deve a lei fixar critérios para as decisões a serem tomadas pelos órgãos estatais; o critério pode até não ser o mais adequado, mas é a lei que irá estabelecê-lo. Trata-se de exigência que decorre do conteúdo que encerra, na esfera do direito público, o princípio constitucional da legalidade; na esfera estatal – não é demais repetir -, só é dado fazer o que a lei permite ou determina.

Em síntese, o veto a esse dispositivo expressa a discordância do Tribunal de Justiça em relação à supressão do preceito original, ao passo que a redação proposta por esta Casa não atende às conveniências daquela Corte. Por se tratar de veto atinente a questões de interesse público, que tem fundamento constitucional, apesar de não invocado pelo Governador do Estado, opinamos pela manutenção do veto incidente sobre o art. 31 da proposição em comento.

VI – Art. 50

Art. 50 – O art. 340 da Lei Complementar nº 59, de 2001, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 340 – O Tribunal de Justiça criará Câmara Especial para processar e julgar as ações penais e de improbidade administrativa contra os agentes políticos.”.

Nas razões do veto, o Poder Executivo alega, entre outras coisas, que estaria havendo indevida “criação de foro especial” e que a regra em questão “estabelece privilégios”.

Com essas expressões, deturpa-se, a toda a evidência, o significado normativo, fazendo recair sobre o Poder Legislativo a suspeita de que seus membros estão agindo em causa própria. Ademais, constata-se, uma vez mais, desconhecimento técnico de conceitos há muito sedimentados no constitucionalismo nacional.

O “foro especial” que “estabelece privilégios” (melhor seria dizer “prerrogativas”) é aquele que se encontra nos textos constitucionais, a permitir que agentes políticos sejam julgados por instância superior do Poder Judiciário (STF, STJ, TJ etc.). Trazem benefícios outorgados não para favorecer a pessoa do agente, mas para garantir o bom desempenho de sua função; tanto é assim, que são eles irrenunciáveis. A nosso ver, a norma vetada traz preceito bem diverso, e a disposição anterior, ora modificada, facultava ao Tribunal de Justiça a instituição da Câmara Especial por meio de lei específica.

Com a nova redação, a Assembléia Legislativa assegura à Corte competência para instituir o citado órgão por meio de ato próprio e introduz a expressão “improbidade administrativa”. O objetivo da norma foi, tão-somente, garantir celeridade e especialização no julgamento dos agentes políticos, jamais conceder privilégios para determinadas autoridades públicas.

O que se pode dizer em desabono à nova redação do art. 340 é que ela limita a autonomia do Judiciário. A tese, ainda assim, é bastante questionável, pois o citado artigo não define previamente o momento em que se dará a prática do ato instituidor da Câmara Especial.

Pode-se invocar ainda a decisão do Supremo Tribunal Federal na Reclamação nº 2.138, a qual expressou o entendimento de que os agentes políticos não estão sujeitos às normas da lei de improbidade administrativa. Embora não vincule o Estado de Minas Gerais, tal decisão sustenta tese diversa da que se consubstanciou no art. 50, o qual, a bem da verdade, muito ao contrário do que se disse nas razões de veto, não cria privilégios para as autoridades estaduais, na medida em que reconhece a ampla incidência da referida lei.

A nosso ver, o veto só se justifica sob a alegação de pretenso desrespeito à autonomia do Judiciário para o tratamento da matéria, razão pela qual opinamos pela manutenção do veto oposto ao art. 50 da proposição.

VII – Parágrafo único do art. 51

Art. 51 – Ficam criados, nas comarcas que seguem, os seguintes cargos de Juiz de Direito:

(…)

Parágrafo único – O cargo de Juiz de Direito criado na Comarca de Abre Campo, de que trata o inciso II deste artigo, terá caráter itinerante, e seu titular atenderá prioritariamente o Município de Matipó.”.

Efetivamente, todos os Juízes, por força de lei, já podem integrar programas itinerantes de atendimento público. Esse fato, por si só, não impede a previsão expressa de atendimento prioritário a determinado Município, como é o caso de Matipó, que, segundo a lei vigente, integra a Comarca de Abre Campo. Assim, com a criação de mais um cargo de Juiz de Direito na mencionada comarca, o que se pretende é o deslocamento do magistrado até o Município de Matipó para a prática de atos de interesse público.

