O Conselho Nacional de Justiça e o controle de legalidade nos concursos públicos
Robson Ribeiro de Faria*
O Conselho Nacional de Justiça, CNJ, órgão previsto no artigo 103-B da Constituição Federal, criado pela emenda constitucional número 45, de 8 de dezembro de 2004, tem como competência o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:
“II- zelar pela observância do artigo 37 da Constituição Federal e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União.”
O CNJ, no sentido de reiterar a sua competência para analisar a legalidade dos atos administrativos, regulamentou os poderes a ele conferidos pela Constituição Federal e estabeleceu
“Art. 19. Ao Plenário do Conselho compete o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura, o seguinte:
(…)
II – zelar pela observância do art. 37 da Constituição Federal e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União e dos Tribunais de Contas dos Estados;”
Estando esse Egrégio Conselho no papel de zelar pelo respeito à disposição do artigo 37 da Constituição Federal, em especial quanto ao aspecto da legalidade dos atos administrativos, e sabendo-se que o Edital do concurso público, inclusive o programa de disciplinas nele previsto, faz “lei entre as partes”, obrigando tanto o candidato como o órgão competente pela organização do concurso, a cobrança, pela Banca Examinadora, de conhecimentos acerca de matérias não expressamente previstas no Edital constitui violação ao princípio da legalidade e não havendo outra via administrativa para a revisão desses atos administrativos, competirá ao CNJ determinar a sua desconstituição, revisão ou fixação de prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei,
A alegação de que o ato praticado pela Banca Examinadora dos concursos públicos, no que concerne à cobrança de conhecimentos dos candidatos, é um ato discricionário, ou seja, aquele que confere ao administrador a liberdade de, na forma da lei, decidir quanto à conveniência e oportunidade da atuação administrativa, e que, portanto, não seria passível de controle pelo Poder Judiciário, pois extrapolaria os limites de sua competência é refutado veementemente e vai de encontro com o que a atual doutrina e jurisprudência entendem. Elas consideram que a cobrança de matérias não previstas no edital constitui aspecto de legalidade e portanto é passível de apreciação judicial. No mesmo sentido e no afã de reiterar e consolidar esse entendimento, a Suprema Corte assim se pronunciou:
“Concurso Público: Adequação dos Quesitos ao Edital e Legalidade
A adequação das questões da prova ao programa do edital de concurso público constitui tema de legalidade suscetível de exame pelo Poder Judiciário. Com base nesse entendimento, a Turma negou provimento a recurso extraordinário interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul contra acórdão do Tribunal de Justiça deste Estado que, ao conceder parcialmente mandado de segurança, anulara questões relativas a concurso público para o cargo de juiz de direito substituto. No caso concreto, o tribunal a quo, aplicando a jurisprudência do STF – no sentido da inviabilidade da revisão de provas de concursos públicos pelo Poder Judiciário ou para a correção de eventuais falhas na elaboração das suas questões, recusara-se a rever a correção técnica da formulação de alguns quesitos da prova, mas, de outro lado, entendera que duas questões diziam respeito a assunto não incluído no edital, referindo-se, portanto, à matéria de legalidade consistente na pertinência das questões ao programa do edital. Asseverou-se que o edital, nele incluído o programa, é a lei do concurso e, por isso, suas cláusulas obrigam os candidatos e a Administração Pública. Por conseguinte, havendo controvérsia acerca da legalidade do ato e pretensão de direito subjetivo lesado a apurar, é cabível o acesso à jurisdição (CF, art 5º, XXXV). Precedentes citados: RE 192568/PI (DJU de 7.2.97) e RE 268244/CE (DJU de 30.6.2000).”
