Artigo – Famílias Simultâneas: Uniao Estável e Concubinato
1. INTRODUÇÃO
A idéia tradicional de família, para o Direito brasileiro, era aquela que se constituía pelos pais e filhos unidos por um casamento regulado pelo Estado. A Constituição Federal de 1988 ampliou esse conceito, reconhecendo como entidade familiar a união estável entre homem e mulher. O Direito passou a proteger todas as formas de família, não apenas aquelas constituídas pelo casamento, o que significou uma grande evolução na ordem jurídica brasileira, impulsionada pela própria realidade.
A mesma realidade impõe, hoje, a discussão a respeito das “Famílias Simultâneas”, em que a pessoa mantém relações afetivas com duas ou mais pessoas e ao mesmo tempo.
Ao realizarmos um estudo mais aprofundado, percebemos que o assunto é importante e traz diversas conseqüências jurídicas, além de ser mais comum em nossa sociedade do que imaginamos. É certo que poucos são os doutrinadores que aprofundam a questão.
Assim, procuramos trazer uma noção geral do tema. No início, desenvolvemos a evolução do concubinato e da união estável na legislação e na jurisprudência brasileiras. Em seguida, apresentamos as diferenças entre união estável e concubinato, inclusive os deveres de fidelidade e lealdade. Por fim, expusemos as principais correntes doutrinárias em que se divide o assunto, com inclusão da análise de julgados dos Tribunais pátrios.
2. EVOLUÇÃO NA LEGISLAÇÃO E NA JURISPRUDÊNCIA
2.1 CÓDIGO CIVIL DE 1916
As uniões surgidas à margem do matrimônio eram identificadas com o nome de concubinato no Código Civil de 1916.
Com o propósito de proteger a família constituída pelo casamento, o Código Civil de 1916 omitiu-se em regular as relações extramatrimoniais. Em alguns casos acabou por puni-las, vedando doações, a instituição de seguro e a possibilidade de a concubina ser beneficiada por testamento.
2.2 JURISPRUDÊNCIA E SÚMULAS
Os efeitos patrimoniais da união estável foram sendo reconhecidos, paulatinamente, pela jurisprudência.
Em um primeiro momento, nas situações em que a mulher não exercia atividade remunerada e não tinha outra fonte de renda, os Tribunais concediam alimentos de forma “camuflada”, sob o nome de indenização por serviços domésticos prestados, baseando-se na equidade. O fulcro da decisão era a inadimissibilidade do enriquecimento sem causa.
O STF, em 03 de abril de 1964, editou a Súmula 380, com o seguinte teor: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”.
Assim, a Justiça passou a reconhecer a sociedade de fato, mas, para ensejar a divisão dos bens adquiridos na constância da relação, havia a necessidade de prova da contribuição financeira efetiva para a constituição do patrimônio.
Note-se que a Súmula 380 não reconhecia efeitos patrimoniais pelo concubinato em si, pelo fato de haver uma relação afetiva, pura e simplesmente, mas em razão da sociedade de fato, cuja existência fosse comprovada. A partilha do patrimônio considerava o esforço comum para adquiri-lo. Não se resolvia o problema, portanto, pelo Direito de Família, e sim pelo Direito das Obrigações.
O STF também editou a Súmula 382, em 03 de abril de 1964, que dizia “a vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato”. A experiência social já demonstrava que havia uniões sólidas, duradouras e notórias sem que o casal residisse sob o mesmo teto.
Dessa forma, lentamente os direitos dos companheiros foram sendo reconhecidos pelos Tribunais. Podemos dizer que foi o próprio Supremo Tribunal Federal que fincou o esteio para a evolução da construção jurisprudencial e doutrinária, através dessas súmulas, que permanecem em vigor.
2.3 CONSTITUIÇÃO DE 1988
As uniões extramatrimoniais mereceram tal aceitação social, que acabaram reconhecidas pela Constituição[1]. Portanto, a Constituição Federal inseriu o afeto no âmbito da juridicidade, quando nomeou a união estável de entidade familiar, conferindo-lhe proteção do Estado.
Assim leciona o seu art. 226, § 3o: “Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento”.
Com isso, alargou-se o conceito de família, que passou a albergar outros relacionamentos além dos constituídos pelo laço do casamento.
As uniões de fato entre um homem e uma mulher foram reconhecidas como entidade familiar com o nome de união estável. Porém, tal proteção constitucional restou sem reflexos na jurisprudência, já que essas uniões permaneceram sendo tratadas no âmbito dos direitos das obrigações.
2.3.1 Família ou Entidade Familiar?
Após a Constituição Federal de 1988, surgiu uma divergência na doutrina sobre a equiparação do casamento com a união estável, já que o primeiro constituía uma família, enquanto o segundo constituía uma entidade familiar. Questionava-se se o termo utilizado na Constituição Federal para se referir à união estável revelaria uma certa preferência do legislador pelo matrimônio civil.
Na opinião de Yussef Said Cahali, “Tem-se como certo que o casamento continua mantendo a sua dignidade como único expediente legal hábil para a constituição da família, não se lhe equiparando, para os efeitos da lei – especialmente com vistas aos efeitos que dela resultam -, a simples união estável entre o homem e a mulher”[2].
Também Jacques de Camargo Penteado posiciona-se dessa forma: “Casamento é casamento. União estável é união estável. Trata-se de relações distintas e com denominação diversa. Sua disciplina jurídica é específica (…). A Constituição Federal considera a família a base da sociedade e lhe outorga especial proteção estatal. A união estável forma uma `entidade familiar` que merece proteção simples. Fossem iguais e o texto não lhes atribuiria denominação diversa”[3]
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Entretanto, para muitos autores, entre eles Zeno Veloso, não há que se falar em “famílias de segunda classe”. O mesmo afirma que: “A união estável é modo de constituição de família sem a formalidade da formação de casamento, mas, tirante isto, é semelhante ao casamento. Não se pode admitir ou conceber, no atual estágio da civilização, que, ressuscitando abolidas discriminações e preconceitos superados, uma família seja de primeira classe, e que as outras famílias sejam de segunda ou de terceira, só porque a primeira foi fundada numa solenidade, presidida por um juiz ou por uma autoridade religiosa”[4].