Diversamente do que foi alegado pelo Chefe do Poder Executivo, o preceito em tela, que resultou de emenda parlamentar, não afronta a iniciativa do Tribunal de Justiça para a disciplina da matéria. Uma coisa é o poder de deflagração do processo legislativo mediante a remessa a esta Casa de projetos de interesse da Corte de Justiça, como é o caso da lei de organização e divisão judiciárias; outra coisa é a prerrogativa do Legislativo de apresentar emendas, desde que mantenham relação de pertinência com a proposição principal e observados os limites constitucionais relativos ao poder de emenda. Assim, todo projeto é passível de alteração por meio de emendas parlamentares.

Somos, portanto, pela rejeição do veto incidente sobre o parágrafo único do art. 51 da proposição em comento.

VIII – Inciso XVII do art. 53

“Art. 53 – Ficam transferidos os Municípios de:

XVII – Piracema, da Comarca de Passa Tempo para a de Itaguara.”.

Ao alegar, nas razões do veto, vício de iniciativa, promove-se, novamente, confusão entre iniciativa e emenda. Não se trata de desrespeito às regras de iniciativa privativa consagradas no ordenamento constitucional mineiro, pois o projeto é originário do Tribunal de Justiça, e não desta Casa. O preceito em análise é fruto de intenso trabalho desenvolvido no Poder Legislativo para compatibilizar interesses diversos na definição das comarcas do Estado.

Tal definição não constitui um problema meramente técnico ou numérico. Lançando mão do direito que assiste a todo cidadão de opinar e participar das decisões políticas, representantes do Judiciário, dos poderes locais, de agremiações privadas de interesse público etc. apresentam sugestões que são ouvidas e debatidas pelos parlamentares, em processos, muitas vezes, extenuantes.

A discordância é válida e salutar. Todavia, é preciso invocar fundamentos pertinentes. O veto, no caso, só se sustenta em razões de interesse público, uma vez que não convém aos interesses do Tribunal de Justiça retirar o Município de Piracema da Comarca de Passa Tempo. O assunto está intimamente relacionado às conveniências da administração da justiça, e não a vício de iniciativa.

Somos, pois, pela manutenção do veto incidente sobre o inciso XVII do art. 53.

IX – Art. 58

Art. 58 – Fica acrescentado à Lei Complementar nº 59, de 2001, o seguinte art. 255-A:

“Art. 255-A – É requisito para a investidura em cargo de Oficial de Justiça a titularidade do grau de bacharel em Direito.”.

O preceito em questão foi introduzido no texto da proposição com fulcro na Resolução nº 48, de 2007, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ -, a qual determina aos Tribunais que “passem a exigir, como requisito para provimento do cargo de Oficial de Justiça, a conclusão de curso superior, preferencialmente em Direito”. (Grifo nosso.) A norma vetada pelo Chefe do Executivo exige a habilitação jurídica para o exercício dessa atividade, que abrange a execução de mandado, citação, intimação, etc. Trata-se, no caso, de uma opção desta Casa legislativa que está em sintonia com a determinação contida na referida resolução do CNJ, a qual tem o escopo de garantir o regular exercício da função por meio de profissionais que tenham a formação jurídica adequada, em face da natureza da atividade exercida pelo Oficial de Justiça.

No plano federal, a Lei nº 11.416, de 2006, que dispõe sobre as carreiras dos servidores do Poder Judiciário da União, inseriu o cargo de Oficial de Justiça Avaliador Federal na carreira de Analista Judiciário em área cujas atribuições estejam relacionadas com a execução de mandados e atos processuais de natureza externa, na forma da legislação processual. Como esse cargo se enquadra na área judiciária, seu ocupante deve ser bacharel em Direito, conforme determina o art. 3º, I, combinado com o art. 4º, SS 1º, da mencionada norma federal.

