Jurisprudência do STJ – Recurso Especial. União Estável. Aplicação do Regime da Separação Obrigatória de Bens

EMENTA

RECURSO ESPECIAL – UNIÃO ESTÁVEL – APLICAÇÃO DO REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS, EM RAZÃO DA SENILIDADE DE UM DOS CONSORTES, CONSTANTE DO ARTIGO 1641, II, DO CÓDIGO CIVIL, À UNIÃO ESTÁVEL – NECESSIDADE – COMPANHEIRO SUPÉRSTITE – PARTICIPAÇÃO NA SUCESSÃO DO COMPANHEIRO FALECIDO QUANTO AOS BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL – OBSERVÂNCIA – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1790, CC – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

I – O artigo 1725 do Código Civil preconiza que, na união estável, o regime de bens vigente é o da comunhão parcial. Contudo, referido preceito legal não encerra um comando absoluto, já que, além de conter inequívoca cláusula restritiva ("no que couber"), permite aos companheiros contratarem, por escrito, de forma diversa; II – A não extensão do regime da separação obrigatória de bens, em razão da senilidade do de cujus, constante do artigo 1641, II, do Código Civil, à união estável equivaleria, em tais situações, ao desestímulo ao casamento, o que, certamente, discrepa da finalidade arraigada no ordenamento jurídico nacional, o qual se propõe a facilitar a convolação da união estável em casamento, e não o contrário; IV – Ressalte–se, contudo, que a aplicação de tal regime deve inequivocamente sofrer a contemporização do Enunciado n. 377/STF, pois os bens adquiridos na constância, no caso, da união estável, devem comunicar–se, independente da prova de que tais bens são provenientes do esforço comum, já que a solidariedade, inerente à vida comum do casal, por si só, é fator contributivo para a aquisição dos frutos na constância de tal convivência; V – Excluída a meação, nos termos postos na presente decisão, a companheira supérstite participará da sucessão do companheiro falecido em relação aos bens adquiridos onerosamente na constância da convivência (período que não se inicia com a declaração judicial que reconhece a união estável, mas, sim, com a efetiva convivência), em concorrência com os outros parentes sucessíveis (inciso III, do artigo 1790, CC). VI – Recurso parcialmente provido. (STJ – REsp nº 1.090.722 – SP – 3ª turma – Rel. Min. Massami Uyeda – DJ 30.08.2010)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, após o voto–vista do Sr. Ministro Vasco Della Giustina, dando parcial provimento ao recurso, a Turma, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar–lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Vencida parcialmente a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília, 02 de março de 2010 (data do julgamento).
Ministro Massami Uyeda – Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):

Cuida–se de recurso especial interposto por F.G.E.H., fundamentado no artigo 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, em que se alega violação dos artigos 1.725 e 1.790, inciso III, do Código Civil.

Os elementos dos autos dão conta de que, nos autos do inventário de M. G. N. E. H., promovido pela companheira do de cujus, M. D. A., ora recorrida, no qual restou nomeada inventariante, o irmão do de cujus, F.G. E. H., ora recorrente, requereu a remoção da inventariante, ao argumento de que aquela sonegou informações quanto à existência de outros herdeiros, quais sejam, o próprio recorrente, bem como os sobrinhos do de cujus, E. E. H. E e M.E. H. (fls. 37/42).

O r. Juízo de Direito da 12ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central de São Paulo/SP determinou que a inventariante regularizasse as primeiras declarações, apontando os bens, os herdeiros e inclusive a data e forma de aquisições, em decisão assim prolatada:

“[…] consoante artigo 1.790, III, do Código Civil, a companheira que concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço dos bens que forem adquiridos onerosamente ao tempo da convivência. Eventuais bens, adquiridos antes da convivência ou de forma distinta daqueles adquiridos onerosamente, a companheira não tem participação. Tudo isso indica que os irmãos e sobrinhos concorrem no recolhimento da herança com a companheira, recolhendo os outros dois terços e eventuais bens que não couberem a companheira. Diante do exposto, regularize a inventariante as primeiras declarações, apontando os bens, os herdeiros e inclusive a data e forma de aquisições” (fls. 26/26v)

