Orlando Adão Carvalho, Desembargador, presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais
Até que ponto a tecnologia pode estar a serviço do Judiciário? O grande volume de processos, a necessidade de redução de custos, de maior celeridade e segurança justificam o uso de recursos tecnológicos? Corre-se o risco de se cair no mecanicismo e na insensibilidade? As garantias individuais podem ser arranhadas pelo uso do aparato eletrônico? Quais seriam os anseios da sociedade nesse sentido? São perguntas difíceis de serem respondidas, e o consenso é impossível.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional a realização de interrogatório por meio de videoconferência. Com essa decisão, foi anulada a condenação de 14 anos, dois meses e 20 dias de prisão por extorsão mediante seqüestro e roubo. O interrogatório havia sido feito pela 30ª Vara Criminal do Foro Central de São Paulo em 2002.
Para a 2ª Turma do STF, que decidiu por unanimidade, não existe lei autorizando esse tipo de procedimento no país. O relator do processo, ministro Cezar Peluso, argumentou ser, no interrogatório, que o réu exerce o direito de autodefesa. Já o ministro Celso de Mello disse que a decisão seria “um marco importante na reafirmação de direitos básicos que assistem a qualquer acusado em juízo penal”.
Tudo isso nos leva a pensar que o uso da tecnologia exige certa precaução. Primeiramente, é necessário que tenhamos leis que amparem a adoção de inovações em favor da maior celeridade, constantemente exigida do Poder Judiciário. Por isso, não podemos negar a importância da modernização dos serviços judiciários.
Nossa realidade mudou muito. Temos uma infinidade de processos em andamento – na Justiça Comum Estadual de Minas, por exemplo, são mais de 3,5 milhões de ações tramitando. Sempre estamos batendo na tecla da necessidade de ampliação da estrutura do Judiciário, com aumento do número de magistrados, servidores e a conseqüente instalação de varas e comarcas.
Porém, vejamos a questão por outro ângulo. Os administradores públicos estão limitados pela Lei de Responsabilidade Fiscal. No caso do Tribunal de Minas, com suas 294 comarcas, quase mil magistrados e mais de 20 mil servidores, o índice é de 6% da receita corrente líquida do estado, para gastos com pessoal, estando incluído o Tribunal de Justiça Militar. O limite prudencial, que, se ultrapassado, impõe sanções ao administrador, é de 5,615%. Entre as sanções está a impossibilidade de realizar novas nomeações.
Como corresponder aos anseios da sociedade diante de tanto trabalho e de restrições orçamentárias e, conseqüentemente, de pessoal? Estamos convictos de que a saída é o uso da tecnologia, como forma de facilitar e agilizar o serviço, permitindo a racionalização e o máximo aproveitamento dos recursos existentes. Por isso, o TJMG vem testando recursos como o sistema de transmissão eletrônica de carta precatória (solicitação de um juiz para cumprimento de ato processual por juiz de outra comarca).
O processo eletrônico, implantado em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em fase de teste no Juizado Especial Cível – Unidade UFMG, é outra solução. O processo sem papel pode ser disponibilizado simultaneamente para vários advogados, com a devida segurança e a rapidez necessária. Reduz quadro de pessoal para atendimento, desgaste de filas de espera nos balcões e aumenta a satisfação do nosso cliente, o cidadão.
Mas, ainda temos muito o que avançar. Precisamos passar da fase de teste para a adoção desses procedimentos como rotina; disponibilizar certidões online, sem necessidade da presença física nos prédios do Judiciário, economizando tempo dos usuários e recursos da instituição. Imaginem como seria bom ajuizar uma ação via internet, da mesma forma que se faz declaração de imposto de renda.
São sonhos de hoje, mas que têm poder de promover mudanças no futuro. Incorporar os recursos da tecnologia exige mudança de cultura, investimento, legislações pertinentes e vontade de aprimorar os serviços, o que não falta ao TJMG. O polêmico interrogatório por meio de vídeo ainda não vingou, mas, provavelmente, será prática comum e legal dentro em breve.
Fonte: Jornal Estado de Minas