Daniella Pierotti Lacerda, advogada da Miguel Neto Advogados Associados |
Desde o início dos tempos, as uniões informais sempre existiram como uma opção de constituição da família. Ocorre, porém, que durante muito tempo os relacionamentos entre homens e mulheres que não tinham a rubrica do casamento não eram bem-vistos pela sociedade, pois eram tidos como contrários aos ensinamentos da Igreja. Somente com a Constituição de 1988, a união estável passou a ser reconhecida como entidade familiar, sendo digna de direitos e obrigações. Ocorre, porém, que, mesmo com o reconhecimento da união estável pela Carta Maior, as questões patrimoniais e sucessórias ainda eram herméticas, pois, apesar de terem sido apreciadas pela Constituição, essa não dispôs como solucionar os casos de ruptura dos relacionamentos estáveis, fossem eles por vida ou por morte.
Importante salientar que, quando foi redigido o Código Civil de 1916, não havia previsão do direito à sucessão hereditária entre companheiros, sendo certo que, em caso de falecimento, somente os descendentes, ascendentes, o cônjuge sobrevivente e até os colaterais poderiam fazer jus ao direito de sucessão. Assim, a única maneira de o companheiro adquirir bens do outro depois do falecimento seria por meio de testamento em seu favor. Portanto, se o convivente que faleceu não tivesse essa preocupação em vida, nada receberia. Somente com o advento das leis 8.871/94 e 9.278/96, os companheiros adquiriram o direito à sucessão hereditária em caso de morte de um dos conviventes.
A Lei 8.871/94 trouxe como requisito para o direito à sucessão por conviventes que a união fosse superior a cinco anos ou com filhos. Já a Lei 9.278/96 reconheceu que tem direito à sucessão o convivente que tenha se unido a outro de forma duradoura, pública e contínua, com o objetivo de constituir família. Com o advento do novo Código Civil brasileiro, ocorreram algumas mudanças, as quais limitaram os direitos sucessórios dos conviventes atribuídos por essas legislações. Isso porque referido diploma legal dispõe que o companheiro, ao contrário do cônjuge supérstite, não figura como herdeiro necessário, o que acarreta a possibilidade de o autor da herança dispor em testamento da integralidade de seu patrimônio (Código Civil, artigos 1.845, 1.846, e 1.857), ressalvado, conforme o caso, ao companheiro sobrevivente o direito de meação quanto aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, excluindo-se os bens particulares.
Diante disso, temos que a patente diferenciação entre cônjuge e companheiro, conforme consta do Código Civil de 2002, implica verdadeiro retrocesso social frente à evolução doutrinária e jurisprudencial do instituto da união estável havida até então. Essa diferenciação ganhou relevância a ponto de haver projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional (PL 508/07 de autoria do deputado Sérgio Barradas Carneiro), propondo a modificação/revogação de artigos do Código Civil de 2002, visando garantir a igualdade de direitos sucessórios entre cônjuges e companheiros de união estável.
Espera-se que, com aprovação desse projeto de lei, de vez por todas, venha a abolir qualquer regra que corra em sentido contrário a equalização do cônjuge e do companheiro, conforme comando constitucional, que prescreve a ampliação do conceito de família, protegendo de forma igualitária todos os seus membros, sejam eles os próprios partícipes do casamento ou da união estável, como também os seus descendentes. Essa equalização produzirá a harmonização do Código Civil com os avanços doutrinários e as conquistas jurisprudenciais correspondentes, avalizando quase um século de vigoroso acesso à Justiça e de garantia da paz familiar.
Fonte: Jornal Estado de Minas