2.4 LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL
2.4.1 Lei 8.971/94
Seguindo a trilha aberta pela Constituição, foi editada a Lei 8.971, de 29 de dezembro de 1994, com o objetivo de regular o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão.
Embora sem definir a união estável ou o companheirismo, o art. 1o da citada Lei indicou alguns pressupostos para a caracterização da referida entidade familiar: fixou prazo de convivência de cinco anos para o reconhecimento das uniões estáveis, ou a existência de prole comum. Entretanto, tal estatuto legal não reconheceu a união estável entre os separados de fato, pelo que foi muito criticada.
2.4.2 Lei 9.278/96
A doutrina e jurisprudência mal tinham começado a esclarecer alguns pontos controvertidos da Lei 8.971/94, quando foi editado novo texto normativo, a Lei 9.278, de 10 de maio de 1996, que veio regular o §3o do art. 226 da Constituição Federal.
Referida Lei não quantificou prazo de convivência para o reconhecimento da união estável, revogando, portanto, o prazo de cinco anos estabelecido na lei anterior[5]. Também dispensou o requisito da existência de prole comum. Além disso, esta Lei albergou as relações entre as pessoas separadas de fato, reconheceu o direito real de habitação e, finalmente, fixou a competência das Varas de Família para o julgamento de litígios, assegurando o segredo de justiça para toda a matéria relativa
à união estável.
A Lei 9.278/96 não revogou a Lei 8.971/94[6], isto porque não o declarou expressamente; não regulou inteiramente a matéria de que a outra tratava; e, por fim, não havia total incompatibilidade entre ambas. Mas algum conflito havia, parcialmente, entre as duas leis, especialmente no art. 1o de cada uma delas, conforme exposto. Assim, quanto a esses aspectos, obviamente, a lei posterior revogou a anterior[7].
2.5 CÓDIGO CIVIL DE 2002
O Código Civil de 2002 incluiu a união estável no último capítulo do livro do Direito de Família. Acabou reproduzindo a legislação existente, Lei 9.278/96, reconhecendo como união estável a convivência duradoura, pública e contínua de um homem e de uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família (art. 1.723 CC/02)[8].
Os arts. 1.723 a 1.727 da atual codificação prevêem as regras básicas quanto à união estável, particularmente os seus efeitos pessoais e patrimoniais. Além desses, devem ser aplicadas as regras quanto aos alimentos previstas nos arts. 1.694 e seguintes da mesma codificação. Por fim, há regra específica sucessória no seu art. 1.790. Passemos a analisar alguns dos dispositivos que regulam a união estável no Código Civil.
No campo pessoal, reitera o novo diploma os deveres de “lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos”, como obrigações recíprocas dos conviventes (art. 1.724 CC/02).
No tocante aos efeitos patrimoniais, o Código Civil de 2002 determina a aplicação, no que couber, do regime de comunhão parcial de bens, pelo qual haverá comunhão dos aquestos, isto é, dos bens adquiridos na constância da convivência, como se casados fossem, “salvo contrato escrito entre os companheiros” (art. 1.725 CC/02).
Prevê o art. 1.726 do Código Civil de 2002 que a união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no registro civil. O procedimento a ser adotado não ficou esclarecido. A exigência do novel legislador não atende ao comando da Constituição Federal, de que deve a lei facilitar a conversão da união estável em casamento, já que a conversão judicial e não administrativa dificultou o procedimento. Em vez de recorrer ao Judiciário, será mais fácil simplesmente casar.
Percebe-se que o tratamento dispensado às uniões estáveis pelo Código Civil de 2002 não foi igual àquele dado ao casamento. Enquanto o casamento foi regulado em diversos artigos, para união estável foram destinados poucos dispositivos. Daí as inúmeras controvérsias que surgem na doutrina e jurisprudência a respeito da regulamentação das uniões estáveis. Por outro lado, há quem entenda que “a exaustiva regulamentação da união estável a faz objeto de um dirigismo estatal não querido pelos conviventes”[9].
3. CONCUBINATO OU UNIÃO ESTÁVEL?
A palavra concubinato, embora amplamente utilizada pelos profissionais do direito, sempre trouxe grande carga de preconceito.
Nos dizeres de Maria Berenice Dias: “A expressão concubinato carrega consigo um estigma e um preconceito. Historicamente sempre traduziu relação escusa e pecaminosa, quase uma depreciação moral”[10].
Também Rodrigo da Cunha Pereira se manifesta nesse sentido: “Entre leigos, principalmente, a palavra concubina não denota simplesmente uma forma de vida, a indicação de estar vivendo com outra pessoa. Quando não é motivo de deboche, é alusiva a uma relação `desonesta`”[11]. E prossegue: “Nomear uma mulher de concubina é socialmente uma ofensa. É como se se referisse à sua conduta moral e sexual de forma negativa”[12].
Importante ressaltar que o próprio conceito etimológico da palavra concubinato, que descende do vocábulo latino concubinatus, já significava mancebia, amasiamento, abarregamento, do verbo concumbo ou concubo (derivado do grego), cujo sentido é o de dormir com outra pessoa, copular, deitar-se com, repousar, descansar ter relação carnal, estar na cama[13].
Assim, o legislador pareceu querer expurgar a carga de preconceito sobre a palavra concubinato, substituindo-a, na Constituição de 1988, pela expressão união estável.
Antes do atual texto constitucional, Moura Bittencourt empregava essas expressões como sinônimas: “Em poucas palavras, concubinato é a união estável no mesmo ou em teto diferente, do homem com a mulher, que não são ligados entre si pelo matrimônio”[14].
O Código Civil de 2002, pela primeira vez, utilizou a palavra concubinato, buscando diferenciá-lo da união estável: “art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”.
Portanto, concubinato não é mais sinônimo de união estável. A expressão união estável, adotada pela atual Constituição brasileira, veio substituir a expressão concubinato. Podemos dizer, então, que união estável era o concubinato não adulterino, ou puro. E o concubinato aquele adulterino, impuro ou desleal, que não recebeu proteção do Estado como uma forma de família, em razão do princípio da monogamia.
Destarte, união estável é a relação afetivo-amorosa entre um homem e uma mulher, não adulterina e não incestuosa, com estabilidade e durabilidade, vivendo sob o mesmo teto ou não, constituíndo família sem o vínculo do casamento civil[15]. Já o concubinato é a relação entre homem e mulher na qual existem impedimentos para o casamento.