Irresignada, M. D. A. interpôs agravo de instrumento, ao qual o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo conferiu parcial provimento (fls. 81/85), em acórdão assim ementado:

“PEDIDO DE REMOÇÃO DE INVENTARIANTE – DECISÃO REGULAMENTANDO A PARTICIPAÇÃO DA COMPANHEIRA NA PARTILHA DOS BENS DO FALECIDO – DIREITO DESTA À MEAÇÃO MAIS UM TERÇO DOS BENS ADQUIRIDOS A TÍTULO ONEROSO NA VIGÊNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL RECONHECIDA – Artigos 1725 e 1790, III, do CC – RECURSO PROVIDO EM PARTE PARA ESSE FIM.” (Transcrição da ementa já alterada por ocasião do parcial acolhimento dos embargos de Declaração – fl. 117)

Busca o recorrente, F.G.E.H., a reforma do r. decisum, sustentando, em síntese, que o artigo 1.725 do Código Civil, a despeito de estabelecer, nos casos de união estável, a aplicação, quanto às relações patrimoniais, do regime de comunhão parcial de bens, é certo que tal dispositivo possui cláusula restritiva. Afirma, outrossim, que, in casu, deve–se aplicar o regime da separação obrigatória de bens, a considerar que o de cujus, quando do início da união estável, já possuía mais de sessenta anos, em atendimento ao que preconiza o artigo 1.641, inciso II, do Código Civil. Por fim, aduz ser impossível a participação da companheira na sucessão dos bens adquiridos onerosamente anteriores ao início da união estável (fls. 123/131).

A recorrida não apresentou contra–razões (fl. 155).

O ilustre representante do Ministério Público Federal ofertou parecer no sentido de negar seguimento ao presente recurso especial.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator): A irresignação merece prosperar, em parte.

Com efeito.

A celeuma instaurada no recurso especial centra–se em saber se, à luz do Código Civil, é ou não possível, para fins de meação, estender a aplicação do regime da separação obrigatória de bens, em razão da senilidade de um dos consortes, constante do artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, à união estável. Discute–se, ainda, a possibilidade da participação da companheira na sucessão dos bens adquiridos onerosamente anteriores ao início da união estável.

A primeira controvérsia, consistente na aplicação do regime da separação obrigatória de bens à união estável, em face da senilidade de um dos companheiros, a considerar sua definição, produz reflexos no reconhecido direito de meação do companheiro.

O instituto da meação, inserido no direito de família e intrinsecamente relacionado ao regime de bens, consiste na divisão, na partilha da metade do patrimônio comum de um casal, em razão da dissolução da sociedade conjugal. O regime de bens, portanto, definirá em que medida comunicar–se–ão os bens do casal, quando da dissolução da sociedade conjugal.

Assinala–se que a viabilidade de se adotar uma interpretação extensiva do regime obrigatório de bens, em razão da senilidade do de cujus, constante do artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, à união estável, demanda uma análise sistêmica da legislação em vigor, não se descurando, essencialmente, do vetor interpretativo maior constante na Constituição Federal.

Nesse ínterim, não é demasiado assentar que o ordenamento jurídico nacional direciona–se na facilitação da conversão da união estável em casamento. Aliás, o artigo 1.726 do Código Civil, de forma a conferir plena eficácia ao § 3º do artigo 226 da Constituição Federal, no qual se reconhece a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, para efeito da proteção do Estado, determinando que a lei facilite sua conversão em casamento, preceitua que tal se dará mediante pedido dos companheiros ao Juiz e assento no Registro Civil.
Explicitado o norte interpretativo, anota–se, também, que o atual Código Civil, alterando a nomenclatura "condomínio", adotada pela Lei n. 9.278/96 que regia a matéria, preconiza que, na união estável, o regime de bens vigente é o da comunhão parcial.

