Testamento – Inobservância de formalidade essencial – Invalidade – Comoriência – Representação

Número do processo: 1.0183.06.118706-2/001(1)
Relator: CAETANO LEVI LOPES
Relator do Acordão: CAETANO LEVI LOPES
Data do Julgamento: 19/08/2008
Data da Publicação: 09/09/2008

Inteiro Teor:

EMENTA: Apelação cível. Ação cominatória. Cumprimento de disposições testamentárias. Testamento. Formalidade essencial. Inobservância. Invalidade. Comoriência. Legado não transmitido ao comoriente. Representação. Impossibilidade. Recurso não provido. 1. A sucessão testamentária constitui-se em ato de última vontade do testador, e a observância das formalidades legais em sua manifestação é essencial à validade. 2. Assim, não observadas as formalidades legais, o documento é inapto para a transmissão dos direitos nele expressos. 3. Ocorrendo o óbito simultâneo de pessoas que têm relação de sucessão hereditária, e na impossibilidade de precisar qual deles faleceu primeiro, presumir-se-ão simultaneamente mortos. Em conseqüência, não há transmissão de direitos hereditários entre os comorientes. 4. O instituto da representação consiste no chamamento dos parentes em linha reta, do herdeiro legítimo falecido antes do autor da herança, para suceder em seu lugar. Porém, não existe a mesma disposição na sucessão testamentária. 5. Inexistindo documento válido para a sucessão testamentária e ocorrendo a comoriência entre a autora da herança e o herdeiro invalidamente nomeado, não têm os sucessores do beneficiado direito à sucessão por representação. 6. Apelação cível conhecida e não provida, mantida a sentença que rejeitou a pretensão inicial.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0183.06.118706-2/001 – COMARCA DE CONSELHEIRO LAFAIETE – APELANTE(S): MAYARA CRISTINA BARBOSA RAMOS VIEIRA E OUTRO(S), REPDO(S) P/ MÃE VERA LUCIA BARBOSA RAMOS VIEIRA – APELADO(A)(S): DENI FERNANDES RAMOS ESPÓLIO DE, REPDO P/ INVTE DAYSE FERNANDES RAMOS DA SILVA, DYRCE RAMOS VIEIRA – RELATOR: EXMO. SR. DES. CAETANO LEVI LOPES

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO.

Belo Horizonte, 19 de agosto de 2008.

DES. CAETANO LEVI LOPES – Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. CAETANO LEVI LOPES:

VOTO

Conheço do recurso porque presentes os requisitos de sua admissibilidade.

Os apelantes Mayara Cristina Barbosa Ramos Vieira e Gabriel Augusto Ramos Vieira aforaram esta ação cominatória visando o cumprimento de disposições de última vontade contra os apelados Espólio de Deni Fernandes Ramos e Dyrce Ramos Vieira. Afirmaram que, em 22 de setembro de 2006, faleceram em acidente de veículo a inventariada Deni Fernandes Ramos e seu sobrinho, Carlos Augusto Ramos Vieira, pai das recorrentes, não sendo possível precisar qual deles faleceu primeiro. Asseveraram que a inventariada era solteira, não tinha descendentes e nem ascendentes, mas as irmãs Dayse Fernandes Ramos Silva e Dyrce Ramos Vieira requereram o inventário e se habilitaram como herdeiras por sucessão colateral. Acrescentaram que a inventariada deixou duas declarações escritas nomeando seu sobrinho Carlos Augusto Ramos Vieira como sendo seu único herdeiro. Entendem que, com a morte do beneficiado, eles têm direito a suceder por representação, o que afastaria o direito de sucessão na linha colateral. Os recorridos apresentaram contestações às ff. 34/36 e 43/47 e afirmaram ser inválidas as disposições de última vontade e inexistência do direito pleiteado porque a herança não foi transmitida ao legatário. Pela r. sentença de ff. 68/71 a pretensão foi rejeitada.

O thema decidendum cinge-se em verificar se as disposições de última vontade têm validade formal para instituir herdeiro e se os apelantes têm direito à sucessão hereditária por representação do suposto legatário.

O exame da prova revela o que passa a ser descrito.

Os recorrentes, com a petição inicial, trouxeram alguns documentos. Merece destaque as certidões de ff. 13/14, comprovando que os apelantes são filhos de Carlos Augusto Ramos Vieira. Também são importantes as certidões de óbito de ff. 15 e 16, pelas quais ocorreu o falecimento de Deni Fernandes Ramos e Carlos Augusto Ramos Vieira, em 22.09.2006, às 13:30 horas, em decorrência de acidente automobilístico. Destaco, ainda, os relatórios de necropsia de ff. 17/20, confirmando o óbito em acidente de veículo na data e horário mencionados; bem como as declarações manuscritas de ff. 21/23 e declaração datilografada e assinada por Deni Fernandes Ramos, de ff. 24/25, respectivamente em 09.10.2004 e 10.08.1993. Estes os fatos.

Em relação ao direito, sabe-se que a sucessão testamentária constitui-se em ato de última vontade do testador e está sujeita às formalidades legais, conforme ensina Orlando Gomes na obra atualizada por Humberto Theodoro Júnior, Sucessões, 8. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 84:

Testamentária é a sucessão cuja devolução se regula, no todo ou em parte, conforme a vontade de defunto expressa num ato jurídico, que se denomina testamento.

