O Cadastro Nacional de Adoção, que será lançado ontem pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), vai permitir atacar diretamente o problema das restrições que dificultam as adoções no país.
A opinião é do juiz Francisco de Oliveira Neto, coordenador do projeto Mude um Destino, criado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) para estimular a adoção.
Para o titular da Vara da Infância e da Juventude de Florianópolis (SC), os dados vão permitir mostrar concretamente às pessoas interessadas na adoção que elas podem aumentar muito suas possibilidades se forem menos exigentes em suas escolhas.
“Existe uma grande diferença entre a criança desejada e a existente para adoção. No Brasil, a grande maioria das pessoas só quer adotar crianças brancas, sem nenhuma suspeita de problemas de saúde, meninas, com no máximo um ano de idade. Quando tivermos uma centralização dos números poderemos ter políticas públicas voltadas para essa situação”, ressaltou.
Segundo o juiz, alterando, por exemplo, o critério da idade e aceitando adotar crianças de 2 ou 3 anos, é possível reduzir pela metade o tempo de espera por uma adoção, que em Santa Catarina chega a até quatro anos.
De acordo com Neto, as informações do cadastro serão importantes para demonstrar que não há burocracia no processo de adoção. Conforme o juiz, se um casal for habilitado e a criança escolhida estiver destituída do poder familiar, em uma semana poderão estar vivendo sob o mesmo teto, mas essa agilidade não é possível quando a criança escolhida não existe.
“É direito da pessoa fazer essa escolha, mas é um dever do Poder Judiciário alertar para as conseqüências.
Que se preserve direito de escolha, mas que a pessoa tenha conhecimento do que isso vai implicar, para que não se confunda a demora no processo com burocracia,” afirmou.
Ele destacou, no entanto, que a idealização das crianças a serem adotadas é um desejo natural, que ocorre também em relação a filhos biológicos.
“É natural esse desejo, mas nós temos que tratar com a realidade também. É o mesmo que ocorre com o filho biológico: temos que trabalhar com a aceitação da realidade. É claro que nós estamos falando de um processo judicial que tenta imitar a vida biológica, onde a possibilidade de escolha é maior, mas mesmo assim as pessoas têm que fazer uma escolha próxima do real, senão não vão materializá-la”.
O juiz disse ainda que não vê como racismo as restrições feitas à cor das crianças a serem adotadas. Segundo ele, há vários outros fatores envolvidos nessa escolha, como, por exemplo, o desejo de esconder que a criança é adotada, o que seria dificultado por grandes diferenças na aparência ou na raça.
“Se olhar a lista de pretendentes, verificamos que a maioria deles é branca por uma questão histórica, social do nosso país, eles têm um padrão de vida mais elevado. O que eles não querem é denunciar que a criança é adotada. Esse é um mito a ser trabalhado, sobre o qual o Estado pode atuar, esclarecendo às pessoas que talvez o mais adequado seja contar que a criança é adotada”, relatou.
Segundo levantamentos da Justiça, em Santa Catarina existem hoje cerca de 3 mil pessoas interessadas na adoção e 120 crianças e adolescentes disponíveis para o processo, a maioria deles com mais de 7 anos de idade. As que estão abaixo dessa faixa etária têm problemas de saúde, como, por exemplo, serem portadoras do vírus HIV.
No estado, cerca de 90% dos pretendentes só aceitam adotar crianças brancas, 95% não aceitam crianças com qualquer tipo de problema de saúde e 70% procuram bebês com menos de um ano de idade.
Neto salientou que essa é a realidade catarinense, mas dificuldades encontradas em outros estados do país precisam ser investigados e o cadastro será um instrumento eficiente para isso.
Fonte: Diário de Notícias