Clipping – Artigo – Cartórios na berlinda – Jornal Estado de Minas

– Marcelo Guimarães Rodrigues/Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais  

As situações mais importantes da vida se fazem diante de um tabelião ou de um registrador. O cartório pode ser sido palco por excelência para o grande teatro da vida civil. É uma necessidade social. Pode-se afirmar que a atividade tem natureza jurídica peculiar, pois se intrinsecamente é de ordem pública – e tanto o é que, por conveniência política, o Estado a delega à pessoa natural qualificada -, sua gestão se faz em caráter privado. O ingresso na atividade é feita por meio de concurso público de provas escritas, orais e de títulos. Depois da aprovação e nomeação, o titular do serviço se torna profissional do direito dotado de fé pública, com independência no exercício de suas funções.

A cobrança é fixada pela Lei de Emolumentos (estadual). Os usuários são os que o remuneram. A fiscalização é exercida pelo Poder Judiciário (tribunais de Justiça dos estados e do Distrito Federal), e pelo Conselho Nacional de Justiça (Constituição da República, art. 236 e seus parágrafos e art. 103-B, parágrafo 4º, III). A exigência do concurso público surgiu no Império – e Decreto 3.322, de 1887 -, mas, por uma dessas ironias que permeiam nossa peculiar história, foi justamente na República que a mais democrática modalidade de ingresso em atividade de natureza pública foi deixada de lado e somente restabelecida no ordenamento jurídico em vigor (Lei 8.935, de 1994).

Salvo exceções, os cartórios passavam de pai para filho. Ao se exigir o concurso, foi estipulado o prazo máximo de até seis meses da data da vacância (Constituição, parágrafo 3º art. 236). Algo inédito. Mas, como no Brasil o incomum não é tão incomum assim, raramente tais prazos vêm sendo observados. A não realização dos concursos, ao menos na periodicidade exigida, se deve a diversos fatores, uns mais, outros menos justificáveis. Apenas o estado da Bahia ainda tem serviços notariais e de registros que não foram delegados a particulares: permanecem sob a gestão do estado (cerca de 957 estatizados e apenas 26 privados). A estatização dos cartórios extrajudiciais na Bahia começou na década de 1960, no governo de Antônio Carlos Magalhães. O estado mantém os cartórios estatizados até hoje.

Segundo a Associação Nacional de Defesa dos Concursos para Cartórios, um dos problemas que a estatização dos cartórios da Bahia traz é a má qualidade do serviço prestado. Uma certidão de nascimento na Bahia demora até 100 dias para ser fornecida. Ao decidir pela privatização, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apenas fez valer o que já consta da Constituição. Todos os tribunais de Justiça do país devem suprir as vagas em no máximo seis meses, segundo os padrões fixados (Resolução CNJ 81, de 9/6/2009). A nota conclui o que é da percepção do senso comum: o serviço estatizado é mais caro, menos eficiente e pouco transparente. Ao delegar o serviço para particulares, o poder público passa para os titulares dos cartórios, entre outros importantes aspectos, a incumbência de contratar e pagar os funcionários. Em seu artigo 1º, a Lei 8.935, de 1994, refere que tal atividade é balizada pela organização técnica e administrativa. Conceito extraído da ciência econômica, a partir dos Princípios do Método, da Técnica e da Definição de Tarefas. Fundamentos, que, por sua vez, foram sumulados no texto constitucional sob a denominação de Princípio da Eficiência (Constituição da República, art. 37). Eficiência e adequação permanentes são exigências expressas para gerar aptidão na produção de resultados satisfatórios (efetividade) e para consecução dos objetivos visados (eficácia).

Muito se diz sobre uma suposta ineficiência dos cartórios, mesmo entre aqueles privatizados. Em boa parte, por falta de visão mais abrangente do próprio sistema. Proposta de lei que tramita na Câmara dos Deputados altera o artigo 188 da Lei 6.015/1973, reduzindo à metade o prazo para o cartório registrar o título. A intenção é agilizar aquisição imobiliária por meio do Sistema Federal da Habitação (SFH). Todavia, importa indagar quem demora mais no processo de aquisição imobiliária: os cartórios ou os bancos? A compra da tão sonhada casa própria não depende somente dos prazos de registro do imóvel para ser concretizada. É amplamente divulgado pela imprensa e consumidores que os bancos demoram mais de 30 dias para liberar o financiamento. Em geral, independentemente do prazo legal, os cartórios levam em torno de 15 dias para registrar o imóvel, seja a aquisição financiada ou não. O problema não está no prazo de registro. Para agilizar os procedimentos, aguarda-se a implantação do denominado registro eletrônico. E são os próprios registradores que, para tal fim, pedem publicamente a instalação de um comitê gestor. A eficiência e a adequação devem nortear inclusive o que toca a renda auferida pelos titulares de tais serviços.

O titular tem o direito de ficar com o lucro do cartório: fonte do CNJ indica que perto de 70% dos cartórios brasileiros auferem renda bruta – o que não deve ser confundido com lucro – de até R$ 10 mil mensais, renda compatível com a realidade brasileira. Do outro lado da mesma moeda – este, por sinal, divulgado com maior "entusiasmo" pela mídia -, ainda segundo o CNJ, há casos de titulares desses serviços que recebem mais de R$ 5 milhões por mês. No intuito de afastar paradigmas negativos, é preciso buscar uma modulação igualmente neste aspecto, de forma a propiciar justa remuneração à atividade, mas sem desequilíbrios tão gritantes. A busca pela eficiência e adequação desses serviços pressupõe que sejam geridos em caráter privado, os concursos de ingresso e remoção sejam realizados em perfeita sintonia com o comando constitucional e que a atividade por eles prestada garantam eficácia e segurança jurídica.

 

Fonte: Jornal Estado de Minas