Opõe-se à sucessão legítima ou ab intestato, regida a devolução, nesta modalidade, por disposições legais.

O título pelo qual se sucede testamentariamente é o ato de última vontade idôneo a determinar a devolução, mas, seu fundamento, se encontra indiscutivelmente na lei. Não é correto dizer-se que a sucessão testamentária opera por efeito da expressa vontade do homem. Sua viabilidade decorre de permissão do direito positivo. É a lei que põe à disposição das pessoas capazes um meio técnico de regulação da própria sucessão, assegurando-lhes o direito de dispor dos seus bens para depois da morte, observadas certas exigências. A vontade humana não é a causa da sucessão. Sua intervenção ocorre apenas para regrar a devolução sucessória.

Pela sucessão testamentária recebem os bens deixados tanto os herdeiros instituídos como os legatários nomeados, mas a possibilidade de instituí-los, ou nomeá-los, só existe se o interessado emprega o instrumento próprio que lhe oferece a lei, em caráter de exclusividade, para alcançar esse fim.

(…) A sucessão codicilar não se confunde com a sucessão ex testamenti. Mediante codicilo não se pode instituir herdeiro, só se permitindo o legado de esmolas de pouca monta, de objetos pessoais não mui valiosos, ou a substituição de testamenteiro.

A sucessão testamentária exige, do seu instrumento, a observância de formalidades numerosas, que desempenham tríplice função: preventiva, precatória e executiva. Os elementos formais do testamento têm por fim assegurar a livre e consciente manifestação da vontade do testador, atestar a veracidade das disposições de última vontade e fornecer aos interessados um título eficaz para obter o reconhecimento dos seus direitos.

O Código Civil de 2002 manteve as modalidades de testamento do Código revogado, quais sejam: testamento público, cerrado e particular (art. 1.862).

Os requisitos para o testamento particular encontram-se expressos no art. 1.876 do atual Código Civil:

O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico.

§ 1º. Se escrito de próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever.

§ 2º. Se elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão.

Vê-se que os requisitos legais são essenciais à validade da disposição testamentária. Os documentos de ff. 21/23 e 25 foram assinados somente pela declarante e não houve sequer menção à presença de testemunhas. Também não está concretizada a hipótese do art. 1.879 que admite a ausência de testemunhas, desde que o testamento tenha sido escrito em circunstâncias excepcionais declaradas na própria cédula. Logo, não tem mesmo validade como testamento particular.

Também não se aplicam as disposições relativas ao codicilo que, conforme o art. 1.881 do atual Código Civil, destina-se a disposições relativas a bens de pouco valor, não incluindo a transmissão de imóveis e nem a nomeação de herdeiro ou legatário. Portanto, o documento não tem mesmo validade como disposição testamentária.

Por outro lado, a abertura da sucessão ocorre no momento da morte de seu autor e, por isso, o evento temporal tem importância na sucessão hereditária. O Código Civil de 2002 dispõe, no art. 8º, que, ocorrendo o óbito simultâneo de pessoas e na impossibilidade de precisar qual deles faleceu primeiro, presumir-se-ão simultaneamente mortos. Sobre o tema, eis a lição do mesmo autor e na mesma obra (Orlando Gomes na obra atualizada por Humberto Theodoro Júnior, Sucessões, 8. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999), p. 12:

Abre-se a sucessão conforme princípio universalmente aceito, no momento da morte de seu autor.

Dada a importância da determinação do exato momento da abertura da sucessão, deve a morte ser provada por modo a se afastarem dúvidas quanto a sua ocorrência.

(…) O registro do óbito deve indicar a hora, o dia e o lugar do desenlace, porque o momento em que ocorreu tem interesse se morrem contemporaneamente pessoas que reciprocamente são sucessoras umas das outras. Para se saber quem morreu primeiro, o direito romano estabelecera presunções de premoriência, baseadas na probabilidade de maior ou menor resistência vital. O problema dos comorientes recebeu solução diversa no direito moderno, acolhida no Código Civil: se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum deles precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos. A presunção legal mais não é que aplicação particular do princípio geral quanto ao ônus da prova, admitido que a premoriência possa provar-se por presunção de fato.

Aplicada a presunção legal, não se dá a transmissão de direitos hereditários de um para outro comoriente, sendo chamado à sucessão quem tem de herdar de cada qual, como se os que morreram na mesma ocasião não fossem sucessíveis um do outro.

Importa ainda determinar o momento da abertura porque a sucessão se rege pela lei então vigente e porque o valor dos bens inventariados é o que tinham nesse momento.

O atual Código Civil reservou o Livro V para o Direito das Sucessões e tratou, no Título II, da Sucessão Legítima e, no Título III, da Sucessão Testamentária. Dispôs sobre o direito de representação, no art. 1.851, Capítulo III, do Título II, ou seja, na sucessão legítima, mas não existe a mesma previsão para a sucessão testamentária. Portanto, ainda que o documento fosse válido como disposição testamentária, não ocorrendo a transmissão ao legatário, os apelantes não podem mesmo suceder por representação, o que torna impertinente o inconformismo.

Com estes fundamentos, nego provimento à apelação.

Custas, pelos apelantes, respeitado o disposto na Lei nº 1.060, de 1950.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): RONEY OLIVEIRA e CARREIRA MACHADO.

SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0183.06.118706-2/001

 

Fonte: Serjus