Afirma Zeno Veloso: “(…) a união estável é uma relação afetiva qualificada, espiritualizada, aberta, franca, exposta, assumida, constitutiva de família; o concubinato, em regra, é clandestino, velado, desleal, impuro”[16].
Nas palavras de Álvaro Villaça Azevedo: “Tenha-se que o concubinato será impuro se for adulterino, incestuoso ou desleal (relativamente a outra união de fato), como o de um homem casado ou concubinado que mantenha, paralelamente ao seu lar, outro de fato”[17]. Os direitos decorrentes do concubinato adulterino, ou simplesmente concubinato, não estão no campo do Direito de Família, mas na teoria das sociedades de fato, no direito obrigacional.
Assim, a competência para apreciar as questões envolvendo união estável é da Vara de Família, e a ação correspondente deve ser denominada ação de reconhecimento e dissolução de união estável. Já a competência para apreciar questões envolvendo concubinato é da Vara Cível, e a ação correspondente é denominada ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato.
O concubino não tem direito a alimentos, direitos sucessórios ou direito à meação. Repita-se: não se trata de entidade familiar, mas sociedade de fato.
Apesar da diferenciação, a doutrina ainda faz grande confusão com os termos. Especificamente na linguagem dos tribunais, “concubinato” e “concubina” são expressões de largo uso, inclusive nos dias de hoje.
Advertem-nos Flávio Tartuce e José Fernando Simão: “Como é notório, por muito tempo se utilizou a expressão concubinato como sinônima de união estável. Assim, a concubina seria a companheira. Entretanto, não se pode fazer tal confusão, principalmente no que diz respeito à pessoa que vive em união estável”[18].
Conforme preleciona Sílvio Venosa: “(…) é importante reiterar que o legislador do Código Civil optou por distinguir claramente o que se entende por união estável e por concubinato, não podendo mais essas expressões ser utilizadas como sinônimas, como no passado”[19].
Assim, recomendamos o rigor terminológico na utilização dos vocábulos, já que cada um dos institutos ocasiona conseqüências jurídicas diversas.
4. FIDELIDADE E LEALDADE
O Código Civil de 2002, ao tratar dos deveres do casamento, estabeleceu a fidelidade no art. 1.566, I. Já para se referir aos deveres da união estável, utilizou o termo lealdade. Assim dispõe o art. 1.724: “as relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda e educação dos filhos”.
Dessa forma, a expressão “fidelidade” é utilizada para identificar os deveres do casamento; enquanto “lealdade” tem sido o termo utilizado para as relações de união estável.
No âmbito da união estável poder-se-ia mencionar que a ausência do termo “fidelidade” proporcionaria uma maior liberalização neste sentido. No entanto, este dever está expresso no vocábulo “lealdade”.
Assevera Rolf Madaleno: “(…) a expressão `fidelidade` é utilizada para identificar os deveres do casamento; e `lealdade` tem sido a palavra utilizada para as relações de união estável, embora seja incontroverso o seu sentido único de ressaltar um comportamento moral e fático dos amantes casados ou conviventes, que têm o dever de preservar a exclusividade das suas relações como casal”[20].
Assim entende Regina Beatriz Tavares da Silva: “A fidelidade é o dever de lealdade, sob o aspecto físico e moral, de um dos cônjuges para com o outro, quanto à manutenção de relações que visem à satisfação do instinto sexual dentro da sociedade conjugal”[21].
Na opinião de Rodrigo da Cunha Pereira: “Entendemos que fidelidade é uma espécie do gênero lealdade. Impõe-se como dever dos companheiros em atendimento ao princípio jurídico da monogamia, que, por sua vez, funciona como um ponto chave das conexões morais”[22]. O mesmo prossegue: “A lealdade está intrinsecamente atrelada ao respeito, consideração ao companheiro e, principalmente, ao animus da preservação da relação marital”[23]. E conclui: “A razão de se adotar lealdade, ao invés de fidelidade, é o intuito do legislador de acatar uma postura mais ampla e mais aberta, posto que não se restringe à questão sexual, mas abrange a exigência de honestidade mútua dos companheiros”[24].
Também neste sentido, Zeno Veloso: “O dever de lealdade implica franqueza, consideração, sinceridade, informação e, sem dúvida, fidelidade. Numa relação afetiva entre homem e mulher, necessariamente monogâmica, constitutiva de família, além de um dever jurídico, a fidelidade é requisito natural”[25].
Por fim, afirma Álvaro Villaça Azevedo: “(…) devemos mencionar o dever de lealdade recíproca, pois a lealdade é figura de caráter moral e jurídico independentemente de cogitar-se da fidelidade, cuja inobservância leva ao adultério, que é figura estranha ao concubinato”[26]. “É certo que não existe adultério entre companheiros; todavia, devem ser eles leais. A lealdade é gênero de que a fidelidade é espécie (…)”[27]. E conclui: “Desse modo, a quebra do dever de lealdade, entre concubinos, implica injúria apta a motivar a separação de fato dos conviventes, dada a rescisão do contrato concubinário”[28].
Portanto, embora haja distinção terminológica, a fidelidade figura seguramente entre os deveres inerentes ao casamento e à união estável, vez que adota-se o princípio monogâmico das relações afetivas no mundo ocidental.
Pode-se dizer que a fidelidade, ainda que não se imponha nestes termos, é um requisito fático intrínseco à noção de entidade familiar. Não pode haver respeito e consideração mútuos, no contexto afetivo de um projeto de vida em comum, sem fidelidade e exclusividade[29].
É impensável admitir-se que, no estágio em que se encontra nossa ordem jurídica, numa união estável, a qual tem a força e o poder de constituir a célula básica da sociedade, a família, pudessem os partícipes dessa união assumir um comportamento sexual livre e irrestringido.
Entretanto, em sentido oposto, afirma Maria Berenice Dias: “Não se atina o motivo de ter o legislador substituído fidelidade por lealdade. Como na união estável é imposto tão-só o dever de lealdade, inexiste a obrigação de fidelidade e de vida em comum sob o mesmo teto”[30].
Conforme expusemos acima, não é este o posicionamento por nós adotado.