Consigna–se, contudo, que referido preceito legal não encerra um comando absoluto, já que, além de conter inequívoca cláusula restritiva (“no que couber”), permite aos companheiros contratarem, por escrito, de forma diversa. É o que se extrai do artigo 1.725 do Código Civil, in verbis:
Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Em que pese as justificadas críticas da doutrina quanto à legalidade, e mesmo constitucionalidade, do artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, já que o fato de o indivíduo atingir a idade de sessenta anos não consubstanciaria motivo idôneo para impedi–lo de, por via transversa, dispor de seus bens, mormente em se tratando de genuíno direito patrimonial, é certo que tal preceito legal, também sob o motivado argumento de que se trata de norma protetiva (ainda que por presunção legal), de caráter cogente, vige e aplica–se integralmente ao casamento.

Nessa linha de raciocínio, se, para o casamento, que é o modo tradicional, solene, formal e jurídico de constituir uma família (ut EREsp 736.627/PR, Relator Ministro Fernando Gonçalves, – Segunda Seção, DJe 01/07/2008) – portanto, cercado, desde seu início, de segurança jurídica – há a limitação legal, esta consistente na imposição do regime da separação de bens para o indivíduo sexagenário que pretende contrair núpcias, com muito mais razão tal regramento deve ser estendido à união estável, que, a exemplo do casamento, consubstancia–se em forma de constituição de família, legal e constitucionalmente protegida, mas que, inequivocamente, carece das formalidades legais e do imediato reconhecimento da família pela sociedade.

Em última análise, a não–extensão do regime da separação obrigatória de bens, em razão da senilidade do de cujus à união estável equivaleria ao desestímulo ao casamento, o que, certamente, discrepa da finalidade arraigada no ordenamento jurídico nacional, o qual, como visto, propõe–se a facilitar a convolação da união estável em casamento, e não o contrário.

Nesse diapasão, poder–se–ia cogitar a hipótese do indivíduo que, contando com mais de sessenta anos e tendo por propósito, ou sendo levado a tal, a adotar a comunhão parcial de bens como o regime de bens regente de seu relacionamento, certamente deixaria de se casar para se manter em união estável, situação, é certo, não almejada pelas leis postas.

Portanto, tem–se por aplicável à união estável o regime da separação obrigatória de bens, em razão da senilidade do de cujus, constante do artigo 1.641, inciso II, do Código Civil.

Ressalte–se, contudo, que a aplicação de tal regime deve inequivocamente sofrer a contemporização do Enunciado n. 377/STF, pois os bens adquiridos na constância, no caso, da união estável, devem comunicar–se, independente da prova de que tais bens são provenientes do esforço comum, já que a solidariedade, inerente à vida comum do casal, por si só, é fator contributivo para a aquisição dos frutos na constância de tal convivência. Por oportuno, o Enunciado n. 377/STF, in verbis: "No regime de separação legal de bens, comunicam–se os adquiridos na constância do casamento."

Nesse sentido, confira–se o seguinte precedente da c. Terceira Turma desta augusta Corte:

“União estável. Dissolução. Partilha do patrimônio. Regime da separação obrigatória. Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal. Precedentes da Corte.
1. Não há violação do art. 535 do Código de Processo Civil quando o Tribunal local, expressamente, em duas oportunidades, no acórdão da apelação e no dos declaratórios, afirma que o autor não comprovou a existência de bens da mulher a partilhar.

2. As Turmas que compõem a Seção de Direito Privado desta Corte assentaram que para os efeitos da Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal não se exige a prova do esforço comum para partilhar o patrimônio adquirido na constância da união. Na verdade, para a evolução jurisprudencial e legal, já agora com o art. 1.725 do Código Civil de 2002, o que vale é a vida em comum, não sendo significativo avaliar a contribuição financeira, mas, sim, a participação direta e indireta representada pela solidariedade que deve unir o casal, medida pela comunhão da vida, na presença em todos os momentos da convivência, base da família, fonte do êxito pessoal e profissional de seus membros.

3. Não sendo comprovada a existência de bens em nome da mulher, examinada no acórdão, não há como deferir a partilha, coberta a matéria da prova pela Súmula nº 7 da Corte.

4. Recurso especial não conhecido.”

(REsp 736627/PR, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 01/08/2006)
Quanto à segunda controvérsia, consistente na possibilidade ou não da participação da companheira na sucessão dos bens adquiridos onerosamente anteriores ao início da união estável, veja–se que a matéria ora em debate, ao contrário da anterior, refere–se propriamente à participação da companheira supérstite na herança deixada pelo de cujus.

