PROCESSO 2008/103065 – DICOGE 1.2
Parecer nº 255/2009-E
REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO – Índios – Situação peculiar, disciplinada por dispositivos legais específicos – Inteligência do parágrafo único do art. 12 e do parágrafo único do art. 13 da Lei nº 6.001/73, bem como do parágrafo 2º do art. 50 da Lei nº 6.015/73 – Não aplicação, na hipótese ali regulada, das regras referentes a registro civil fora do prazo – Explicitação da disciplina correspondente, mediante incremento das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Minuta de Provimento, para tal finalidade.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:
Cuida-se de ofício encaminhado pela Procuradoria da República no Município de Santos, órgão do Ministério Público Federal, subscrito pelo douto Procurador da República Antonio José Donizetti Molina Daloia, dando conta de possíveis dificuldades para a realização do registro civil de nascimento de “índios maiores de doze anos”, o que gerou, inclusive, a instauração de inquérito civil público com vistas à apuração dos fatos. Postula que seja “avaliada a possibilidade de editar orientação” para “padronizar o procedimento de registro de nascimento de indígenas nos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais deste Estado”, no sentido de que os registros emanados da FUNAI sejam considerados aptos, quando contiverem os elementos necessários, para gerarem “a lavratura do registro civil de nascimento dos índios”, conforme “disposto nos artigos 12 e 13 da Lei 6.001/73”, não se utilizando o procedimento referente ao registro tardio, “visto que o prazo para registro não se aplica aos indígenas não integrados, conforme regra contida no artigo 50, § 2º, da Lei 6.015/73” (fls. 02/04).
Manifestou sua concordância a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo – ARPEN/SP (fls. 19/21). Documentos e xerocópias foram juntados.
É o relatório.
Passo a opinar.
Pertinente e oportuna a postulação apresentada, uma vez que, deveras, as Normas de Serviço desta Corregedoria Geral não contemplam, em regulamentação, a hipótese em foco, não obstante exista, a respeito, disciplina legal específica e peculiar.
Considerando que a própria ARPEN/SP reconhece que alguns registradores vêm interpretando equivocadamente as regras aplicáveis, impende empreender, na seara descortinada, o mister normativo próprio do presente órgão correcional, de modo a dirimir quaisquer dúvidas e uniformizar a conduta.
Com efeito, não se ignora a relevância da questão trazida à baila, insofismavelmente imbricada ao tema da promoção da dignidade dos brasileiros de origem indígena e ao fomento de sua efetiva integração, num plano de cidadania, com perspectiva de exercício de direitos civis, incluído o acesso a serviços de saúde e programas sociais. A obtenção de registro civil de nascimento representa importante passo nesta caminhada.
Vale ponderar, destarte, que a própria Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos) contém dispositivo específico endereçado ao segmento populacional em tela, qual seja o parágrafo 2º de seu artigo 50, cujo texto cumpre trazer à colação:
“Art. 50. Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado a registro, no lugar em que tiver ocorrido o parto ou no lugar da residência dos pais, dentro do prazo de quinze dias, que será ampliado em até três meses para os lugares distantes mais de trinta quilômetros da sede do cartório.
“[…] § 2º Os índios, enquanto não integrados, não estão obrigados a inscrição do nascimento. Este poderá ser feito em livro próprio do órgão federal de assistência aos índios”.
Bem se vê que, da própria norma legal instituidora do prazo para efetivação do registro, consta ressalva expressa no que tange a esses indígenas, enunciando que não os alcança a obrigatoriedade prevista. Logo, quanto a eles, não há lapso temporal cristalizado para que o nascimento seja inscrito no Registro Civil das Pessoas Naturais, o que permite concluir que, in casu, descabe cogitar de “declarações de nascimento feitas após o decurso do prazo legal”. Ou seja, não tem aplicação o procedimento relativo ao “registro civil fora do prazo”, previsto no art. 46 da aludida Lei nº 6.015/73 e na Seção IV do Capítulo XVII das Normas de Serviço desta Corregedoria Geral da Justiça, quando comprovada a aludida condição pessoal pela exibição de documento demonstrativo de que houve inscrição natal em “livro próprio do órgão federal de assistência aos índios”, qual seja a FUNAI (Fundação Nacional do Índio).
Nessa hipótese, incide regra especial, insculpida no parágrafo único do artigo 13 da Lei nº 6.001/73 (Estatuto do Índio):
“Art. 13 […].
“Parágrafo único. O registro administrativo constituirá, quando couber documento hábil para proceder ao registro civil do ato correspondente, admitido, na falta deste, como meio subsidiário de prova”.
Eis disposição legal vigente que, enquanto tal, não pode ser ignorada. Todavia, até por força da expressão “quando couber”, nela incluída, mostra-se imperioso entender que a produção do vislumbrado efeito na órbita do Registro Civil das Pessoas Naturais depende, obviamente, de constarem da inscrição administrativa, de maneira suficiente, os elementos necessários para que seja lavrado o assento de nascimento pelo Oficial.
E não é demais lembrar que, à luz do parágrafo único do artigo 12 da citada Lei nº 6.001/73, no tocante aos focalizados índios, o “registro civil será feito a pedido do interessado ou da autoridade administrativa competente”.
Em face do explanado, está aberto o campo para a empreitada de regulamentação, sem prejuízo dos cuidados necessários, no ensejo, para evitar que fraudes e falsidades venham a vulnerar o sistema registrário. De se adiantar, pois, que, quando houver fumus deste perigo, não se poderá prescindir da análise do Juízo da Corregedoria Permanente.
Estabelecidos, enfim, os balizamentos a serem observados, alvitro, com o escopo de suprir a lacuna existente, a inclusão, na Seção III do Capítulo XVII das vigentes Normas de Serviço, dos seguintes subitens:
33.1 – Os índios, enquanto não integrados, não estão obrigados à inscrição do nascimento no Registro Civil das Pessoas Naturais, podendo registrá-lo em livro próprio do órgão federal de assistência aos indígenas.
33.2 – O registro civil de nascimento desses índios, propriamente dito, poderá ser feito a pedido do interessado ou da autoridade administrativa competente.
33.3 – Em tal hipótese, o comprovante do registro administrativo perante o órgão federal de assistência aos índios, desde que contenha os elementos necessários para tanto, constituirá documento hábil para o registro civil de nascimento, não se aplicando as disposições referentes a registro civil fora do prazo.
33.4 – Se o Oficial suspeitar de fraude ou falsidade, submeterá o caso ao Juiz Corregedor Permanente, comunicando-lhe os motivos da suspeita.
Para viabilizar a implantação da disciplina ora estruturada, segue anexa Minuta de Provimento.
Diante do exposto, o parecer que submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência, mui respeitosamente, é pelo acolhimento da postulação apresentada, mediante inclusão de dispositivos específicos nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, para sua adequação aos diplomas legislativos de regência, nos termos da inclusa minuta.
Proponho, outrossim, o encaminhamento, ao órgão ministerial interessado, de cópias deste parecer, da r. decisão que venha a aprová-lo e do decorrente Provimento.
Sub censura.
São Paulo, 14 de agosto de 2009.
(a)JOSÉ ANTONIO DE PAULA SANTOS NETO – Juiz Auxiliar da Corregedoria
DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria, por seus fundamentos, que adoto, bem como a minuta apresentada.
Publiquem-se, na íntegra, para conhecimento geral, o referido parecer, a presente decisão e o correspondente Provimento.
Encaminhem-se cópias de tais peças ao órgão ministerial interessado.
São Paulo, 17 de agosto de 2009.
(a)LUIZ ELIAS TÂMBARA – Corregedor Geral da Justiça, em exercício
PROVIMENTO CG N° 22/2009
Inclui os subitens 33.1, 33.2, 33.3 e 33.4 na Seção III do Capítulo XVII das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
O DESEMBARGADOR LUIZ ELIAS TÂMBARA, CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, em exercício, no uso de suas atribuições legais;
CONSIDERANDO o disposto no parágrafo único do artigo 12 e no parágrafo único do artigo 13 da Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973 (Estatuto do Índio), bem como no parágrafo 2º do artigo 50 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos);
CONSIDERANDO a necessidade da correspondente adaptação das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, para a devida regulamentação, de modo a escoimar dúvidas, garantir a segurança jurídica, viabilizar a atuação dos Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais e dar plena efetividade à sistemática legal;
CONSIDERANDO o exposto e decidido no Proc. CG nº 2008/103065;
R E S O L V E:
Artigo 1º – Ficam incluídos, na Seção III do Capítulo XVII das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, os seguintes subitens:
“33.1 – Os índios, enquanto não integrados, não estão obrigados à inscrição do nascimento no Registro Civil das Pessoas Naturais, podendo registrá-lo em livro próprio do órgão federal de assistência aos indígenas.
“33.2 – O registro civil de nascimento desses índios, propriamente dito, poderá ser feito a pedido do interessado ou da autoridade administrativa competente.
“33.3 – Em tal hipótese, o comprovante do registro administrativo perante o órgão federal de assistência aos índios, desde que contenha os elementos necessários para tanto, constituirá documento hábil para o registro civil de nascimento, não se aplicando as disposições referentes a registro civil fora do prazo.
“33.4 – Se o Oficial suspeitar de fraude ou falsidade, submeterá o caso ao Juiz Corregedor Permanente, comunicando-lhe os motivos da suspeita”.
Artigo 2º – Este provimento entrará em vigor na data de sua publicação.
São Paulo, 17 de agosto de 2009.
Fonte: Arpen SP