Verifica-se, portanto, que a manutenção do dispositivo em comento é necessária, justa e compatível com outros diplomas normativos que servem de referência para o tratamento da matéria. Ademais, o preceito não invade a esfera de competência privativa do Tribunal de Justiça, como alega o Governador do Estado para justificar a negativa de sanção. Essa tese somente seria aceita se esta Casa tivesse deflagrado o processo legislativo para a disciplina do assunto, o que não ocorreu, uma vez que a proposição foi encaminhada a esta Casa pelo Presidente do Tribunal de Justiça. Ora, o poder de emendar é próprio do Legislativo, que tem a prerrogativa constitucional de suprimir, modificar e acrescentar disposições ao projeto original, desde que tais emendas tenham conexão com a proposição principal. O que não se admite, em face do ordenamento constitucional em vigor, é a inserção de emendas que impliquem aumento da despesa prevista nos projetos sobre organização dos serviços administrativos do Tribunal de Justiça, nos termos do art. 68, II, da Carta mineira.

Opinamos, pois, pela rejeição do veto incidente sobre o art. 58 da Proposição de Lei Complementar nº 112.

X – Inciso IV do art. 59

Art. 59 – A Comarca de Belo Horizonte terá, pelo menos:

(…)

IV – uma vara de execução penal para atender à Região Metropolitana e ao Colar Metropolitano.

Efetivamente, algumas comarcas da Região Metropolitana e do Colar Metropolitano já possuem varas de execução penal, como é o caso de Belo Horizonte e de Contagem. Além disso, o SS 3º do art. 10 da Lei Complementar nº 59 determina que, nas comarcas onde houver penitenciária, uma das varas será destinada à execução criminal.

De fato, o dispositivo, além de se afigurar inócuo, pode causar conflito de competência. Constata-se, qual o Poder Executivo, ofensa aos princípios da razoabilidade e da eficiência, razão pela qual somos conduzidos a manter o veto oposto ao inciso IV do art. 59 da Proposição de Lei Complementar nº 112.

XI – Art. 63

Art. 63 – Na lei que tratar do plano de carreira dos servidores do Poder Judiciário, o Tribunal de Justiça garantirá a equivalência de vencimentos dos ocupantes do cargo de que trata o art. 255-A da Lei Complementar nº 59, de 2001, que, na data da publicação desta lei complementar, não tenham a formação acadêmica exigida.

Os servidores abrangidos pela norma são os Oficiais Judiciários. O Executivo, nas razões do veto, alega que o dispositivo ficara prejudicado em virtude do veto ao art. 58. Entende, ainda, que a equivalência de vencimentos é inconstitucional.

A finalidade do comando é evitar tratamento diferenciado entre os servidores que exercem a mesma atividade ou função e assegurar a observância do princípio da isonomia. A expressão “equivalência de vencimentos” utilizada no dispositivo tem outro significado, ou seja, diz respeito ao direito adquirido dos Oficiais que ingressaram antes de eventuais mudanças na legislação.

É importante ressaltar que, até o ano de 1992, por força da lei que disciplinava o plano de carreira dos servidores, o Tribunal de Justiça exigia, para ingresso no cargo de Oficial de Justiça das Comarcas de Entrância Final e Especial, a graduação em Direito. No propósito de corrigir esse equívoco e dispensar tratamento isonômico a esses servidores, a Corte de Justiça, em 1999, encaminhou projeto a esta Casa retirando tal exigência e passando a estabelecer, para todas as entrâncias, a conclusão do 2º grau; entretanto, no afã de igualar os Oficiais de Justiça de todas as entrâncias, o Tribunal cometeu o equívoco de não exigir a habilitação jurídica específica para o exercício da função. Com a edição da Lei nº 13.467, de 2000, o tratamento diferenciado passou a existir, de fato, até mesmo entre os Oficiais de Justiça de uma mesma comarca. Essa situação desigual permanece, pois há servidores que ingressaram no Judiciário em 1992 para as comarcas de entrâncias final e especial, percorrendo a carreira de Técnicos Judiciários, com salário a esta inerente; Oficiais de Justiça aprovados nos concursos de 2001 e 2005 para comarcas de qualquer entrância, percorrendo a carreira de Oficial Judiciário, com salários inerentes a esta; e, finalmente, Oficiais de Justiça aprovados nos próximos concursos para todas as comarcas na carreira de Técnico Judiciário, com vencimentos pertinentes a essa carreira. Em síntese, trata-se de uma mesma classe de servidores, com funções e carga horária idênticas, porém com salários e carreiras diferentes.

De acordo com essa linha de raciocínio, discordamos da recusa de sanção ao preceito em comento, razão pela qual somos pela rejeição do veto incidente sobre o art. 63.