5. UNIÃO ESTÁVEL PLÚRIMA OU MÚLTIPLA – RELAÇÕES PARALELAS OU FAMÍLIAS SIMULTÂNEAS
União Estável Plúrima ou Múltipla, Relações Paralelas ou Famílias Simultâneas é a situação em que o sujeito mantém relações amorosas, enquadradas no art. 1.723 do CC/02, com várias pessoas e ao mesmo tempo.
Vale notar que tais relações múltiplas podem ocorrer concomitantemente a um casamento. Assim, pode tratar-se de um casamento simultâneo a uma ou mais uniões estáveis, ou mais de uma união estável concomitante.
Como o princípio monogâmico é fundamental no direito de família brasileiro, enquanto persistir o vínculo matrimonial, a pessoa casada não pode se casar novamente. Não pode, igualmente, constituir família pela união estável. Da mesma forma, aquele que vive em união estável não pode constituir outras uniões concomitantes[31].
5.1 CASO PRÁTICO
Para melhor expor o tema, preferimos imaginar um caso prático[32], a fim de facilitar a visualização concreta desta questão polêmica.
João reside em Ribeirão Preto, onde vive em união estável com Maria Lúcia desde 2003. Ele possui uma profissão que o obriga a viajar diversas vezes durante a semana, inclusive pernoitando em outras cidades. Às terças-feiras ele viaja para Franca, onde tem um relacionamento com Maria Paula desde 2004, com quem inclusive tem um filho em comum. Às quintas-feiras viaja para Barretos, onde desde 2005 possui um relacionamento amoroso com Maria Clara, sendo sócio de seu estabelecimento comercial. Por fim, aos sábados, João viaja para São Carlos, onde desde 2006 tem um relacionamento com Maria Rita, que está grávida.
Todas essas uniões apresentam os requisitos constantes na lei civil, sendo que as sociedades locais reconhecem a existência da entidade familiar, tratando os companheiros como se casados fossem.
A questão que propomos, resumindo o assunto por nós tratado, é: constitui cada um desses relacionamentos uma união estável, nos termos do que consta do Código Civil e da Constituição Federal?
5.2 TRÊS POSICIONAMENTOS
Podemos distinguir três posicionamentos a respeito das famílias simultâneas: para o primeiro, não haveria possibilidade de reconhecimento de nenhuma união estável; para o segundo, poderia ser reconhecida a união estável quando a companheira, ou o companheiro, estivesse de boa-fé, ou seja, não tivesse conhecimento dos demais relacionamentos concomitantes, e neste caso configurar-se-ia a união estável putativa; e, por fim, o terceiro posicionamento, que possibilita o reconhecimento de todas as uniões estáveis, independentemente de boa-fé, portanto, ainda que soubessem da existência de relações paralelas.
5.2.1 Primeiro Posicionamento
Para a primeira corrente, nenhum dos relacionamentos concomitantes constitui união estável. Tem como fundamentos a fidelidade ou a lealdade, que constituem um dos requisitos essenciais da união estável, além do princípio da monogamia. Ou seja, admitir uniões plúrimas seria o mesmo que admitir a pluralidade de casamentos, a bigamia ou poligamia.
Assim, em nosso caso prático, na hipótese de adotarmos essa primeira posição, as Marias poderiam pleitear que João as indenizasse por danos materiais e morais, pela caracterização de abuso de direito e por desrespeito à boa-fé objetiva, que também se espera na união estável.
Este é o posicionamento adotado por Maria Helena Diniz, para quem a fidelidade ou lealdade constitui um dos requisitos da união estável, sem o qual não há a referida entidade familiar. Em suas palavras: “(…) o fato de a mulher receber outro homem, ou outros homens, ou vice-versa, indica que entre os amantes não há união vinculatória nem, portanto, companheirismo, que pressupõe ligação estável e honesta. Impossível será a existência de duas sociedades de fato simultâneas, configuradas como união estável (…). Não havendo fidelidade, nem relação monogâmica, o relacionamento passará à condição de `amizade colorida`, sem o status de união estável (…). Será, portanto, imprescindível a unicidade de `amante`, similarmente ao enlace matrimonial, pois, por ex., a união de um homem com duas ou mais mulheres faz desaparecer o `valor` de ambas ou de uma das relações, tornando difícil saber qual a lesada”[33].
5.2.2 Segundo Posicionamento
Pode ocorrer, entretanto, que um dos parceiros esteja de boa-fé, convicto que integra uma entidade familiar, com todos os requisitos que a lei estipula, sem saber que o outro é casado e convive com o cônjuge, ou mantém diversa união ou, até mesmo, diversas uniões. Se há casamento putativo, por que não poderá haver união estável putativa?[34]
O segundo posicionamento estabelece a aplicação por analogia das regras previstas para o casamento putativo. Assim preleciona o Art. 1.561, § 1° CC/02: “Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão”. Portanto, subsistirão os direitos assegurados por lei ao companheiro de boa-fé, que também poderá pleitear indenização por danos morais.
No caso descrito, todas as Marias que ignorassem a existência das demais uniões constituídas poderiam pleitear o reconhecimento da união estável putativa, ou seja, a aplicação das regras decorrentes da união estável, como o pagamento de alimentos no caso de dissolução. Sem prejuízo dos danos morais, por ter o convivente agido com má-fé[35]. Entretanto, se uma Maria não ignorasse a existência da união plúrima do seu convivente, não teria direito à aplicação das regras da união estável putativa, já que sabia do impedimento. Também não poderia pleitear indenização, pois não há que se falar em abuso do direito quando ambas as parte agem de má-fé.
Este é o posicionamento adotado pela maioria da doutrina. Entre os principais autores podemos citar: Álvaro Villaça Azevedo, Rodrigo da Cunha Pereira, Francisco José Cahali, Zeno Veloso, Euclides de Oliveira, Flávio Tartuce e José Fernando Simão.
Assim manifesta-se Zeno Veloso: “entendo que, naquele caso, referido, deve ser reconhecida ao convivente de boa-fé, que ignorava a infidelidade ou a deslealdade do outro, uma união estável putativa, com os respectivos efeitos para este parceiro inocente”[36].