A herança, por sua vez, instituto afeto ao Direito das Sucessões, refere–se ao patrimônio deixado pelo de cujus, com exclusão da meação, o qual será atribuída aos sucessores legítimos ou testamentários.

Delimitada, assim, a abrangência da controvérsia, é certo que o Código Civil conferiu tratamento específico, para fins de sucessão hereditária, ao companheiro sobrevivo, preceituando, em seu artigo 1.790, que este participará da sucessão do de cujus quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável.

Sobre o regramento próprio para a sucessão hereditária conferida pelo Código Civil à união estável, traz–se à colação o seguinte precedente da c. Segunda Seção desta augusta Corte:

“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. UNIÃO ESTÁVEL. EFEITOS SUCESSÓRIOS.

1. Para partilha dos bens adquiridos na constância da união estável (união entre o homem e a mulher como entidade familiar), por ser presumido, há dispensa da prova do esforço comum, diz o acórdão embargado.

2. Os acórdãos apontados como paradigmas, por outro lado, versam essencialmente hipóteses de casamento (modo tradicional, solene, formal e jurídico de constituir família), conduzindo ao não conhecimento dos embargos, dado que as situações versadas são diversas.

3. A união estável não produz, como pacífico entendimento, efeitos sucessórios e nem equipara a companheira à esposa. Com o matrimônio conhece–se quais os legitimados à sucessão dos cônjuges. Na união estável há regras próprias para a sucessão hereditária.

4. Sob diversos e relevantes ângulos, há grandes e destacadas diferenças conceituais e jurídicas, de ordem teórica e de ordem prática, entre o casamento e a união estável.

5. Embargos de divergência não conhecidos.”
(EREsp 736627/PR, Relator Ministro Fernando Gonçalves, Segunda Seção, DJe 01/07/2008)

No caso dos autos, constata–se que, embora o Tribunal de origem tenha bem aplicado o artigo 1.790 do Código Civil, a parte dispositiva do acórdão recorrido, de fato, suscita dúvidas quanto à amplitude em que a companheira, ora recorrida, participará da sucessão do companheiro falecido, razão pela qual convém tecer algumas considerações.

O Tribunal de origem, ao acolher parcialmente os embargos de declaração, assim exarou a parte dispositiva do decisum:

“Após a exclusão de parte devida em virtude da meação, no que concerne à sucessão quanto aos outros bens que a ela não dizem respeito, aplica–se o artigo 1790, III, do Código Civil, de modo que daqueles adquiridos antes de iniciada a união estável – assim entendido o período em que o casal viveu em concubinato, com aplicação do artigo 1844 do Novo Código Civil – será feita a partilha entre a inventariante e os herdeiros colaterais, nos termos do inciso III do citado artigo 1790 do Código Civil” (fl. 117).

Da leitura do dispositivo do acórdão recorrido, vê–se, de plano, que o Tribunal de origem entendeu que, excluída a meação, a companheira supérstite participaria da sucessão do de cujus, em conjunto com os colaterais, em relação aos bens adquiridos pelos companheiros a partir do período em que viveram em concubinato, e não, como quer fazer crer o ora recorrente, em período anterior à união estável, indistintamente. Ressalte–se, contudo, que o termo concubinato utilizado pelo Tribunal a quo, ao que parece, refoge da semântica técnico–jurídica, já que a questão afeta a este instituto sequer é discutida nos autos.

Veja–se, assim, que a Corte estadual utilizou impropriamente a expressão "anteriores a união estável", em evidente contradição ao disposto no aplicado artigo 1.790 do Código Civil, referindo–se a período que possivelmente considere integrante do próprio período de convivência.

Tem–se, por isso, que o acórdão recorrido, no ponto, merece reparo.

Feito tais esclarecimentos, assinala–se que a sentença que reconhece e homologa judicialmente a união estável tem caráter declaratório, e não constitutivo, tendo, portanto, o condão de declarar, reconhecer a constituição da união estável em data pretérita.

