Clipping – Isto É – Quer namorar comigo?

Igor Corteletti Leite, comissário de bordo (…) e Julia Guimarães Silva Costa (…) declaram de livre e espontânea vontade, sem presão ou qualquer coação, o que reconhecem como pacto de relacionamento afetivo.” Foi exatamente nesses termos que os cariocas Júlia, 23 anos, e Igor, 28, assinaram um documento para, simplesmente, deixar claro que o que existe entre eles, há três anos, é um namoro. Há no País, hoje, uma corrida de casais a escritórios de advocacia para fazer o mesmo: firmar, na frente de testemunhas, um “contrato de namoro” – também chamado de “contrato de convivência”, “declaração de namoro” e “pacto de relacionamento”. O motivo principal é evitar que um eventual fim do amor vire uma disputa por dinheiro. “Isso pode ocorrer porque o namoro tem características de união estável”, explica o professor de direito de família da Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG), Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDF-AM).

Reconhecida na Constituição de 1988 como uma entidade familiar assim como o casamento, a união estável dá direito aos companheiros à pensão alimentícia, herança e partilha de bens adquiridos no curso do relacionamento. “O Igor vai comprar um apartamento na Barra da Tijuca. E ele é muito certinho. Para deixá-lo tranqüilo de que eu não estou interessada em uma parte do imóvel, assinei no mês passado o contrato de namoro”, conta a estudante Júlia. “E eu entendo, porque podemos casar ou não. A vida é assim: hoje você ama, amanhã…”

Pela legislação atual, não é mais necessário ter convivência superior a cinco anos e morar sob o mesmo teto para se configurar uma união estável. Basta, segundo a lei, uma “convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituição de família”. “Freqüentar os parentes do companheiro, as festas, convites comuns (do tipo fulana e fulano convidam para o jantar), viagem juntos, pagar a conta do supermercado da parceira podem ser provas de que a relação é mais do que um namoro”, diz Tânia da Silva Pereira, advogada de família do Rio de Janeiro.

Em São Paulo, a advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) conta que, dez anos atrás, fazia uma declaração de namoro – como prefere definir a tendência – por ano. Hoje, elabora uma a cada três meses. “É uma atitude consciente, sinal de que as pessoas estão regulando suas relações de maneira madura”, diz ela. “E é um bom teste. Se o seu parceiro estiver malintencionado, não só vai ficar melindrado quando você propuser assinar um documento, como não vai assiná- lo. Se você quer saber se seu namorado está com boas intenções, proponha a ele declarar que namoram.”

Foi o que ocorreu com uma empresária de uma pequena cidade do interior de Minas Gerais. Aos 42 anos, ela herdou um patrimônio considerável do pai e, há dez meses, passou a namorar um estudante de 28. “Fiquei preocupada, não queria que me vissem como um bom partido. Minha família começou a se meter no relacionamento. Se ele não assinasse o contrato não ficaríamos juntos.

Deixeiisso claro”, diz a empresária, que pede para não se identificar. O casal mineiro colocou o namoro no papel, em maio, explicitando a separação total de bens e a não pretensão de constituir família. “O stress passou. Estou mais tranqüila, mais solta na relação, sem me preocupar com as intenções dele.”
O tema é controverso entre os juristas. “Não aconselho meus clientes a assinarem algo do tipo”, diz a advogada Lia Justiniano dos Santos, exconselheira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “O contrato de namoro tem valor relativo, pode ser válido até o ponto em que o casal passar a viver de outra forma. Depende da análise do juiz.”

O empresário carioca Ricardo Reuters, 22 anos, fechou em janeiro uma parceria com uma multinacional do ramo de publicidade online e se mumudou para São Paulo. No Rio, ficaram a pedagoga Thaís Santana, sua namorada há cinco anos, e uma declaração de namoro assinada no mês passado. Ricardo, que pretende se casar com separação total de bens, pensou: por que não fazer o mesmo no namoro com Thaís, 20 anos – já que o futuro a Deus pertence, mas (o patrimônio) não pode correr o risco de ser dividido entre o casal? A pedagoga respondeu com naturalidade: “Tudo bem. O que é teu é teu e vice-versa.”

Pela sua amplitude, a união estável tem feito com que as pessoas tenham medo de ser generosas nos relacionamentos. Em seu escritório, em Minas Gerais, o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, ouviu de um cliente de cerca de 50 anos: “Tenho dinheiro e a pessoa com quem namoro há um ano e meio, não. Quero dar um apartamento a ela de presente. Mas se eu fizer isso, fica caracterizada a união estável entre nós. Como faço para namorar em paz?” Exímio dissecador de almas, Machado de Assis escreveu: “Deus, para a felicidade do homem, inventou a fé e o amor. O Diabo, invejoso, fez o homem confundir fé com religião e amor com casamento.” Chegou o tempo de o homem, com suas leis, fazer a confusão entre união de fato e namoro.

DIVÓRCIO ACELERADO

No ano em que se completam três décadas da liberação do divórcio no Brasil, o processo para voltar a ser solteiro está saindo em tempo recorde. Em janeiro, entrou em vigor a Lei nº 11.411/07, que permite a realização de separações e divórcios em cartórios, sem a necessidade de um fórum judicial. “Houve um aumento de 30% a 40% nos cartórios em N busca dessas escrituras. Os separados de fato querem ser separados de direito”, afirma Rogério Bacelar, presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), entidade que congrega os cartórios no País.

Dependendo do Estado, o prazo para obter o divórcio caiu pela metade. Para tanto, é preciso que a decisão seja consensual e não envolva menores de 18 anos ou filhos considerados incapazes (caso de portadores de deficiências). Dentro dessas condições, um casal pode ingressar com o pedido e obter o divórcio em questão de horas. A presença de um advogado no ato é necessária e a escritura é lavrada por um tabelião. Para esclarecer esses pontos, a Anoreg preparou uma cartilha que ensina como fazer o divórcio ou a separação no cartório. Ela será distribuída no fim deste mês em cartórios e associações de moradores.

 

 

Fonte: Revista Istoé – 05.07.07