XII – Art. 65

Art. 65 – Os incisos III, V e XI do “caput” do art. 251 da Lei nº 3.344, de 14 de janeiro de 1965, passam a vigorar com a redação que segue, ficando acrescentados ao artigo os seguintes §§ 2º, 3º e 4º e transformado seu parágrafo único em § 1º:

“Art. 251 – (…)

III – um Oficial do Registro de Imóveis para cada cento e cinqüenta mil habitantes ou fração e onde seja observada, no triênio, a média mensal de quatrocentos atos remunerados;

(…)

V – um Oficial do Registro de Protestos para cada cento e cinqüenta mil habitantes ou fração e onde seja observada, no triênio, a média mensal de quatrocentos atos remunerados;

(…)

XI – um Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais para cada cento e cinqüenta mil habitantes ou fração e onde seja observada, no triênio, a média mensal de quatrocentos atos remunerados.

(…)

§ 2º – Para fins do cálculo a que se refere o inciso III do “caput”, não se consideram atos do serviço de Registro de Imóveis:

I – protocolo;

II – arquivo;

III – registros dispostos nas seis primeiras faixas previstas na alínea “e” do número “5” da Tabela IV do Anexo da Lei nº 15.424, de 30 de dezembro de 2004;

IV – certidões;

V – os de emolumentos dispensados por lei federal;

VI – matrícula.

§ 3º – Compete ao Tribunal de Justiça:

I – divulgar, semestralmente, o rol de serviços de registros de imóveis e de tabelionato de protestos para os fins deste artigo;

II – promover, semestralmente, a instalação e o provimento dos serviços em decorrência da aplicação do disposto neste artigo.

§ 4º – Para fins do cálculo dos atos a que se refere o inciso XI do “caput”, não se incluem as certidões e os atos cujos emolumentos sejam dispensados por disposição de lei federal.”.

Persiste, nas razões do veto, a confusão entre o poder de iniciativa e o poder de emendar. Aplica-se, no caso, a argumentação utilizada no item II deste parecer. Longe de configurar vício de iniciativa, o preceito vetado não convém aos interesses do Tribunal de Justiça, razão pela qual não há interesse em manter a nova disciplina proposta por esta Casa, legítimo e autêntico órgão de representação popular.

Dessa forma, somos pela rejeição do veto incidente sobre o art. 65.

XIII – Art. 67

Art. 67 – O Tribunal de Justiça garantirá, por meio de encaminhamento de projeto de lei à Assembléia Legislativa, no prazo máximo de cento e vinte dias contados da publicação desta lei complementar, a instituição de uma gratificação pela atividade de chefia aos servidores ocupantes do cargo de Técnico de Apoio Judicial e Oficial de Apoio Judicial, classe B, titulares ou substitutos.

Embora o dispositivo estabeleça prazo para o encaminhamento de projeto, pelo Tribunal de Justiça, a esta Casa, o que não é comum em projetos dessa natureza, trata-se de medida oportuna e que visa a corrigir uma injustiça em relação aos servidores de 1ª instância que exercem a gerência de secretarias ou contadorias (Escrivães e Contadores). Na verdade, existe uma grave distorção que precisa ser corrigida. Isso porque tais servidores cumprem jornada de 8 horas diárias, sem receber vantagem pecuniária em razão dessa jornada, ao passo que há servidores pertencentes a outra carreira que estão posicionados no mesmo padrão e classe, percebendo o mesmo vencimento daqueles, apesar de se submeterem a uma jornada diária de 6 horas. Ademais, os servidores que exercem cargos de direção ou coordenação na 2ª instância têm tratamento diferenciado, fazendo jus a uma gratificação.

Saliente-se que o preceito vetado não fixou os critérios nem os valores para a gratificação a ser instituída pelo Tribunal de Justiça, deixando a cargo daquela Corte a prerrogativa de estabelecer os contornos e o percentual dessa vantagem pecuniária, o que é natural, pois, caso contrário, estaria invadindo a esfera de competência privativa do Judiciário. A alegação de que o dispositivo em questão não constava na redação original do projeto não constitui argumentação válida e suficiente para a negativa de sanção, pois, como foi devidamente esclarecido, o poder de emenda dos parlamentares é uma atribuição natural do Poder Legislativo. Este não funciona como mero órgão homologador das iniciativas dos demais Poderes do Estado, cabendo-lhe aperfeiçoar a matéria submetida a sua apreciação, observadas as limitações constitucionais.

