Sentença trata da desnecessidade de licenciamento municipal para atividade notarial e de registro

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
COMARCA DE BELO HORIZONTE
JUÍZO DA 2ª VARA DE FEITOS DA FAZENDA PÚBLICA MUNICIPAL

AUTOS: 024.05.863.339-7
AÇÃO: Declaratória
AUTOR: Sindicato dos Notários e Registradores de Minas Gerais – SINOREG/MG
RÉU: Município de Belo Horizonte

Vistos etc.

O SINDICATO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DE MINAS GERAIS – SINOREG/MG aforou a presente AÇÃO DECLARATÓRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em desfavor do MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE alegando que o réu, interpretando equivocadamente os preceitos da Lei Municipal 8.616/03, tem exigido “prévio licenciamento” dos tabeliães e oficiais de registro para o exercício das atividades que exercem por delegação do Poder Público Estatal.

Sustenta que as atividade de notário e oficial de registro são de natureza técnica e administrativa, destinadas a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. Afirma que os tabeliães e oficiais são profissionais de direito aos quais é delegado o exercício de atividade notarial e de registro. Salienta que seus associados não podem ter fiscalizadas as atividades que receberam por delegação do Poder Público, nem deles pode ser exigido prévio licenciamento para o exercício de suas atribuições. Pugna pela declaração de que os serviços de tabelionatos de notas e de protestos de títulos e ou de registros públicos delegados pelo Estado não se enquadram no art. 227 da Lei Municipal 8.616/03, mas sim no inciso III do § 1º do art. 288 da mesma lei.

A tutela antecipada foi indeferida (fl. 38).

O Município se defendeu alegando, preliminarmente, deficiência na prova da condição do autor de sindicato registrado no Ministério do Trabalho, irregularidade na representação do autor, falta da lista de filiados substituídos e de autorização assemblear, ausência de interesse processual, bem como que direitos individuais heterogêneos não autorizam ajuizamento de ação pelo sindicato, e que não houve publicação do edital previsto no art. 94 do Código de Defesa do Consumidor.

Sustenta a correta aplicação do Código Municipal de Posturas e Legislação Municipal, nos termos do art. 1º da Lei. 6.854/95, do art. 67 da Lei 7.166/96 e do art. 227 da Lei 8.616/03. Salienta que as instituições públicas não são isentas de licenciamento para localização e funcionamento, mas o são para a instalação de placas de identificação.

Requer a extinção do processo sem julgamento do mérito ou a improcedência dos pedidos.

Impugnação às fls. 80/85.

As partes apresentaram alegações finais em forma de memorial, cada qual ratificando sua tese.

Esse é, em síntese, o relatório. Decido.

Há preliminares exigindo análise prioritária.

A alegada deficiência na prova da condição do autor de sindicato registrado no Ministério do Trabalho não merece prosperar, uma vez que o SINOREG apresentou o registro de entidade social no Ministério do Trabalho (fl.12) e certidão expedida pela Secretaria de Relações do Trabalho declarando que ele é o representante da categoria dos notários e registradores no âmbito territorial deste Estado (fl.13).

As preliminares de irregularidade na representação do sindicato, falta da lista de filiados substituídos e ausência de autorização assemblear não podem ser acolhidas, visto que a representação sindical foi regularizada posteriormente. Ademais, o estatuto confere ao SINOREG/MG a prerrogativa de agir em nome da classe.

Art. 1º – Fica constituído, por força do presente ESTATUTO SOCIAL, e nos termos do Capítulo II do Título II da Constituição federal promulgada pela Assembléia Nacional Constituinte em 5 dias de outubro de 1988, o SINDICATO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DE MINAS GERAIS, designando pela sigla SINOREG/MG, com sede e foro em Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, e base territorial no Estado de Minas Gerais, com finalidade de coordenação, proteção e orientação geral da categoria de notários e oficiais de registro cujo serviço é exercido em caráter privado, por delegação do Poder Público, conforme estabelece legislação em vigor sobre matéria e com intuito de colaboração com os poderes públicos e as demais associações, no sentido de fortalecer a solidariedade social e a sua participação nos interesses sociais.

Art. 2 – São prerrogativas do Sindicato:

5) interceder, junto aos órgãos e autoridades competentes, no sentido de obtenção de rápido andamento e de pronta solução de tudo que diga respeito aos interesses gerais da categoria representada e de seus associados.


A Constituição Federal também confere legitimidade aos sindicatos e entidades associativas para a defesa dos direitos e interesses da categoria:

Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXI – as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judiciais ou extrajudicialmente;

Art. 8º – É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;


Da mesma maneira, não merece acolhida a tese de que direitos individuais heterogêneos não autorizam ajuizamento de ação pelo sindicato, posto que o estatuto social do autor prevê a defesa de direitos individuais e coletivos (fl. 17).