Dessa forma, tem–se que, após excluída a meação, nos termos postos na presente decisão, a companheira supérstite participará da sucessão do companheiro falecido em relação aos bens adquiridos onerosamente na constância da convivência (período que não se inicia com a declaração judicial que reconhece a união estável, mas, sim, com a efetiva convivência), em concorrência com os outros parentes sucessíveis (inciso III do artigo 1.790 do Código Civil).

Assim, dá–se parcial provimento ao recurso especial para determinar que a meação dos bens, adquiridos na constância da convivência, observe o regime legal da separação de bens, contemporizada pelo Enunciado n. 377/STF, nos termos assentados na presente decisão, e que a companheira supérstite, ora recorrida, participe da sucessão do companheiro falecido em relação aos bens adquiridos onerosamente na constância da convivência, em concorrência com os outros parentes sucessíveis (inciso III do artigo 1.790 do Código Civil).

É o voto.

VOTO–VISTA

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:

Cuida–se de recurso especial interposto por F. G. E. H., com fundamento no art. 105, III, “a”, da CF, contra acórdão proferido pelo TJ/SP.

Ação: inventário de M. G. N. E. H., promovido por M. D. A., companheira do de cujus, que apresentou as primeiras declarações como se única herdeira fosse. Diante disso, o recorrente, irmão do de cujus, e seus sobrinhos, E. E. H. E. e M. E. H., peticionaram nos autos, alegando a condição de herdeiros e requerendo a remoção da recorrida por sonegação de informações (fls. 37/38).

Decisão interlocutória: o Juiz de 1º grau de jurisdição determinou a regularização das primeiras declarações, com a inclusão do recorrente e de seus sobrinhos no inventário (fls. 26/26vº).

Acórdão: inconformada com tal decisão, a recorrente interpôs agravo de instrumento (fls. 02/14), ao qual foi dado parcial provimento pelo TJ/SP, para definir o alcance da meação da recorrida, assegurando–lhe “metade do que foi acumulado durante o período em que viveram juntos”, bem como para determinar a forma de partilha da herança entre as partes, consignando que “daqueles [bens] adquiridos a título oneroso antes de iniciada a união estável, ou a título gratuito em qualquer época, será feita a partilha entre a inventariante e os herdeiros colaterais, nos termos do inciso III do citado artigo 1790 do Código Civil” (fls. 81/85).

Embargos de declaração: interpostos pelo recorrente (fls. 90/92), foram parcialmente acolhidos pelo TJ/SP, para esclarecer que “daqueles [bens] adquiridos a título oneroso antes de iniciada a união estável – assim entendido o período em que o casal viveu em concubinato, com a aplicação do artigo 1844 do Novo Código Civil – será feita a partilha entre a inventariante e os herdeiros colaterais, nos termos do inciso III do art. 1790 do Código Civil” (fls. 116/118).

Recurso especial: alega violação aos arts. 1.641, II, 1.725 e 1.790, III, do CC/02.

Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/SP negou seguimento ao recurso especial (fls. 157/158), dando azo à interposição de agravo de instrumento, ao qual foi dado provimento pelo i. Min. Relator, para determinar a remessa dos autos ao STJ (fls. 174).

Parecer do MPF: o i. Subprocurador–Geral da República, Dr. Durval Tadeu Guimarães, opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 183/185).

Voto do relator: dá parcial provimento ao recurso especial, para determinar que a meação dos bens, adquiridos na constância da convivência, observe o regime legal da separação de bens, contemporizada pela Súmula 377/STF, bem como para que a companheira supérstite participe da sucessão do de cujus em relação aos bens adquiridos onerosamente na constância da convivência, em concorrência com os outros parentes sucessíveis, nos termos do art. 1.790, III, do CC/02.

Revisados os fatos, decido.

Cinge–se a controvérsia a determinar: (i) a incidência do regime de separação legal na união estável, considerando o fato de um dos companheiros ser sexagenário; e (ii) a forma de participação da companheira na sucessão do companheiro.

I. Do regime de bens (violação aos arts. 1.641, II, e 1.725 do CC/02)
Inicialmente, verifica–se a falta de prequestionamento, ainda que implícito, do art. 1.641, II, do CC/02, a despeito da interposição de embargos de declaração, inviabilizando o conhecimento do recurso especial à luz de tal dispositivo legal. Incide à espécie a Súmula 211/STJ.