RE 434708/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 21.6.2005. (RE-434708)
É ainda válido citar a ementa da decisão proferida no RE 434708/RS acima citado, in verbis:
“EMENTA: Concurso público: controle jurisdicional admissível, quando não se cuida de aferir da correção dos critérios da banca examinadora, na formulação das questões ou na avaliação das respostas, mas apenas de verificar que as questões formuladas não se continham no programa do certame, dado que o edital – nele incluído o programa – é a lei do concurso.” (RE 434708 / RS – RECURSO EXTRAORDINÁRIO; Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE; Órgão Julgador:Primeira Turma; Publicação: DJ 09-09-2005 ) (grifo nosso)
A Comissão do Concurso não pode cobrar, ao seu talante, matérias não previstas no edital, devendo se restringir ao elenco de disciplinas nele contido, já que este se traduz em norma vinculante no âmbito do concurso público, em vista do princípio da legalidade e da segurança jurídica. Tais premissas estão claramente inscritas no voto do Ilustre Ministro Carlos Britto, que acompanhou o voto do Ministro Sepúlveda Pertence, no RE 434.708-9/RS, já citado acima, senão vejamos:
“O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO – Sr. Presidente, o pranteado Hely Lopes Meirelles, numa frase que se tornou celebre pela sua precisão pedagógica, disse o seguinte: o edital é a lei interna da licitação. Claro que podemos aplicar essa definição ao concurso, que é um procedimento tão concorrencial quanto o da licitação. No caso, esse apego da Administração Pública às normas editalícias, por ela, Administração, publicadas, homenageia a um só tempo o princípio da segurança jurídica – as partes querem estar seguras de que o edital será respeitado –, o princípio da lealdade, lealdade naquele sentido de que a administração pública tem que corresponder às expectativas por ela mesma geradas nos administrados. É o que, na doutrina alemã e na doutrina portuguesa, tem-se chamado de proteção da confiança. No caso, o que é vedado ao Poder Judiciário em tema de apreciação da legalidade dos concursos é se substituir ao administrador público em três sentidos: quanto aos critérios da formulação dos quesitos; quanto aos critérios de correção de prova e, por desdobramento, quanto à atribuição da nota
Cabe ainda citar a jurisprudência de outros tribunais, no intuito de se demonstrar que a ilegalidade havida na recusa em anular a questão em comento é refutada por vários julgados, não sendo demais transcrevê-los:
“Tribunal Regional da 1ª Região
Processo: AC 1999.01.00.072912-2/DF; APELAÇÃO CIVEL
Relator: JUIZ JOAO BATISTA MOREIRA
Convocado: JUÍZA IONILDA CARNEIRO PIRES (CONVOCADA)
Órgão Julgador: QUINTA TURMA
Publicação: 21/01/2002 DJ p.296
Data da Decisão: 23/11/2001
Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo retido e deu parcial provimento à apelação do autor.
Ementa: ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA O CARGO DE AUDITOR FISCAL DO TESOURO NACIONAL. AGRAVO RETIDO. PROVA PERICIAL. DESNECESSIDADE.
ANULAÇÃO DE QUESTÕES. ERRO MATERIAL CARACTERIZADO. POSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO PELO JUDICIÁRIO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DOS ATOS.
1. Sendo as questões de fácil verificação e existindo nos autos pareceres de professores sobre as mais complexas, não se apresenta necessária a produção de prova pericial.
2. Excepcionalmente pode o Juiz anular questões objetivas, através do exame da legalidade do ato, quando comprovado o erro material, vício na formulação das questões, e até mesmo se englobam matérias não constantes do programa de disciplina arroladas no programa do concurso.
3. Precedentes desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “a discricionariedade na formulação e correção de questões de prova em concurso público está sujeita a controle judicial destinado a expungir erro da Administração” (AC n. 96.01.46972-9/MG)
5. Agravo retido improvido.
6. Apelação provida em parte, apenas para reconhecer a anulação da questão nº 42, para o efeito do edital.”
“Processo: AG 2003.01.00.028153-0/BA; AGRAVO DE INSTRUMENTO
Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA
Órgão Julgador: QUINTA TURMA
Publicação: 08/03/2004 DJ p.105
Data da Decisão: 27/02/2004
Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo de .
Ementa: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. JUIZ SUBSTITUTO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO / 6ª REGIÃO. EXIGÊNCIA DA COMPROVAÇÃO DA DIPLOMAÇÃO DE BACHAREL
1. Em sede de concurso público vigoram o princípio da publicidade e o da vinculação ao edital, que obrigam tanto a Administração, quanto os candidatos, à estrita observância das normas previstas no edital.
2. Deve ser observada a regra editalícia que impõe a comprovação da diplomação no ato da inscrição preliminar ao cargo da magistratura trabalhista.
3. Agravo improvido.” (Grifo nosso)
Ante todo o exposto, conclui-se que o edital do concurso público é ato vinculante, fazendo lei entre as partes, e que a sua estrita observância é obrigatória tanto ao candidato quanto à administração pública. Portanto, a cobrança, pela banca examinadora, de matérias não previstas no edital traduz-se em violação aos princípios da legalidade e da segurança jurídica, tornando legítima a atuação do Conselho Nacional de Justiça que, por meio de procedimento de controle administrativo, poderá ordenar a desconstituição, revisão ou fixação de prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, coibindo, assim abusos e arbitrariedades cometidos pelos administradores em detrimento da Administração Pública e de seus administrados.
*Robson Ribeiro de Faria é advogado em Brasília, atuante nas áreas de direito das obrigações, das coisas e de família e sucessões. Consultor jurídico de cartórios de notas e de registro de imóveis: robsonadvg@yahoo.com.br
Fonte: Boletim Eletrônico Irib