A alegada falta de publicação de edital não pode ser argüida nesta causa, porquanto não existem elementos de relação de consumo que justifiquem a aplicação dos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor.

Rejeitadas as preliminares, passo, então, ao exame do mérito da demanda.

A questão central dos autos reside em saber se o autor tem direito de ver declarado que os serviços de tabelionatos de notas e de protestos de títulos e ou de registros públicos delegados pelo Estado não se enquadram nas normas dispostas nos art. 227 da Lei Municipal 8.616/03.

A demanda é de fácil deslinde pelos seguintes fundamentos.

É entendimento doutrinário consagrado a condição de particular dos notários e oficiais de registros (agentes públicos que, por força de delegação de competência, colaboram com a Administração na execução de atividades públicas), sobre os quais incidem todas as normas aplicadas a outros particulares, visto que eles não exercem as atividades como representantes do Estado. Conforme ensina Hely Lopes Meirelles,

“Agentes Delegados são particulares que recebem incumbência da execução de determinada atividade, obra ou serviço e o realiza em nome próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob permanente fiscalização do delegante. Esses agentes não são servidores públicos, nem honoríficos, nem representantes do Estado: todavia, constituem uma categoria à parte de colaboradores do Poder Público. Nessa categoria encontram-se os concessionários e permissionários de obras e de serviços públicos, os tradutores e intérpretes públicos, as demais pessoas que recebem delegação para prática de alguma atividade estatal ou de serviço de interesse coletivo.” (Direito Administrativo Brasileiro, 17º Edição, Malheiros Editores Ltda, SP, 1992, pág. 76).

Celso Antônio Bandeira de Mello, discorrendo sobre a classificação dos agentes públicos, leciona o seguinte:

C) Particulares em colaboração com a Administração.

8. Esta terceira categoria de agentes é composta por sujeitos que, sem perderem sua qualidade de particulares, portanto, de pessoas alheias à intimidade do aparelho estatal (com exceção única dos recrutados para serviço militar), exercem função pública, ainda que às vezes apenas em caráter episódio.

Na tipologia em apreço reconhecem-se:

a) requisitados para prestação de atividades pública, quais os jurados, membros de mesa receptora ou apuradora de votos quando das eleições, recrutados para o serviço militar obrigatório etc., estes agentes exercem um munus público;

b) os que sponte própria assumem gestão da coisa pública como “gestores de negócios públicos”, perante situações anômalas, para acudir a necessidades públicas prementes;

c) contatos por locação civil de serviços (como, por exemplo, um advogado ilustre contratado para sustentação oral perante Tribunais);

d) concessionários e permissionários de serviços públicos, bem como delegados de função ou ofício público, quais os titulares de serventias da Justiça não oficializadas, como é o caso dos notários, ex vi do art. 236 da constituição, e bem assim outros sujeitos que praticam, com o reconhecimento do poder Público, certos atos dotados de força jurídica oficial, como ocorre com diretores de faculdades particulares reconhecidas (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 5º Edição, Editora Malheiros, SP, 1994, pág 125).


Entretanto, o Supremo Tribunal Federal defende entendimento distinto:

“SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS” – a atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime estrito de direito público. A possibilidade constitucional de a execução dos serviços notariais e de registro ser efetivada “em caráter privado, por delegação do poder público” (CF, art. 236), não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa. – As serventias extrajudiciais, instituídas pelo Poder Público para desempenho de funções técnico-administrativas destinadas “a garantir a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos” (Lei n. 8.935/94, art. 1º), constituem órgãos públicos titularizados os agentes que se qualificam, na perspectiva das relações que mantêm com o Estado, como típicos servidores públicos. “Doutrina e Jurisprudência” (ADIN 1.378-MC/ES; Relator Ministro Celso de Mello; DJ de 23.05.1997)

Assim, a norma que dispõe acerca da necessidade de prévio licenciamento para o exercício de atividade não-residencial (art. 227 da Lei 8.616/03) não deve ser aplicada aos representados do autor. Eles estão protegidos ainda pela exceção disposta no art. 288, § 1º, III, da Lei 8.616/03.

Posto isso, julgo procedentes os pedidos formulados nesta demanda e declaro que no preceito do art. 227 da Lei 8.616/03 não se enquadram os serviços de tabelionatos de notas e de protestos de títulos e ou de registros públicos delegados pelo Estado, motivo pelo qual os associados do autor não dependem de prévio licenciamento municipal para o exercício de suas atividades. Declaro, ainda, que os referidos serviços se enquadram no item III do § 1º do art. 288 da mesma lei (exceção que dispensa de prévio licenciamento municipal as placas de identificação de instituições públicas).

Condeno o réu ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios de R$1.000,00 (mil reais), com fundamento no art. 20, § 4º, do CPC.

P.R.I.C.

Belo Horizonte, 02 de março de 2007.

Flávio Batista Leite
Juiz de Direito

Fonte: TJMG