Com efeito, da análise do acórdão recorrido, constata–se que a questão atinente ao fato do de cujus contar com mais de 60 anos de idade no momento da concretização da união estável não foi apreciada pelo TJ/SP. Por outro lado, os embargos de declaração interpostos pelo recorrente não suscitam tal ponto, persistindo a omissão do Tribunal Estadual.

Não bastasse isso, como não houve qualquer menção à idade do falecido, sobretudo no momento de constituição da união estável, o acolhimento da tese do recorrente exigiria o revolvimento do substrato fático–probatório dos autos, procedimento vedado pela Súmula 07/STJ.

Por outro lado, ainda que, ad argumentandum, fosse possível superar os óbices sumulares, não há interesse do recorrente para que se aplique à relação mantida pela recorrida com o de cujus o regime de separação legal de bens, nos termos do art. 1.641, II, do CC/02, em detrimento da regra geral de comunhão parcial prevista no art. 1.725 do CC/02.

Isso porque, fosse aplicado à recorrida o regime de separação legal, este seria regulado com fulcro no CC/16, a teor do que dispõe o art. 2.039 do CC/02. Diante disso, como bem ressalvado no voto condutor, tal regime seria temperado pela Súmula 377/STF, com a comunicação dos bens adquiridos onerosamente na constância da sociedade de fato, presumido o esforço comum. Como, na hipótese dos autos, o monte mor é composto apenas de bens imóveis e dinheiro em espécie, do ponto de vista prático, para efeitos patrimoniais, não haverá diferença na meação dos bens com base no regime de comunhão parcial ou de separação legal contemporizado pela Súmula 377/STF.

Sendo assim, não há como conhecer deste item do recurso especial.

II. Da sucessão (violação ao art. 1.790, III, do CC/02)
De acordo com o TJ/SP, “após a exclusão da parte devida em virtude da meação, no que concerne à sucessão quanto aos outros bens que a ela não dizem respeito, aplica–se o art. 1790, III, do Código Civil, de modo que daqueles adquiridos a título oneroso antes de iniciada a união estável – assim entendido o período em que o casal viveu em concubinato, com a aplicação do artigo 1844 do Novo Código Civil – será feita a partilha entre a inventariante e os herdeiros colaterais” (fls. 117).

Alega o recorrente que o art. 1.790 do CC/02 possui “um rol taxativo, delimitando a participação da companheira tão somente nos bens adquiridos de forma onerosa durante a vigência da união estável” (fls. 130).

O caput do mencionado dispositivo legal é claro, estipulando que “a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável” (g. n.). Induvidoso, portanto, que a meação da recorrida recairá apenas sobre os bens onerosamente adquiridos no período em que vigorou a sociedade de fato com o de cujus.

A decisão do TJ/SP, entretanto, suscita dúvida ao consignar que neste lapso temporal estaria compreendido “o período em que o casal viveu em concubinato” (fls. 117).

O acórdão recorrido peca pela imprecisão terminológica.

Não obstante o CC/16 rejeitasse as uniões extramatrimoniais, ainda sob a égide do Código Beviláqua o relacionamento informal entre homens e mulheres tornou–se habitual. Não tendo como ignorar esta nova realidade social, a doutrina e a jurisprudência foram gradativamente conferindo efeitos jurídicos a essa modalidade de união, inicialmente denominada concubinato.

Ante a promulgação da CF/88, o que até então se conhecia por concubinato e que era submetido às regras do Direito Obrigacional, passou a integrar o Direito de Família. Diante da ampliação do conceito de família, o vocábulo concubinato foi substituído pela expressão união estável.

Porém, o termo concubinato permaneceu em uso, agora adjetivado de: (i) puro, para as situações em que não havia impedimento para o matrimônio (equivalendo à união estável); (ii) adulterino, correspondendo a relacionamentos afetivos em que pelo menos uma das partes estaria impedida de contrair núpcias; e (iii) adulterino putativo (de boa–fé), evidenciando a convicção de uma das partes quanto à exclusividade da relação.

Finalmente, com o advento do CC/02, o vocábulo concubinato passou a indicar, nos termos do seu art. 1.727, “as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar”.

