Pelo menos 13% das crianças nascidas no ano passado em Juiz de Fora não foram registradas. É o que mostra a comparação entre o número de nascidos vivos na cidade – 7.239, conforme o Departamento de Vigilância Epidemiológica – e o número de registros nos cartórios – 6.276. Ou seja, 963 ainda não existem oficialmente. O dado chama atenção e mostra que, mesmo em uma cidade do Sudeste, a ausência de registros de nascimentos é realidade. A pesquisa “Estatísticas do registro civil”, do IBGE, referente a 2007, indicou crescimento em Minas no índice de sub-registro (conjunto de nascimentos não registrados no próprio ano de ocorrência ou até o fim do primeiro trimestre do ano subsequente), passando de 11,9% (2000) para 17% (2007).
A menina K. tem um 1 de vida e faz parte da estatística. A mãe, P., 23, moradora de área de invasão na Zona Norte, ainda não registrou a filha. Ela alega ter perdido todos os seus documentos. Os outros três filhos, com 4, 5 e 6 anos, chegaram a ser registrados, mas não possuem mais as certidões, o que os impede de frequentar a escola. Sem documentação de toda a família, que sobrevive graças às doações, P. não consegue o benefício de programas sociais do Governo federal, como o “Bolsa família”. “Dependo da boa vontade das pessoas. Ajudaria muito se eu recebesse a “Bolsa família” ou se os meninos estivessem na escola. Não consigo nada porque perdi os documentos quando eu e minha irmã fomos expulsas de área invadida. Colocaram nossas coisas na rua, perdemos tudo. Já procurei saber no cartório como faço para ter a segunda via da certidão dos meninos, mas eles me pedem qualquer documento, e eu não tenho”, conta P., que vive em barraco às margens do Paraibuna. No casebre ao lado, a irmã, 26, vive situação semelhante. “Ela tem dois meninos registrados, mas a filha de 3 anos não.”
O oficial de registro civil do cartório de Benfica, Frederico Castro, afirma que “o número não é tão expressivo, mas constantemente chegam mães com filhos de 5, 6 anos sem registro ainda. Atendi uma mãe que ganhou o filho em casa e nunca pensou em registrar. Agora, como ele está em idade escolar, precisa do documento. Sem ter como provar a maternidade, terá que mover processo na Justiça, o que demanda exames de DNA e um tempo bem maior.” A subnotificação, para Frederico, está relacionada à impunidade e à falta de informação, entre outros fatores. “Não há punição. Além disso, muitas pessoas são desinformadas sobre a gratuidade do procedimento.”
Políticas públicas
O cientista político Paulo Roberto Figueira Leal acredita que situações como a de P. poderiam ser evitadas se fossem desenvolvidas políticas públicas que “aproximassem os serviços dessas pessoas que mais necessitam”. Para ele, apenas campanhas nos meios de comunicação não são suficientes. “É preciso universalizar o serviço com políticas mais agressivas. A maioria dos cartórios, por exemplo, está nas áreas centrais das cidades. Seria preciso aproximá-los das periferias, mostrando às pessoas que sua situação pode ser amenizada caso estejam devidamente registradas.”
Sindicato tem feito ações itinerantes
A mesma pesquisa feita pelo IBGE, que mostrou o aumento de sub-registro em Minas, indica que o índice caiu no país, passando de 12,7% em 2006, para 12,2%, em 2007. O estudo constatou que as maiores reduções foram observadas no Maranhão, cuja queda foi de 38,9% (passando de 61,6% para 22,7%), Pará, 37,1% (com redução de 52,9% para 15,8%), Amazonas, 33,8% (de 51,2% para 17,4%) e Tocantins, 29,1% (de 43,8% para 14,7%).
Em Minas, o Sindicato dos Oficiais de Registro Civil do Estado (Recivil) vem trabalhando no combate ao sub-registro. Além de ações itinerantes, chamadas “Caravanas da cidadania”, o Recivil realiza projeto junto às comunidades ciganas. Em Juiz de Fora, o mutirão está marcado para 3, 4 e 5 de novembro.
Em 2003, o município chegou a realizar campanha para inclusão das pessoas sem registro. O proprietário do Cartório Cobucci, Tadeu Cobucci, garante que o índice de sub-registro em Juiz de Fora não ultrapassa 2%. “Existe facilidade para tirar o documento. A certidão sai na hora. Acredito que a perda da declaração de nascido vivo ou dos documentos das próprias mães sejam as causas desses sub-registros.” Segundo Tadeu, a exigência do documento para o acesso a programas sociais contribuiu para que os adultos passassem a buscar mais o registro.
Fonte: Jornal Tribuna de Minas – Juiz de Fora