Também afirma Álvaro Villaça Azevedo: “Entendemos, ainda, que deste não deve surtir efeito, a não ser ao concubino de boa-fé, como acontece, analogamente, com o casamento putativo, e para evitar-se locupletamento ilícito”[37]. E persiste: “(…) embora ilícita a relação concubinária adulterina, muitas vezes, e no mais das vezes, uma companheira vê-se envolvida amorosamente, entregando-se a esse relacionamento impuro, em certos casos, até de boa-fé, sem saber do estado de casado de seu companheiro. Nesse caso, ocorre verdadeiro concubinato putativo”[38].
Na opinião de Rodrigo da Cunha Pereira: “Situação diversa, entretanto, é aquela em que a pessoa que mantém duas relações, oculta essa realidade de seu parceiro(a). Se porventura subsistir a caracterização simultânea de duas ou mais uniões, socorre à parte que ignorava a situação o instituto da União Estável putativa, ou seja, aquele em que um dos partícipes desconhecia por completo a existência de outra união more uxorio – matrimonial ou extramatrimonial – do outro, devendo esta produzir os mesmos efeitos previstos, para uma união monogâmica”[39]. E prossegue: “Em outras palavras, se no casamento putativo são concedidos os efeitos para o contraente de boa-fé, aqui também pode ser invocado este princípio, ou seja, a(o) companheira, sendo pessoa de boa-fé na relação concubinária, e, pelo menos por parte dela(e), sendo uma relação monogâmica, não há razões para negar a concessão de todos os efeitos da União Estável”[40].
Por fim, afirmam Flávio Tartuce e José Fernando Simão: “(…) essa parece ser a posição mais justa dentro dos limites do princípio da eticidade, com vistas a proteger aquele que, dotado de boa-fé subjetiva, ignorava um vício a acometer a união”[41].
Entretanto, esse entendimento apresenta alguns problemas: o primeiro é a aplicação por analogia da regra prevista para o casamento putativo, vez que a união estável não se iguala ao casamento[42]; o segundo problema reside na necessidade de provar o início dos relacionamentos, a fim de ordenar as uniões paralelas no tempo e apontar qual é a união estável e quais são as uniões putativas[43].
5.2.3 Terceiro Posicionamento
Por derradeiro, uma terceira corrente admite que todas as uniões concomitantes constituam entidade familiar. Assim, despreza-se a fidelidade como um fator essencial à união estável.
Para este entendimento, negar efeitos jurídicos a essas uniões apenas privilegiaria o infiel, possuindo um caráter nitidamente punitivo: aquele que optasse por relacionar-se com alguém já envolvido em outro relacionamento seria responsabilizado por sua escolha.
Em nosso caso prático, deveriam ser reconhecidos os direitos de todas as Marias, independentemente de qualquer outra consideração.
Maria Berenice Dias adota este posicionamento. Segundo a autora: “(…) a mantença de vínculos paralelos não impede o seu reconhecimento (…). Logo, se um companheiro não tem o dever de ser fiel ao outro, a mantença de mais de uma união não desfigura nenhuma delas”[44]. E prossegue: “Os concubinatos chamados de adulterino, impuro, impróprio, espúrio, de má-fé, concubinagem, etc., são alvo do repúdio social. Nem por isso deixam de existir em larga escala. A repulsa aos vínculos afetivos concomitantes não os faz desaparecer, e a invisibilidade a que são condenados pela Justiça só privilegia o `bígamo`. Situações de fato existem que justificam considerar que alguém possua duas famílias constituídas. São relações de afeto, apesar de consideradas adulterinas, e podem gerar conseqüências jurídicas. Presentes os requisitos legais, é mister reconhecer que configuram união estável, sob pena de se chancelar o enriquecimento injustificado, dando uma resposta que afronta a ética”[45]. Ela também afirma que: “(…) para a configuração da união estável basta identificar os pressupostos da lei, entre os quais não se encontra nem o direito a exclusividade e nem o dever de fidelidade. Assim, imperioso que se cumpra a lei, que se reconheça a união estável quando presentes os requisitos legais a sua identificação, ainda que se constate a multiplicidade de relacionamentos concomitantes”[46].
Surgem problemas com essa posição: primeiro porque se despreza a lealdade como fator essencial à união estável; depois, ignoram-se os próprios requisitos da caracterização deste instituto, pois a união deve ser exclusiva.
5.3 JURISPRUDÊNCIA
Para melhor examinarmos esses três posicionamentos, passemos à análise da jurisprudência.
No Superior Tribunal de Justiça, o Recurso Especial n. 789.293/RJ, julgado em 16/02/2006 por unanimidade, de relatoria do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, traz a seguinte ementa:
“União estável. Reconhecimento de duas uniões concomitantes. Equiparação ao casamento putativo. Lei n. 9.728/96. 1. Mantendo o autor da herança união estável com uma mulher, o posterior relacionamento com outra, sem que haja desvinculado da primeira, com quem continuou a viver como se fossem marido e mulher, não há como configurar união estável concomitante, incabível a equiparação ao casamento putativo. 2. Recurso especial conhecido e provido”. (grifos nossos)
Em seu voto, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito afirma que: “Quem convive simultaneamente com duas mulheres não tem relacionamento putativo para fins de união estável, pela só razão de que ou bem uma delas é de fato a companheira e a outra o relacionamento não estável, embora longo no tempo, ou nenhuma delas é companheira e não reúnem condições apropriadas para reconhecer a união estável”. Prossegue: “O objetivo do reconhecimento da união estável e o reconhecimento de que essa união é entidade familiar, na minha concepção, não autoriza que se identifiquem várias uniões estáveis sob a capa de que haveria também uma união estável putativa. Seria, na verdade, reconhecer o impossível, ou seja, a existência de várias convivências com o objetivo de constituir família. Isso levaria, necessariamente, à possibilidade absurda de se reconhecer entidades familiares múltiplas e concomitantes”. E conclui: “Essa circunstância, na minha compreensão, tira qualquer possibilidade do emprego analógico da regra do casamento putativo, porque, enquanto neste existe o vínculo formal duplo, o que é possível, naquele só existe a convivência com aquela vocação de constituir família, havendo, portanto, um vínculo não formal. Ora, se o falecido José Neres de Souza não se desvinculou da convivência mantida com a recorrente, a união estável estava caracterizada aqui, sendo a apelada, então, um relacionamento amoroso que não se pode identificar com união estável, muito menos equipará-lo com o casamento putativo”.
Com podemos perceber, adota-se nitidamente o primeiro posicionamento, não se admitindo a configuração de uniões estáveis putativas, pois, segundo o Ministro, não haveria possibilidade do emprego analógico da regra do casamento putativo, vez que não existe um vínculo formal.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já entendeu pela impossibilidade de existência de uniões paralelas nos casos em que uma companheira sabia da existência da outra, conforme percebemos nos seguintes julgados:
“UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. CASAMENTO. RELACIONAMENTOS PARALELOS. COMPANHEIRO FALECIDO. MEAÇÃO. PROVA. DESCABIMENTO. Não caracteriza união estável o relacionamento simultâneo ao casamento, pois o nosso sistema é monogâmico e não admite concurso entre entidades familiares; nem se há falar em situação putativa, porque inexiste a boa-fé da companheira. Também incorre o instituto da sociedade de fato, uma vez que não comprovada a contribuição da mulher na constituição de acervo comum. Apelo desprovido”[47]. (grifos nossos)
“UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. PROVA. REQUISITOS EVIDENCIADORES. ELEMENTO ANÍMICO NÃO PREENCHIDO. RELACIONAMENTOS PARALELOS. Embora preenchidos os requisitos objetivos do instituto, não restou comprovado o elemento anímico. A relação amorosa paralela do varão não permite inferir a “affectio maritalis”. E o reconhecimento pela autora da existência de outro enlace impossibilita até mesmo o decreto de união estável putativa. É que sendo o nosso sistema monogâmico não se há de admitir o concurso entre entidades familiares, sendo descabido até mesmo apontar-se a situação putativa. Também não se há falar em mera infidelidade, pois esta, em se tratando de união livre, importa em indício da eventualidade do relacionamento. Apelo provido”[48]. (grifos nossos)
“APELAÇÃO CÍVEL. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL. RELACIONAMENTO PARALELO AO CASAMENTO DO FALECIDO. Não se pode reconhecer união estável simultaneamente à hígida existência de casamento, se não restar cabalmente provada a alegada separação de fato. Só assim estará afastado o impedimento legal à constituição de união estável previsto no §1o do art. 1.723. Isso porque o Direito pátrio consagra o princípio da monogamia e não tolera a concomitância de entidades familiares. Igualmente, não há falar em união estável putativa, pois ausente a boa-fé da recorrente, que conhecia a situação conjugal do de cujus. NEGARAM PROVIMENTO, À UNANIMIDADE”[49]. (grifos nossos)
“UNIÃO ESTÁVEL. RELAÇÃO AMOROSA PARALELA. MANUTENÇÃO DO VÍNCULO FAMILIAR. Não há união estável, mas um prolongado relacionamento amoroso sem intenção de constituir família, quando homem casado mantém convívio clandestino sem que se desvincule do compromisso matrimonial, continuando a coabitar com a esposa e filhos. Sendo o sistema monogâmico, não é possível o reconhecimento simultâneo de duas entidades familiares, nem mesmo na forma putativa, quando a mulher se mantém ciente do estado civil do parceiro. Embargos infringentes desacolhidos, por maioria”[50].(grifos nossos)
Percebe-se, portanto, que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul adota, majoritariamente, o segundo posicionamento, admitindo a configuração de uniões estáveis putativas, desde que caracterizada a boa-fé da companheira, ou companheiro.
Também fazemos menção aos votos da Desembargadora Maria Berenice Dias, que encabeça o terceiro posicionamento. Entretanto, conforme expusemos acima, este não é o entendimento majoritário do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
A Desembargadora assevera que: “(…) nitidamente resta-se por punir a mulher que mantém vínculo afetivo, pelo só fato de ser sabedora do outro relacionamento. Independentemente da presença de todos os requisitos legais para o reconhecimento da união estável (…). O fundamento, de todo falacioso, é que, sabendo do relacionamento paralelo, não se teria por presente o objetivo de constituição de família (…)”. Prossegue: “(…) quem acaba sendo beneficiado é justamente aquele que infringiu este princípio tido como o maior da vida em sociedade, ou seja, que é o da monogamia. Ora, o resultado que se quer obter, punir a poligamia, acaba, ao fim e ao cabo, somente vindo a beneficiar exatamente quem infringiu a dito cânone”. E conclui: “No entanto, para que se obtenha o reconhecimento de uma entidade familiar, nos moldes postos na lei, basta se identificar a presença dos pressupostos da lei, nos quais não se encontra nem a exclusividade e nem o dever de fidelidade para sua configuração” [51].
Por fim, caso paradigmático foi julgado também no Rio Grande do Sul, onde se reconheceu a possibilidade de se realizar a “triação” dos bens adquiridos na constância da união dúplice:
“APELAÇÃO. UNIÃO DÚPLICE. UNIÃO ESTÁVEL. LEGITIMAÇÃO. PERÍODO. PROVA. MEAÇÃO. “TRIAÇÃO”. SUCESSÃO. USUFRUTO.
AGRAVO RETIDO. Os sucessores do de cujus são os legitimados para responder a ação declaratória de união estável. PROVA DO PERÍODO DE UNIÃO E UNIÃO DÚPLICE. A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união entre a autora e o de cujus em período concomitante ao casamento de `papel`. Reconhecimento de união dúplice. Precedentes jurisprudenciais. MEAÇÃO (“TRIAÇÃO”). Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre a esposa, a companheira e o de cujus. Meação que se transmuda em `triação`, pela duplicidade de uniões. DIREITO AO USUFRUTO. A companheira tem direito ao usufruto da quarta parte dos bens deixados pelo de cujus, quando da existência de filhos. Regramento com base na legislação vigente ao tempo do código de 1916, época do óbito do autor da herança. NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO. UNÂNIME. DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO. POR MAIORIA, VENCIDO O PRESIDENTE QUE PROVIA, EM PARTE, EM MENOR EXTENSÃO”[52].
Transcrevemos trecho do voto do Desembargador Rui Portanova: “No caso, há união dúplice. Ou seja, período em que houve casamento e união estável concomitantes. Por isso, tudo o que o de cujus adquiriu com a esposa e com a companheira nesse período forma um patrimônio comum, a ser dividido entre os três (1/3 para a esposa, 1/3 para a companheira e 1/3 pertencente ao de cujus, que é a herança – espólio)”.
Conforme afirmamos, trata-se de caso paradigmático, pois dividiu-se o patrimônio em três: parte para a esposa, parte para a companheira e parte para o de cujos. Com isso, criou-se instituto jurídico novo, a “triação”, em oposição à meação. É importante notar que este julgado reconhece a existência de uniões estáveis dúplices, tanto que confere direito a todos os envolvidos de parte do patrimônio adquirido na constância dessa relação.
6. CONCLUSÃO
Entendemos que a segunda corrente, que reconhece a união estável putativa, é a mais justa. O primeiro posicionamento pode acabar punindo quem estava de boa-fé e desconhecia a existência de outra relação concomitante. O grande erro da terceira posição está em desprezar a lealdade (ou fidelidade) como fator essencial à união estável, além de desconsiderar a exclusividade como um requisito para a sua configuração.
Nas palavras de Zeno Veloso: “Observe-se que não é possível a quem vive uma união estável constituir outra união estável. Com o segundo relacionamento, será irremediavelmente extinto e dissolvido o primeiro”[53]. E prossegue: “Se um homem tem várias concubinas, ou a mulher vários amantes, sem dúvida, não estaremos diante de uniões estáveis. O concubinato múltiplo não se pode considerar uma entidade familiar. Embora possa produzir alguns efeitos (de ordem material, por exemplo), não terá as conseqüências determinadas no Código Civil para a união estável”[54].
Assim, nas famílias simultâneas, não se caracterizam uniões estáveis, mas sim concubinatos, insuscetíveis de gerar efeitos no âmbito do Direito de Família[55].
Ainda que o concubinato não gere os direitos e deveres nem produza os efeitos da união estável, isso não que dizer que não produza qualquer efeito. Se, por exemplo, os concubinos constituem uma sociedade de fato, e se ambos concorrem para a aquisição do patrimônio, é possível que seja determinada a partilha de bens entre eles, para evitar o enriquecimento ilícito[56]. Portanto, tais relações concomitantes são catalogadas como sociedades de fato, conforme já prescrevia a Súmula 380 STF, tratadas no campo obrigacional.
Seria um paradoxo para o Direito proteger uniões concomitantes. Isto poderia destruir toda a lógica do nosso ordenamento jurídico, que gira em torno da monogamia. O próprio termo “Famílias Simultâneas” é uma contradição, pois nesses casos não há como se falar em famílias.
Fazemos nossas as palavras de Rolf Madaleno: “Não há como encontrar conceito de lealdade nas uniões plúrimas, pois a legitimidade do relacionamento afetivo reside na possibilidade de a união identificar-se como uma família, não duas, três ou mais famílias, preservando os valores éticos, sociais, morais e religiosos da cultura ocidental, pois em contrário, permitir pequenas transgressões das regras de fidelidade e de exclusividade que o próprio legislador impõe seria subverter todos os valores que estruturam a estabilidade matrimonial e que dão estofo, consistência e credibilidade à entidade familiar, como base do sustento da sociedade”[57].
Vale notar que, além da questão do reconhecimento, outros problemas práticos decorrem desses relacionamentos simultâneos. Um dos tópicos mais polêmicos diz respeito à divisão patrimonial.
Assevera Sílvio Venosa: “O maior volume de problemas surge quando se desfaz concubinato , com aquisição comum de patrimônio, com existência paralela de casamento. Nesse caso, as discussões serão profundas acerca da atribuição do patrimônio. O mesmo se diga quando ocorrem duas uniões sem casamento concomitantemente. Temos que definir duas massas patrimoniais, a meação, atribuível ao companheiro(a) e atribuível ao esposo(a). Em princípio, caberá dividir o patrimônio com base no esforço comum desse triângulo, o que nem sempre será fácil de estabelecer na prática”[58].
Com efeito, os bens adquiridos na constância desses relacionamentos concomitantes deverão ser divididos. A dúvida que surge é: como efetuar essa divisão? Além disso, caso o bígamo venha a falecer, como será feita sua sucessão? Tais questões merecem um estudo mais aprofundado. Por ora, podemos afirmar que não há um posicionamento majoritário na doutrina e jurisprudência a respeito da divisão patrimonial em situações como esta. Não obstante, é uma realidade que reclama a atenção dos juristas.
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[1] “Se, até então, e de forma completa e segura, não se havia conseguido legalizar as uniões informais, livres, tirando-as do limbo, elas pularam do fato social para o seio constitucional. Se não conquistaram o abrigo na lei ordinária, foram, não obstante, constitucionalizadas”. Veloso, Zeno. Código Civil Comentado. Vol. XVII. Coord. Álvaro Villaça Azevedo. São Paulo: Atlas, 2003. p. 105.
[2] Cahali, Yussef Said. Divórcio e Separação. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 17.
[3] Penteado, Jacques de Camargo. A Família e a Justiça Penal, in A Família na Travessia do Milênio – Anais do II Congresso Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, p. 353 a 363. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 361.
[4] Veloso, Zeno. Op. cit. (nota 1). p. 109 e 110.
[5] O que interessava, na verdade, sobre o prazo era que ele caracterizasse a estabilidade da relação. Mesmo com a revogação, o costume servirá como referencial à caracterização dessas uniões, ou seja, o prazo de mais ou menos cinco anos será sempre um referencial, ainda que subjetivo.
[6] Para o próprio mentor intelectual e idealizador da segunda lei, o Professor Álvaro Villaça Azevedo, não houve revogação. Cf. Tartuce, Flávio, e Simão, José Fernando. Direito Civil – Direito de Família. 5o vol. 2a ed. São Paulo: Método, 2007. p. 243.
[7] “Para usar a expressão correta, não ocorreu ab-rogação, mas houve derrogação da Lei no 8.971/94”. Veloso, Zeno. Op. cit. (nota 1). p. 106.
[8] O Código Civil de 2002 também deixou em aberto a questão do prazo, permitindo, assim, a elastização e abertura do conceito de durabilidade e estabilidade. É certo que o aplicador do direito deverá analisar as circunstâncias do caso concreto para apontar a existência ou não da união estável.
[9] Dias, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 45.