Conclui–se, portanto, que ao se referir ao “período em que o casal viveu em concubinato”, o TJ/SP, na verdade, fez uso do vocábulo concubinato no sentido em que ele era empregado antes da CF/88, ou quis dizer concubinato puro, até porque não há nos autos nenhuma alusão à existência de impedimentos para o matrimônio.

Ao que parece, o Tribunal estadual pretendeu destacar o período em que os companheiros viveram em sociedade de fato, mas sem o reconhecimento judicial dessa união estável. Ocorre que a sentença homologatória da união estável não tem natureza constitutiva, mas declaratória, de modo que não há sentido em se estabelecer tal distinção.

Dessa forma, a recorrida terá direito à meação nos exatos termos do art. 1.790 do CC/02, ou seja, na vigência da união estável, assim entendido como o período em que sua convivência com o de cujus caracterizou efetiva sociedade de fato.
Forte em tais razões, peço vênia para, divergindo em parte do voto do i. Min. Relator, DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso especial, mas em menor extensão, tão–somente para determinar que, mantida a exclusão da parte relativa à meação com base no art. 1.725 do CC/02, a companheira supérstite participe da sucessão do de cujus em relação aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, em concorrência com os parentes colaterais do falecido, nos termos do art. 1.790, III, do CC/02.

VOTO–VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI:

1.– Pedi vista para melhor entendimento da questões postas pelo caso, as quais não havia bem apreendido por ocasião da Sessão de Julgamento.

2.– Meu voto, contudo, concorda com o Voto do E. Relator, Min. MASSAMI UYEDA, que segue a orientação desta 3ª Turma, dando provimento em parte ao Recurso Especial.

VOTO–VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS): Acompanho integralmente o culto voto do eminente Relator, ministro MASSAMI UYEDA, com o seguinte acréscimo, oriundo de ementa de acórdão, da lavra do brilhante Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, em processo análogo:

SUCESSÕES. INVENTÁRIO. SUCESSÃO DO COMPANHEIRO. DIFERENÇA DE TRATO LEGISLATIVO ENTRE UNIÃO ESTÁVEL E CASAMENTO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO A PRECEITOS OU PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS.

1. A capacidade sucessória é estabelecida pela lei vigente no momento da abertura da sucessão. Inteligência do art. 1.787 do Código Civil.

2. O art. 226 da Constituição Federal não equiparou a união estável ao casamento civil, apenas admitiu–lhe a dignidade de constituir entidade familiar, para o fim de merecer especial proteção do Estado, mas com a expressa recomendação de que seja facilitada a sua conversão em casamento.

3. Tratando–se de institutos jurídicos distintos, é juridicamente cabível que a união estável tenha disciplina sucessória distinta do casamento e, aliás, é isso o que ocorre, também, com o próprio casamento, considerando–se que as diversas possibilidades de escolha do regime matrimonial de bens também ensejam seqüelas jurídicas distintas.

4. O legislador civil tratou de acatar a liberdade de escolha das pessoas, cada qual podendo escolher o rumo da sua própria vida, isto é, podendo ficar solteira ou constituir família, e, pretendendo constituir uma família, a pessoa pode manter uma união estável ou casar, e, casando ou mantendo união estável, a pessoa pode escolher o regime de bens que melhor lhe aprouver. Mas cada escolha evidentemente gera suas próprias seqüelas jurídicas, produzindo efeitos, também, no plano sucessório, pois pode se submeter à sucessão legal ou optar por fazer uma deixa testamentária.

5. É possível questionar que a regulamentação do direito sucessório no Código Civil vigente talvez não seja a melhor, ou que a regulamentação posta na Lei nº 9.278/96 talvez fosse a mais adequada, mas são discussões relevantes apenas no plano acadêmico ou doutrinário, pois existe uma lei regulando a matéria, e essa lei não padece de qualquer vício, tendo sido submetida a regular processo legislativo, sendo devidamente aprovada, e, como existe lei regulando a questão, ela deve ser cumprida, já que se vive num Estado democrático de direito. Recurso provido, por maioria, vencido o Relator.

(Agravo de Instrumento nº 70024063547, 7ª. C.C., j. 27.08.2008)
É como voto.

 

Fonte: STJ