JURISPRUDÊNCIA CÍVEL
SEPARAÇÃO LITIGIOSA – CÔNJUGES RESIDENTES EM PAÍS ESTRANGEIRO – BRASILEIROS NATOS – CASAMENTO REALIZADO NO BRASIL – AUTORIDADE JUDICIÁRIA BRASILEIRA – COMPETÊNCIA INTERNACIONAL – ART. 88, III, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – EXTINÇÃO DO PROCESSO – IMPOSSIBILIDADE
Ementa: Separação judicial litigiosa. Extinção do processo sem julgamento do mérito. Competência da Justiça brasileira. Cônjuges residentes no exterior. Matrimônio contraído no Brasil. Competência da Justiça brasileira para processar e julgar a ação proposta pela varoa. Sentença cassada.
Apelação Cível ndeg. 1.0324.06.040391-6/001 – Comarca de Itajubá – Apelante: H.M.C.K., representado por C.M.C.K. – Apelado: H.F.B. – Relator: Des. Brandão Teixeira
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar provimento.
Belo Horizonte, 5 de junho de 2007. – Brandão Teixeira – Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. BRANDÃO TEIXEIRA – Tratam os autos de apelação interposta contra sentença de f. 27, que, nos autos da ação de separação litigiosa proposta pela apelante em face do apelado, julgou extinta a ação, sem resolução do mérito.
Em suas razões recursais de f. 30/35, a apelante requer a reforma da sentença a fim de que seja determinado o prosseguimento da ação para que, ao final, seja julgado procedente o pedido, homologando-se por sentença a separação judicial litigiosa do casal.
Alega: em 31.12.2003, ao acessar a internet, conheceu o apelado que dizia ser natural de São Paulo e residente no Japão; a amizade culminou em namoro; após quatro meses, resolveram se casar; em 27.04.2004, contraíram núpcias pelo regime de comunhão parcial de bens; após 15 dias da celebração, o apelado retornou ao Japão prometendo buscar a apelante e não cumpriu a promessa; decorridos seis meses, a apelante foi para o Japão encontrar-se com seu esposo; o apelado passou a destratá-la, não a deixando fazer amizades, e, quando saía, deixava-a trancada em casa; viveu maritalmente com o apelado no Japão no período de outubro de 2004 a janeiro de 2005; a convivência marital foi marcada por atritos e ofensas, deixando a apelante atordoada e nervosa; o apelado impôs à apelante tortura psicológica que a levou a atentar contra a própria vida; de volta ao Brasil, não conseguiu saldar seus compromissos contraídos para a realização do casamento, dívidas contraídas no Japão e empréstimo realizado para retornar ao País; viu-se obrigada a retornar ao Japão para trabalhar e conseguir saldar suas dívidas; de volta ao Japão, não conviveu com o apelado; não sabe onde o apelado se encontra; está impedida de retornar ao Brasil antes de se separar judicialmente; ajuizou ação através de procuração por instrumento público outorgada a sua mãe; necessita da medida cautelar de separação de corpos, para retornar ao Brasil e ao convívio de seus familiares e evitar que o apelado contraia dívidas em nome da apelante; impõe-se a reforma da sentença hostilizada; contraiu núpcias e foi abandonada na Comarca de Itajubá.
Conheço do recurso por próprio, tempestivo e adequado.
A questão dos autos prende-se à competência da Justiça brasileira para julgar separação judicial de casal que se encontra residindo no estrangeiro. O MM. Juiz entendeu que a autoridade judiciária brasileira é incompetente para processar e julgar esta ação, ante a inexistência das hipóteses previstas no art. 88 do CPC, e, em conseqüência, extinguiu a ação sem julgamento do mérito.
O art. 88 do CPC, que trata da competência internacional, expressamente dispõe:
“É competente a autoridade judiciária brasileira quando:
I – o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;
II – no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;
III – a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil […]”.
Deve ser declarada a competência judiciária brasileira se a ação se originar de fato ou ato ocorrido no Brasil, nos termos do art. 88, III, do CPC.
A realização do matrimônio dos litigantes ocorreu em Itajubá (v. f. 13). Dessa forma, a Justiça brasileira é competente para julgar a ação proposta pela apelante.
