Cartórios e tabelionatos, concurso

Em um Estado de Direito democrático e republicano afigura-se imperiosa a realização de concursos públicos para o provimento das serventias notariais e registrais (costumeiramente denominadas de tabelionatos e cartórios). Aliás, a exigência de prévia realização de concurso público para o provimento de tais funções públicas encontra amparo constitucional no art. 236, da Carta Política vigente. Ocorre que, embora imbuído de tal preocupação, em geral plenamente adequada, parece que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vem adotando providências que acabam por infringir a outros valores constitucionais não menos relevantes, notadamente o princípio da segurança jurídica e um de seus principais consectários, qual seja, a noção proteção da confiança, inclinado à estabilização das relações jurídicas. Com efeito, a partir da edição da Resolução n° 80, de 9 de julho de 2009, o CNJ confeccionou lista provisória de serventias vagas, publicada no Diário de Justiça Eletrônico de 22 de janeiro de 2010, a qual redundou em um espantoso número de mais de 7.800 cartórios e tabelionatos que teriam tido seu provimento irregular e, portanto, que deveriam, a partir de agora, ser providos por concurso público. Reitere-se que tal postura, em geral absolutamente adequada, homenageia a um dos valores constitucionais em jogo (a exigência de concurso público). 

No entanto, em alguns casos, tais providências culminam por agredir mortalmente as noções acima referidas de segurança jurídica e de proteção da confiança. Isso porque em várias das serventias consideradas vagas, a condição do notário ou registrador que atualmente por ela responde decorre de atos estatais, normalmente praticados sob o manto da presunção de legitimidade, por tribunais de Justiça. Não se diga que tais atos são, atualmente, considerados incompatíveis com  a Constituição Federal, uma vez que, quando foram perpetrados, tais condutas estatais não eram consideradas como viciadas. Ademais, os seus destinatários restaram beneficiados na mais absoluta boa-fé por um largo lapso temporal, na maior parte dos casos aportando significativos investimentos nas suas serventias. Em casos como tais, há argumentos jurídicos, inclusive lastreados pela doutrina brasileira e estrangeira e por uma série de decisões judiciais do STF e STJ, que impõem a manutenção de tais atos administrativos que, a despeito de poderem ter sido originados de modo irregular, devem ser preservados e estabilizados em nome da segurança jurídica e da proteção da confiança. Em cada caso, portanto, deverá emergir um interessante debate para se vislumbrar se a situação exige a priorização da regra constitucional da exigência de concurso público ou a do princípio da segurança jurídica.

 

Fonte: Jornal do Comércio – Opinião