Casais homossexuais são equiparados a héteros em seus direitos civis

Regiane de Oliveira

Polêmica agora envolve o último obstáculo para o total reconhecimento das relações homoafetivas, o casamento

Um levantamento do movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) mostrava que pelo menos 112 direitos das população homossexual não eram atendidos no país.

"Com a legitimação da união civil homoafetiva, acredito que 111 direitos passam a ser aceitos, menos um, o casamento", afirma Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família e presidente da Comissão de Diversidade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB Nacional). "É mesmo este é uma questão de interpretação. A Constituição Federal assegura a conversão da união estável em casamento e isto vale também para a união homoafetiva", avalia a advogada.

De acordo com Maria Berenice, a OAB começa a elaborar um estatuto de diversidade sexual, a exemplo do Estatuto de Igualdade Racial, lançado em 2010, cujo objetivo era "garantir à população negra a efetivação de igualdade de oportunidade, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica". A ideia é apresentar o documento na 2ª Conferência Nacional LGBT, em novembro.

A OAB tem como base os artigos 226 da Constituição e 1.726 do Código Civil, que preveem a conversão da união civil entre homens e mulheres em casamento.

DISCUSSÃO

O tema é polêmico, está longe de ter uma resolução rápida, mas faz parte de um movimento grande de mudança no direito da família. "Vivemos hoje a terceira onda do direito da família", afirma Eduardo Tomasevicius, professor de direito econômico da Faculdade São Francisco, da Universidade de São Paulo. "A união homoafetiva tem um impacto simbólico de transformação já que era um tema pacífico nos tribunais e órgãos do governo", afirma.

Em vários segmentos da economia, a efetivação da união estável homoafetiva é um marco para legitimar direitos e benefícios, antes concedidos por iniciativa individual de algumas empresas que, por exemplo, aceitavam a inclusão de parceiros homossexuais nos planos de saúde. A decisão do STF legitima, entre outras, o ingresso do parceiro homossexual na linha sucessória para pagamento do seguro de vida. A ampla divulgação do fato também pode levar outros casais a se beneficiarem da declaração conjunta do Imposto de Renda (IR) ou solicitar pensão ao INSS, direitos já existentes mas pouco usufruídos por desconhecimento ou preconceito.

Maria Berenice afirma que há um impacto econômico claro na decisão do STF: o fim do que ela chama de enriquecimento sem causa do governo federal na questão da previdência. "As pessoas contribuem igualmente, mas antes, um heterossexual tinha direito de passar sua previdência para um conjugue e o homossexual não. Neste caso, ele deveria ter pago metade." De acordo com Tomasevicius, é muito difícil calcular o impacto de uma lei nas contas públicas. "A constituição de 88 causou uma explosão no número de processos. Isto porque antes, a sociedade era menor e a população não tinha tantos direitos", diz. "Talvez o custo mais claro seja o da lentidão judicial em atender as novas demandas. O resto é achismo", ressalta. O professor defende que a existência de legislações são importantes para dar previsibilidade aos administradores públicos sobre a destinação de recursos. "Mas culpar direitos sociais pelo impacto econômico é cruel, especialmente no Brasil."

AMPLIAÇÃO DE DIREITOS

De acordo com Tomasevicius, a tendência é que a partir da união estável homoafetiva aconteça a ampliação dos direitos da população homossexual. Isto porque, a decisão do STF traz à tona o princípio de igualdade, previsto no art. 5º da Constituição: "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". Para ele, no entanto, o casamento, que poderia se configurar em uma quarta onda de mudança no direito da família, ainda está distante.

"Eu não acredito que será possível o casamento porque trata-se de uma instituição social, religiosa. A sociedade não está preparada e talvez nem deseje isso." Muitos discordam dessa posição e já pedem mudanças. A advogada Sylvia Mendonça do Amaral entrou com pedido de conversão de união estável para casamento de um casal de clientes. "Fizemos como experimento, para provocar a discussão’, afirma. Silvia diz o tabelião acatou o pedido de conversão e encaminhou para o Ministério Público, como um procedimento normal de conversão. "Vários casais estão pedindo, mas sabemos que não é um processo simples, e que merece discussão." O advogado Ricardo Zamariola diz que não está surpreso com os movimentos em prol da conversão. "Muitos autores falam que a finalidade última da união estável é a conversão em casamento. Então, por que não?" A partir da decisão do STF, "qualquer interpretação da lei que exclua direitos dos casais do mesmo sexo é inconstitucional", acrescenta Zamariola, mesmo sem a publicação do acordão. Sylvia, no entanto, afirma que não é correto dizer o Brasil é um país que permite a união estável. "É o judiciário que permite", diz. Por isso, a importância do tema ser legislado pelo Congresso.

 

Fonte: Jornal Brasil Econômico

Leia mais:

Pedido para conversão em casamento preocupa cartórios