Ademais, há que se ter em mente que a ação de divórcio apresentada ao Juízo monocrático decorre, indubitavelmente, de ato jurídico praticado no Brasil, qual seja o casamento que se pretende dissolver, e de fato também aqui ocorrido, isto é, o fim da convivência conjugal, corroborando-se a jurisdição brasileira sobre o caso.
Verdade é que o Poder Judiciário brasileiro não pode se furtar a processar e julgar causa que lhe seja apresentada e para qual tenha jurisdição, porque as normas de Direito Processual disciplinam a atuação de seu poder estatal, manifestação da soberania do Estado brasileiro.
Além disso, o art. 5º, XXXV, da Constituição da República preceitua que a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Em conclusão, o Poder Judiciário pátrio, ao examinar o caso concreto, não pode afastar sua competência simplesmente por estarem as partes, brasileiros natos e casados no Brasil, residindo temporariamente no exterior.
Esse tem sido o entendimento deste Tribunal, vazado no seguinte acórdão:
“Ação de divórcio consensual direto. Cônjuges residentes no exterior. Incompetência relativa. Declaração de ofício pelo magistrado. Impossibilidade. Súmula 33 do colendo STJ. Casamento ocorrido no Brasil. Imóveis a serem partilhados localizados no território nacional. Competência da autoridade judiciária brasileira. Extinção do processo. Impossibilidade. Recurso provido para determinar o retorno dos autos à instância de origem para prosseguimento regular do feito.
– Nos termos da Súmula 33 do colendo Superior Tribunal de Justiça, a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício. Deve ser declarada a competência judiciária brasileira se, de acordo com as provas colhidas em audiência, a ação se originar de fato ou ato ocorrido no Brasil, nos termos do art. 88, III, do CPC.
– O direito processual é constituído de regras instrumentais, cuja finalidade reside na realização do direito material em litígio. Quando impossibilitam ou dificultam a consecução desta, cabe ao juiz reexaminar a interpretação para solucionar o impasse criado e, assim, obstar a eternização dos feitos e possibilitar a almejada pacificação social” (Apelação Cível nº 1.0396.03.007079-3.001, Rel. Des. Edilson Fernandes, j. em 27.09.2005, pub. em 11.11.2005).
Aliás, em julgamento de questão análoga, que versava sobre divórcio direto de partes casadas no Brasil e residentes no estrangeiro, assim já me pronunciei:
“Divórcio direto. Cônjuges residentes no exterior. Competência da Justiça brasileira. Extinção do processo sem julgamento do mérito. Cassação da sentença. Prosseguimento do feito. Citação da ré” (Apelação Cível nº 1.0396.04.017298-5.001, Comarca de Mantena, j. em 25.10.2005, pub. em 11.11.2005).
Aliás, na dissolução da sociedade conjugal, a regra a ser aplicada é a do último domicílio do casal. Portanto, independentemente de onde o casamento tenha sido celebrado e do fato de um dos cônjuges estar residindo no exterior, a Justiça brasileira terá competência para conhecer e julgar a ação.
Note-se que a autora se declara residente e domiciliada na Comarca de Itajubá, onde outorgou procuração à sua mãe para constituir advogado a fim de representá-la em ação de separação judicial e/ou divórcio (v. f. 08), sob alegação de que precisou viajar ao Japão para tentar saldar suas dívidas, onde declara permanecer temporariamente.
O art. 100, I, do CPC privilegia o foro da residência da mulher para a ação de separação dos cônjuges e, ainda, a conversão desta em divórcio, além da anulação de casamento.
Dessa forma, impõe-se considerar competente a Justiça brasileira para processar e julgar a ação de separação judicial litigiosa proposta pela apelante.
Dessa forma, dou provimento ao recurso.
Custas, pelo apelado.
DES. CAETANO LEVI LOPES – De acordo.
DES. FRANCISCO FIGUEIREDO – Também dou provimento ao recurso, na linha de raciocínio de que a Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007, tornou o entendimento do até então respeitado art. 88 do Código de Processo Civil mais flexível.
Esta lei, que modificou artigos do Código de Processo Civil, deixa demonstrado que as partes, diretamente, podem fazer a sua separação e, até, divórcio em cartório, observando-se normas que, in casu, foram observadas, porque o casal não tem bens nem filhos.
Por essa razão, também acompanho os votos que me precederam, para cassar a sentença, a fim de ter regular procedimento o pedido exordial.
Súmula – DERAM PROVIMENTO.
Fonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais – 28.09.07