Quanto à alegação do Governador do Estado de que o artigo acarreta aumento de despesa sem o prévio estudo à sua realização, cabe ressaltar que existem outros preceitos que também acarretam despesa, embora não tenham sido vetados. Além disso, é o próprio Tribunal de Justiça que deverá observar tais parâmetros, quando da remessa do projeto a esta Casa, ocasião em que deverá indicar o impacto e as fontes necessárias.

Assim, opinamos pela rejeição do veto incidente sobre o art. 67 da proposição sob comento.

XIV – Art. 68

Art. 68 – Serão providos, em 2009, dez dos cargos de Desembargador, de que trata o art. 11 da Lei Complementar nº 59, de 2001, criados por esta lei complementar.

§ 1º – No prazo de até quatro anos contados da vigência desta lei complementar, serão providos os dez cargos restantes dos cargos de Desembargador, referidos no art. 11 da Lei Complementar nº 59, de 2001, criados por esta lei complementar.

§ 2º – Até que sejam instaladas as Câmaras de Julgamento decorrentes da criação dos cargos de que trata este artigo, os Desembargadores poderão exercer a função de substituição ou de cooperação nas câmaras do Tribunal de Justiça, conforme resolução da Corte Superior do Tribunal de Justiça.

O Executivo entende que a inclusão do dispositivo por meio de emenda parlamentar viola a autonomia do Poder Judiciário, viola o conteúdo do art. 66, IV, “a”, da Constituição do Estado, e do art. 165 da Constituição da República.

É importante dizer, primeiramente, que tal regra foi alvo de acordo com o próprio Tribunal de Justiça. Ademais, a sua eficácia está condicionada à previsão da futura despesa na Lei Orçamentária de 2009 e dos anos que se seguirem.

Não há nenhuma pretensão, por parte do Legislativo mineiro, de determinar ao Judiciário que efetue despesas sem que haja prévia dotação orçamentária, mesmo porque seguramente o Judiciário não faria algo semelhante; todavia, a fixação de prazo, como se disse acima, fere o princípio da separação dos Poderes. Também seria importante demonstrar que a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2008 inclui a possibilidade de se criarem tais cargos (art. 169 da Constituição da República).

A nosso ver, a ampliação do quantitativo de cargos de Desembargador por meio de emenda parlamentar a projeto enviado pelo Tribunal de Justiça não viola a regra de iniciativa do Judiciário, conforme esclarecido ao longo desta peça opinativa; todavia, os argumentos que se nos afiguram mais adequados ao caso são os da inoportunidade e inconveniência dessa criação de cargos, os quais se referem a questões de interesse público. Por essa ótica, sim, é possível o veto ao dispositivo com fundamento na Constituição.

Diante disso, opinamos pela manutenção do veto incidente sobre o art. 68 da proposição em comento.

O Poder Executivo parece entender que os legisladores mineiros, em regra, não podem apresentar emendas a projetos de lei de iniciativa reservada a outro Poder; no entanto, especialmente no que tange à lei de divisão e organização judiciárias, tais emendas só não são válidas quando, versando sobre os serviços administrativos estruturados na Secretaria dos Tribunais, provoquem aumento de despesa. Esse entendimento, que encontra amparo nos mais lídimos princípios da Constituição da República de 1988 e, ainda, no comando inserto no inciso II do art. 63 da mesma Lei Maior, foi expressamente adotado em manifestação do Ministro Celso de Mello na ADI 865, não obstante haja decisão em sentido contrário no próprio Supremo Tribunal Federal, conforme mencionado anteriormente (item II).

Conclusão

Diante do exposto, opinamos pela manutenção do veto parcial incidente sobre os §§ 3º e 4º do art. 1º, os arts. 13, 31 e 50, o inciso XVII do art. 53; o inciso IV do art. 59 e o art. 68; pela rejeição do veto incidente sobre o § 2º do art. 1º, o art. 4º, o art. 27, o parágrafo único do art. 51 e os arts. 58, 63, 65 e 67 da Proposição de Lei Complementar nº 112.

Sala das Comissões, 24 de setembro de 2008.

Adalclever Lopes, Presidente – Irani Barbosa, relator – Lafayette de Andrada – Jayro Lessa – Délio Malheiros.

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico