Projeto piloto do Governo do Estado fragiliza segurança de registros civis em Pernambuco

 

 

Sistema de registros de nascimento on-line em maternidades implantado pelo Governo do Estado de Pernambuco substitui registrador civil por assistente social e fragiliza a segurança dos registros públicos brasileiros.

Recife (PE) – A chuvosa manhã de sexta-feira (30.01) na cidade de Recife, capital do belo Estado de Pernambuco, parece destoar das belas vistas que margeiam a praia de Boa Viagem, cartão postal da cidade e um dos pontos mais visitados do estado central do nordeste brasileiro. Ainda perplexos pelas experiências vividas no dia anterior, os diretores da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil) dirigem-se ao Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira (Imip) para acompanhar a ação do 11° Ofício de Registro Civil e Notas, coordenado pelo Oficial Substituto, Francisco Emmanuel Lauria Araújo Soares.

Há dois anos presentes no Imip, o Cartório de Pina, como é mais conhecido, atende a uma média diária de 13 registros de nascimento, sempre no período da manha, quando as parturientes recebem alta no hospital. Naquela sexta-feira, há pouco mais de duas horas, Jairo Barros Pirange acabara de ver nascer sua primeira filha, Naomi Sibelly Barros da Silva. “Ficou fácil demais. Nem imagino como faria se fosse diferente. Minha filha acabou de nascer e já pude fazer o registro de nascimento dela. Agora estou tranqüilo”, disse o pai, que passou menos de seis minutos sentado ao lado do Oficial.

“Esta é a maior maternidade de Recife, hospital modelo do Nordeste e um dos melhores do Brasil”, explica Soares. “Aqui, trabalhamos em conjunto com a equipe de assistência social do hospital e com a equipe de enfermagem, que faz a divulgação do posto avançado para registro de nascimento. O pai, que já está no hospital vem direto para o posto e em pouco mais de cinco minutos seu filho já está registrado. Ele deixa esta sala já com a certidão de nascimento em mãos”, enfatiza o Oficial.

José Valberg do Espírito Santo compareceu ao posto avançado no Imip para realizar o registro de seu segundo filho. “Antes, tinha que ir ao cartório, daí, como trabalho e não tenho folga e também como o cartório é longe de casa acabava demorando mais para registrar”, disse referindo-se ao registro de seu primeiro filho. “Agora ficou bem mais fácil. O registro ficou pronto na hora e não tive que gastar dinheiro com ônibus”, resumiu, feliz, ao registrar o pequeno Matheus Vinícius de Barros.

O sistema utilizado pelo 11° Ofício de Registro Civil e Notas no Imip é rápido, fácil e on-line, interligado com os computadores do cartório. Ao fazer o registro no hospital, o próprio sistema atribui o número seqüencial do termo, que é impresso no ato e entregue ao pai ou declarante para que se faça a assinatura. Em seguida, os dados essenciais preenchidos no programa são exportados para a certidão de nascimento, entregue pelo Oficial ao cidadão que vai fazer o registro. Um sistema simples, fácil e rápido, que durante mais de três anos vem atendendo a população pernambucana.

A assistente social Janete Cristina de Melo acompanha diariamente o trabalho do cartório no Imip e diz que os resultados são positivos para a população. “Trabalhamos com uma população muito carente de informação, que não tem documentação básica alguma. Assim que a pessoa entra no hospital trabalhamos incessantemente na localização destes documentos para que a criança já deixe o hospital com o registro de nascimento em mãos”, explica. “O trabalho do cartório é essencial, pela rapidez e pela cordialidade que as pessoas são tratadas”, ressalta a assistente social do Imip.

A experiência da Casa Amarela

Desde o início do ano, coube ao Ofício do Registro Civil do 13° Distrito, localizado no bairro da Casa Amarela, também em Recife, a experiência de executar um projeto apresentado como renovador no Estado e no Brasil, que chamou a atenção do Grupo Interministerial da Presidência da República, coordenado por membros do Ministério do Desenvolvimento, e que trabalha as questões do registro civil.

O Sistema Estadual do Registro Civil (Serc) implantado experimentalmente nos postos avançados de atendimento do Registro Civil nos hospitais Agamenon Magalhães (rede estadual) e Professor Barros Lima (rede municipal), foi concebido como “pioneiro no Brasil, interligando, simultaneamente, cartórios de Registro Civil com as Maternidades, com acesso simplificado ao registro de nascimento e a emissão eletrônica da primeira certidão na maternidade onde o nascimento ocorreu”.

O projeto, intitulado “Minha Certidão”, é coordenado pela Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos (SEDSDH) e Secretaria Executiva de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH), em parceria com a Corregedoria Geral da Justiça (CGJ-PE), Secretaria Estadual de Saúde e Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de Pernambuco (Arpen-PE) e totalizou um investimento de R$ 3.258.000,00, com “o objetivo de chegar em 2010 atendendo 220 unidades do SUS e 298 cartórios”, afirmou o diretor de tecnologia Agência Estadual de Tecnologia da Informação (ATI), Romero Guimarães.

No ano passado, a ATI havia aberto licitação para a contratação de uma empresa que desenvolvesse um sistema de registro de nascimento interligado entre cartórios e maternidades, com a utilização da certificação digital. A ATI é uma agência executiva vinculada à Secretaria de Administração (SAD). Responsável pela gestão de Tecnologia da Informação da Administração Pública Estadual, sua finalidade é propor e prover soluções integradoras de meios, métodos e competências, com o uso intensivo e adequado da tecnologia da informação.

Pouco depois de desembarcar no aeroporto internacional Gilberto Freyre, o presidente da Arpen-Brasil, Oscar Paes de Almeida Filho, e o assessor especial de relações nacionais da Arpen-SP, José Emygdio de Carvalho Filho, juntaram-se ao presidente da Associação dos Notários e Registradores do Estado de Pernambuco (Anoreg-PE), Luiz Geraldo Corrêa da Silva, a presidente da Arpen-PE, Anita Cavalcanti de Albuquerque Nunes, e as diretoras da entidade, Zuleide de Vasconcelos Ramos e Luíza Geisilânia Freitas Cavalcanti, e se dirigiram ao cartório da Casa Amarela, na periferia do Recife.

Acompanhando o ingresso dos registros no computador do cartório administrado pela Oficiala Maria da Conceição da Costa Lima, o assessor especial da Arpen-SP, tomou conhecimento das primeiras dificuldades do cartório na adaptação ao novo sistema. “Os registros não ficam armazenados no computador do cartório, mas sim no banco de dados do Governo do Estado que é abastecido pelos dados do computador do posto avançado na maternidade após a conclusão do registro, o que eles chamam de Cadastro único de pessoas, colhendo todos os dados de todos os documentos possíveis dos pais”, explicou Emygdio. “E o que acontece se um pai chega e pede a 2ª via de um registro feito agora no hospital?”, questionou.

A resposta é um pouco mais complexa, já que o programa não armazena os dados do registro. “Neste caso temos que aguardar 15 dias para recebermos o termo, digitarmos tudo de novo, e também temos que digitar todos os dados quando temos que remeter as informações aos órgãos do Governo, como IBGE, e outros”, explica a Oficiala Maria da Conceição da Costa Lima. A segunda via não pode ser feita imediatamente em razão dos termos só serem remetidos do hospital ao cartório de 15 em 15 dias.

Outra novidade do projeto desenvolvido em Pernambuco, verificada quando a comissão já visitava o hospital Professor Barros Lima, é referente ao funcionário que colhe os dados dos pais no programa de registro civil instalado na maternidade. Trata-se de um assistente social, escolhido pela diretoria do hospital e sem nenhuma vinculação ao cartório. Em uma pequena sala contígua à maternidade, onde exibia-se a placa cartório, o assistente atendia aos pais, colhia as informações e às adicionava ao programa, scaneava os documentos e enviava, pela internet, o pré-registro e os documentos scaneados ao cartório.

Do outro lado da linha, uma funcionária do cartório ficava à espera de surgir na tela de seu computador algum registro. Quando isso acontecia, conferia os documentos scaneados com os digitados pelo assistente social e gerava o termo de registro, bem como a certidão. Em seguida, possuindo um certificado digital, assinava digitalmente um e-mail, que era devolvido ao assistente social no hospital. Este, por sua vez, imprimia o termo, entregava à parte para que esta o assinasse, em seguida, imprimia certidão, que continha uma assinatura scaneada, com os dizeres “certifico e dou fé”, colava o selo de fiscalização, carimbava o documento e pronto, em cerca de 45 minutos, o cidadão tinha o seu registro de nascimento em mãos.

“A Arpen-Brasil não pode concordar com uma iniciativa como esta, que usurpa completamente a função do registrador civil na realização de seus atos, colocando-o apenas como um depositário de termos colhidos por terceiros, que não possuem preparo e nem são qualificados para este ato, que exige fé pública, responsabilidade civil e administrativa do Oficial Registrador”, declarou o presidente da Arpen-Brasil, Oscar Paes de Almeida Filho.

“Temos que encontrar mecanismos que facilitem o acesso da população ao registro de nascimento e os postos nos hospitais são sem dúvida uma prática indispensável, mas desta maneira torna todo o processo do registro extremamente frágil”, completou o presidente da Arpen-Brasil. “Em troca de uma suposta agilização, que na verdade não acontece, sujeitou-se o processo do registro de nascimento a uma grande insegurança”, completou o assessor especial de relações nacionais da Arpen-SP.

Para o presidente da Anoreg-PE, Luiz Geraldo Corrêa da Silva a iniciativa é válida, mas tem pontos a serem revistos. “Atender bem ao cidadão, de forma rápida e eficiente é essencial e o registro de nascimento nas maternidades já é uma realidade pronta e não tem como não ser executado. Toda a novidade traz um certo trauma, mas neste projeto são necessárias algumas revisões de conceitos, pois o Oficial do Registro Civil está tendo sua atribuição realizada por outra pessoa e isso não é permitido”, constatou.

O acesso ao programa “inovador” de Pernambuco pode ser feito em qualquer ponto diferente em que o assistente social estiver localizado, seja em um hospital, mutirão, bastando entrar no site www.programaminhacertidao.pe.gov.br/serc/, cujo acesso se faz por um sistema de login e senha e não de certificação digital, como seria de se esperar de um programa que utilizaria a mais alta tecnologia para combater o sub-registro.

Registro Civil reúne-se na Anoreg-PE

Terminada a visita ao hospital, a comissão dirigiu-se à sede da Anoreg-PE, no centro de Recife. Lá, registradores civis de Recife, Olinda e Jaboatão dos Guararapes aguardavam a comitiva nacional da Arpen-Brasil para debater as vantagens e desvantagens do sistema. Em reunião coordenada pelo presidente da Anoreg-PE, Luiz Geraldo Corrêa da Silva, pelo presidente da Arpen-Brasil, Oscar Paes de Almeida Filho, e pelo assessor especial de relações nacionais, José Emygdio de Carvalho Filho, foram expostas aos registradores civis pernambucanos todas as características do projeto e o que isto representava em nível nacional.

Durante quase três horas, foram debatidos tópico a tópico quais as virtudes do sistema, que pode ser adaptado para se tornar seguro e com a efetiva participação do registrador civil. Também foram levantados todos os riscos do projeto, que transfere o banco de dados de registros ao Poder Público, bem como torna frágil a segurança na coleta de documentos, assinaturas de termos e entrega das certidões, assim como deixa o cartório sem seu banco de dados para a emissão de segundas vias por pelo menos 15 dias.

O projeto experimental desenvolvido na Casa Amarela dependeria ainda de convênio a ser assinado entre as entidades participantes, mas já possuía Provimento da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Pernambuco (Provimento N° 38/2008) autorizando sua execução, destacando-se, em seu art 2°: “O SERC – Sistema Estadual de Registro Civil será utilizado, no primeiro momento, apenas para o registro de nascimento havido dentro da unidade de saúde e para a expedição da primeira via da certidão respectiva”. Em seguida, “O SERC – Sistema Estadual de Registro Civil não será utilizado, nesse momento, para promover o registro civil de criança nascida fora da unidade hospitalar …”.

Outros tópicos do Provimento preveem “inovações”. Art 3°: “a declaração para registro de nascimento será prestada a empregado da unidade de saúde conveniada …”; Art 4°; “o empregado da unidade de saúde conveniada deverá, obrigatoriamente, reter a via amarela da DNV.”; Art.10°: “as unidades de saúde conveniadas, após a efetivação do registro, remeterão, com periodicidade quinzenal, o termo da declaração de nascimento e a documentação correspondente à serventia do Registro Civil das Pessoas Naturais que lavrou o registro.”

Após a reunião com os representantes das entidades nacionais, a Arpen-PE proporá a reformulação de pontos do projeto, de modo a continuar a prestar um bom atendimento ao cidadão, facilitando a obtenção do registro civil de nascimento, e garantindo de forma inequívoca a segurança dos atos do registro civil praticados por Oficiais Registradores, profissionais do Direito, que possuem fé pública e responsabilidade civil para a prática destes respectivos atos.

A Arpen-Brasil levará este projeto ao conhecimento do Governo Federal, ressaltando a ação do Governo do Estado na formação de um banco de dados do cidadão e na fragilidade da segurança dos atos. Além disso, a ação do Governo do Estado de Pernambuco vem na contramão do projeto SIRC, desenvolvido em parceria entre diversos ministérios e órgãos do Governo brasileiro, em parceria ao lado dos Registradores.

 

Fonte: Arpen SP