As histórias que a água levou

Documentos de identificação pessoal, registros de imóveis, cartões da previdência e de crédito foram perdidos no mar de lama.

Os milhares de moradores das cidades pernambucanas atingidas pela enxurrada de 18 de junho estão com as vidas paralisadas pela destruição da infra-estrutura dos municípios. Até aqueles que não perderam suas casas sofrem com a falta de bancos, supermercados, fóruns e outros órgãos oficiais. Parte da memória histórica da Mata Sul também foi embora com a enchente. Em Palmares, o cartório onde foram registrados o poeta Ascenso Ferreira e o escritor Hermilo Borba Filho, entre outras personalidades, teve seu acervo destruído. Na última quinta-feira, o JC esteve na região e encontrou arquivos, certidões, procurações e processos misturados ao entulho das ruas. Assim como o esforço para colocar de pé as residências, lojas e prédios públicos, o trabalho de restituição da cidadania dos flagelados ainda está no começo.

Temos muitos documentos históricos que perderam-se. Calculo que apenas 20% dos nossos livros ficaram fora da água. A partir de segunda-feira, vamos tentar recuperar cerca de 40% que ainda têm condições , explicou Pedro Vitório Acioli Lins, dono do cartório do Registro Civil de Palmares.

O fórum da cidade também ficou submerso. Sem estrutura para funcionar, a Justiça de Palmares foi transferida para o Fórum do Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana do Recife.

O prédio da agência da Previdência Social de Palmares ainda tinha um metro de lama na entrada, na semana passada. Equipamentos e mobiliário ficaram imprestáveis. O servente Jair Pereira da Silva tentou salvar algumas máquinas no dia da enxurrada, mas acabou ficando ilhado.

Pensei que não ia encher tanto, mas a água subiu muito ligeiro. Corri para o primeiro andar e terminei quebrando a janela e subindo no telhado. Passei 12 horas na chuva até o helicóptero dos Bombeiros me resgatarem , contou o servente. A cheia acabou com os computadores, servidores e processos arquivados na agência da Previdência Social da cidade.

Não tenho nada, muito menos documentos. Acho que quando conseguir entrar na minha casa ainda posso recuperar a minha identidade e a da minha esposa, mas as certidões dos meninos devem estar destruídas. O pior é que não há mais cartório para tirar outra , lamentou o funcionário público Marcílio Rocha, que teve a casa coberta pela lama do Rio Una.

No que restou do Bradesco de Palmares, os clientes sem documentos e cartões fazem fila para conseguir acessar suas contas. Quem perdeu tudo vem aqui e responde algumas questões, que são conferidas por nós no sistema. Com isso, autorizamos o saque das contas , explicou o gerente Luiz Pascoal.

CORTÊS

Apenas uma pequena parte do município de Cortês foi atingida pela enxurrada. No entanto, a infra-estrutura da cidade ficou bastante comprometida. Hospital, fórum, cartório e a única agência lotérica sucumbiram à enchente.

Na semana passada, técnicos da Secretaria de Desenvolvimento Social e do Instituto Tavares Buril se deslocaram para a cidade e realizaram um mutirão para emitir identidades e registros de nascimento. Quem tinha a primeira via da identidade danificada conseguiu tirar a 2ª via. Nos casos das certidões de nascimento, estamos pegando as solicitações e vamos encaminhar à Corregedoria de Justiça que vai deliberar, tendo em vista que o cartório da cidade foi destruído , detalhou Joaquim Araújo, da Secretaria de Desenvolvimento Social.

Trabalhadores da prefeitura demoliram o que restou do fórum de Cortês na última sexta-feira. Os processos, que haviam sido retirados na véspera da enchente, estão guardados em uma sala na igreja matriz do município.

 

 

Fonte: Jornal do Commercio – PE