[10] Idem. Op. cit. (nota 9). p. 166.
[11] Pereira, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável. 7a ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 1.
[12] Idem, p. 2.
[13] Nesse sentido, Azevedo, Álvaro Villaça. Estatuto da Família de Fato. 2a ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 186. “Muitas vezes a história do concubinato é contada como história da libertinagem, ligando-se o nome concubina à prostituta, à mulher devassa ou à que se deita com vários homens, ou mesmo a amante, a outra”. Pereira, Rodrigo da Cunha. Op. cit. (nota 11). p. 13.
[14] Moura Bittencourt, Edgard de. Concubinato. São Paulo: Leud, 1975. p. 40, apud Pereira, Rodrigo da Cunha. Op. cit. (nota 11). p. 2.
[15] A união fiel é caracterizadora do concubinato puro, não incestuoso nem adulterino.
[16] Veloso, Zeno. Op. cit. (nota 1). p. 155.
[17] Azevedo, Álvaro Villaça. Op. cit. (nota 13). 190.
[18] Tartuce, Flávio, e Simão, José Fernando. Op. cit. (nota 6). p. 256.
[19] Venosa, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Direito de Família. 7a ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 387.
[20] Madaleno, Rolf. A União (Ins)Estável (Relações Paralelas). Disponível em: http://www.flaviotartuce.adv.br/; acesso em: 27/04/2008.
[21] Santos, Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos. “Responsabilidade Civil dos Cônjuges”, in A Família na Travessia do Milênio – Anais do II Congresso Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, p. 121 a 140. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 128.
[22] Pereira, Rodrigo da Cunha. Op. cit. (nota 11). p. 31.
[23] Ibidem.
[24] Idem. p. 31 e 32.
[25] Veloso, Zeno. Op. cit. (nota 1). p. 129.
[26] Azevedo, Álvaro Villaça. Op. cit. (nota 13). p. 189.
[27] Idem. p. 444.
[28] Idem. p. 189.
[29] Nas palavras de Flávio Tartuce e José Fernando Simão: “Já a exclusividade, apesar de não constar expressamente no art. 1.723 do CC, constitui para nós um dos requisitos para a caracterização da união estável, relacionada com a intenção de constituição de família e decorrente dos seus deveres, constantes do art. 1.724 da atual codificação”. Tartuce, Flávio, e Simão, José Fernando. Op. cit. (nota 6). p. 251.
[30] Dias, Maria Berenice. Op. cit. (nota 9). p. 172.
[31] Nas palavras de Zeno Veloso: “Assim, quem é casado e convive com seu cônjuge não pode constituir união estável; nem pode constituí-la quem já está convivendo com outrem em união estável. Ninguém pode manter uniões estáveis simultâneas; o vínculo entre os companheiros tem que ser único e recíproco. Aplica-se aqui, também, o princípio monogâmico”. Veloso, Zeno. Op. cit. (nota 1). p. 126.
[32] Inspirado no caso apresentado pelos doutrinadores Flávio Tartuce e José Fernando Simão. Op. cit. (nota 6). p. 252.
[33] Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito de Família. 5o vol. 21a ed. São Paulo: Saraiva, 2006. pp. 374 e 375.
[34] Cf. Veloso, Zeno. Op. cit. (nota 1). p. 126.
[35] A responsabilidade objetiva de João tem como fundamento o abuso de direito cometido, previsto no art. 187 CC/02, bem como a quebra dos deveres anexos decorrentes da boa-fé. Cf. Tartuce, Flávio, e Simão, José Fernando. Op. cit. (nota 6). p. 254.
[36] Veloso, Zeno. Op. cit. (nota 1). p. 126.
[37] Azevedo, Álvaro Villaça. Op. cit. (nota 13). p. 190.
[38] Idem. p. 281.
[39] Pereira, Rodrigo da Cunha. Op. cit. (nota 11). p. 75.
[40] Idem. p. 76.
[41] Tartuce, Flávio, e Simão, José Fernando. Op. cit. (nota 6). p. 254.
[42] Mais adiante iremos expor essa questão ao analisarmos a jurisprudência.
[43] Cf. Tartuce, Flávio, e Simão, José Fernando. Op. cit. (nota 6). p. 254.
[44] Dias, Maria Berenice. Op. cit. (nota 9). p. 172.
[45] Idem. p. 179.
[46] Dias, Maria Berenice. Adultério, Bigamia e União Estável: Realidade e Responsabilidade. Disponível em: http://www.juristas.com.br/; acesso em: 18/03/2008.
[47] Apelação Cível n. 70006077036, TJRS, Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, julgado em 18/06/2003.
[48] Apelação Cível n. 70008648768, TJRS, Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, julgado em 02/06/2004.
[49] Apelação Cível n. 70010479046, TJRS, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, julgado em 13/04/2005.
[50] Embargos Infringentes n. 70011531829, TJRS, Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, julgado em 10/06/2005.
[51] Apelação Cível n. 70005330196, TJRS, Rel. Des. Maria Berenice Dias, julgado em 07/05/2003.
[52] Apelação Cível n. 70011962503, TJRS, Rel. Des. Rui Portanova, julgado em 17/11/2005.
[53] Veloso, Zeno. Op. cit. (nota 1). p. 125.
[54] Ibidem.
[55] “Se uma pessoa tem família constituída por união estável, um relacionamento paralelo que assuma não é outra união estável – que ninguém pode manter uniões estáveis simultâneas -, mas concubinato”. Idem. p. 156.
[56] “Se o concubinato viola a moral, ofende os bons costumes, afronta os princípios das verdadeiras entidades familiares, não é por isso que se vai permitir que ocorra a exploração humana, que um dos concubinos enriqueça e prospere financeiramente, reduzindo-se à miséria o outro, que trabalhou e aplicou dinheiro para que o parceiro angariasse bens, fizesse crescer seu patrimônio”. Ibidem.
[57] Madaleno, Rolf. Op. cit. (nota 20).
[58] Venosa, Sílvio de Salvo. Op. cit. (nota 19). p. 394.
Autor: Laura de Toledo Ponzoni foi a 5 colocada no concurso de trabalhos científicos do II Congresso Paulista de Direito de Família. É sócia do IBDFAM, doutoranda em Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP
Fonte : Site da Serjus
Data Publicação : 27/10/2008