Jurisprudência mineira – Ação de Justificação – Registro tardio – Recurso não Provido


JURISPRUDÊNCIA CÍVEL


AÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO – REGISTRO TARDIO DE JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER “TIRADENTES” – AUSÊNCIA DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO – INTERESSE DE AGIR – SENTENÇA TERMINATIVA – RECURSO NÃO PROVIDO


Apelação Cível n° 1.0625.05.048873-7/001 – Comarca de São João del-Rei – Apelante: Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei e outro – Apelado: Município Ritápolis, Município de Tiradentes, Câmara Municipal de Ritápolis – Relator: Des. Brandão Teixeira


A C Ó R D ÃO


Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso.


Belo Horizonte, 2 de junho de 2009.


Brandão Teixeira


– Relator.


N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S


DES. BRANDÃO TEIXEIRA – Em mãos, apelação cível interposta da v. sentença de f. 965/972 que, em ação de justificação de registro tardio de Joaquim José da Silva Xavier “Tiradentes” proposta pelo Instituto Histórico e Geográfico de São João del- Rei e outros em face dos Municípios de Tiradentes, Ritápolis, julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC. O i.


Magistrado asseverou que os autores são carecedores da ação por ausência de interesse de agir, na medida em que o registro tardio pretendido se afigura completamente inócuo visto que Joaquim José da Silva Xavier já possui registro assinalando seu nascimento, sendo natural de São João del-Rei.


Inconformados, insurgem-se os apelantes contra a r. sentença às f. 974/981. Alegam que o § 4º do art. 50 da Lei Federal nº 6.015/73 autoriza, expressamente, a postulação, ao dispor que é facultado aos nascidos anteriormente à obrigatoriedade do registro civil requerer a inscrição de seu nascimento. Assinalam o valor de decisões de mérito e enaltecem princípios de acesso à Justiça e da efetividade do processo. Os apelados apresentaram contrarrazões às f. 985/ 989, 995/996, 997/998.


A douta Procuradoria-Geral de Justiça, com vista dos autos, opinou pelo provimento do recurso (f. 1.009/1.011-v.). Juízo de admissibilidade. Conheço do recurso voluntário, presentes os requisitos de admissibilidade. Mérito. Embora conheça do recurso, o mesmo não tem como prosperar. A ação é proposta com suporte nos “altruísticos interesses” da comunidade são-joanense e “nos elevados valores das entidades” que figuram como autoras, deixando patente que a prestação jurisdicional “versava o respeito a história nacional e o resgate de um de seus capítulos mais  tenebrosos, dando-se ao processo o objetivo de defesa” não só de interesse comum, mas, especialmente, de ordem “augusta e excelsa” (sic – f. 03).


Em seguida, os autores classificam o processo de justificação destituída de caráter contencioso, com suporte no art. 50, § 4º, e 52, § 2º, da Lei nº 6.015/ 73. Prosseguem, sustentando ser Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, natural do “Termo da Villa do São João del-Rei” (sic – f. 07), com base em opiniões de historiadores, sustentando, enfim, que o referido herói nacional  é são-joanense, a despeito da polêmica histórica travada em torno de sua naturalidade.


Ao final, os autores expressam pedido de: “… averbação (sic), por Mandado a  ser expedido ao Cartório do Registro Civil da Comarca, do assentamento do ‘Tira-Dentes’, constando ali seu nome próprio Joaquim José da Silva Xavier, requerendo, mais, que fique constando conforme se encontra no livro de batizados, ou seja: ‘Joaquim José da Silva Xavier, nascido em 12 de novembro de 1746, no município de São João del- Rei, Estado de Minas Gerais, filho de Domingos da Silva dos Santos e de Antonia da Encarnação Xavier'” (sic).


Enfim, o que se pretende, com base em fundamentação histórica e em motivação altruística, é o suprimento do assento de nascimento de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, fazendo constar do registro que o mesmo teria nascido no Município de São  João del-Rei. Assim resumida a pretensão, inegável que ela tem por objetivo, ainda que indiretamente, fixar, por registro lavrado por ordem judicial e com o prestígio do Judiciário, que Joaquim José da Silva Xavier é natural de São João del-Rei. O suprimento de registro de nascimento há de se fazer no interesse do registrado e não, por razões altruísticas e históricas, mormente quando se tenta buscar o prestígio do Judiciário para se fixar uma versão de fato histórico.


Não é função do Judiciário tomar partido em disputas entre  historiadores e municípios a respeito de fato histórico. Não convém, pois, que o Judiciário se imiscua em tais disputas, ainda que altruísticos e elevadíssimos os motivos pelos quais se pede sua intervenção. A respeito do registro de pessoas nascidas até 1879, convém transcrever opinião de Walter Ceneviva: Página: 8 de 11 Diário do Judiciário Eletrônico / TJMG Terça-feira, 08 de setembro de 200Administrativo 9 dje.tjmg.jus.br Edição nº: 165/2009


“O § 3º é dispositivo de caráter transitório. Há de ser raro existir quem possa alegar nascimento anterior à obrigatoriedade do registro civil, não o tendo feito anteriormente. 1º de janeiro de 1879 é a data aceita, desde o Decreto n. 116/39, para caracterizar o princípio da registrabilidade obrigatória” (in Lei dos Registros Públicos comentada. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 91). À luz do texto citado, é inegável o acerto do i. Magistrado em reconhecer a inexistência de interesse de agir, especialmente ao asseverar:


“Assim, forçoso reconhecer que aos requerentes falece o necessário interesse de agir. Isso porque a pretensão deduzida em juízo há que representar uma utilidade para os postulantes. A  pretensão ao registro tardio somente se justifica na medida em que este seja, até o momento da postulação, inexistente. Não é o caso, conforme já asseverado, de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, visto que ele foi efetivamente registrado conforme procedimento da época” (f. 971).


Ainda que se trate de procedimento de jurisdição voluntária, onde não há propriamente litígio ou lide qualificada por uma pretensão resistida, o requerente há que justificar a legitimidade de seu interesse, como decorre do art. 1.104 do CPC.  Mesmo levando em conta que, em se tratando de procedimentos de jurisdição voluntária, o juiz não está obrigado a observar critério de legalidade estrita (Art. 1.109, CPC), é de se exigir que o interessado em determinada providência judicial demonstre a pertinência dela com algum interesse seu. Nesse sentido é a lição de João Paulo de Lucena, ao comentar a espécie de interesse que justifica a intervenção do Judiciário em negócios alheios:


“Em todos esses casos, no lugar de uma relação jurídica trilateral tendo em seus vértices as partes oponentes e o julgador, uma relação bilateral será formada entre os interessados, a ser submetida à apreciação do Judiciário, a fim de que, após homologada, produza publicamente seus efeitos. A legitimidade ativa daquele que encaminha seu pedido ao Judiciário deverá ser liminarmente auferida pelo magistrado em cumprimento ao art. 295, II e III, do CPC, bem como a existência de efetivo interesse processual, sob pena de obstaculização da manifestação estatal com o indeferimento do pedido” (in Comentários  ao Código de Processo Civil, v. 15: Dos procedimentos especiais, arts. 1.103 a 1.210. Coordenação de Ovídio A. Baptista da Silva. São Paulo: RT, 2000. p. 65. sic).


Em conclusão, não se descarta a necessidade de a intervenção do Judiciário ter alguma utilidade jurídica para as pessoas envolvidas no procedimento de jurisdição voluntária. No presente caso, não há resultado juridicamente útil a ser buscado com o acionamento do aparelho judiciário, uma vez que o registro de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, já tinha sido efetivado em 12.11.1746 (f. 26 e 26-v.), conforme as prescrições do direito daquela época. Como bem lembrado pelo i. Magistrado, todo nascimento de pessoas católicas ocorrido no Brasil antes de 1º de janeiro de 1889 resultava demonstrado por força das certidões de batismo extraídas dos livros eclesiásticos, ou seja, naquele tempo, o batismo assinalava a existência da pessoa natural para todos os efeitos da vida civil (f. 967). Se há registro anterior se afasta a aplicação do art. 50, § 4º, da Lei de Registros Públicos. Esse dispositivo, de caráter transitório, apenas se refere aos casos de nascimento até 1879 que não foram registrados. Se Joaquim José da Silva Xavier foi registrado, ofende o ato jurídico perfeito a pretensão de novo registro.


À luz de tais considerações, revela-se sem utilidade jurídica a pretensão dos apelantes, razão suficiente para que seja negado provimento ao recurso.


Conclusão.


Isso posto, nego provimento ao recurso. Custas, ex legis, suspensa na forma do art. 10, II, da Lei Estadual nº 14.939/2003.


DES. CAETANO LEVI LOPES – De acordo.


DES. AFRÂNIO VILELA – Acompanho o judicioso voto sufragado pelo eminente Relator, Des. Brandão Teixeira, haja vista que realizado o registro eclesiástico de Joaquim José da Silva Xavier, “Tiradentes”, em 12.11.1746, não se vislumbra utilidade nem mesmo necessidade de lavratura de registro civil, visto que as certidões de batismo (batistérios), extraídas dos registros eclesiásticos, constituíam prova dos nascimentos de pessoas católicas, ocorridos antes de primeiro de janeiro de 1889, mostrando-se, à época, suficiente para atestar a existência da pessoa natural.


Súmula – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.


 


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico