Em 22 de fevereiro de 2011, o Senado aprovou com emendas o Projeto de Lei da Câmara nº26 de 2008, o qual acrescenta parágrafo ao artigo 80 da Lei 6.015/73, determinando, pela nova redação, que: “O oficial de registro civil comunicará o óbito à secretaria de segurança pública da unidade da Federação que tenha emitido o documento de identidade, salvo se, em razão da causa da morte, essa informação for manifestamente desnecessária.”
Aguardando deliberação pela Câmara de Deputados como PL 6785/2006, tal projeto em quase nada altera a realidade dos Registradores paulistas, que desde 2001, por força da Lei Estadual 10.866, “após emissão de certidões e registros de óbitos, fica obrigado a comunicar ao Instituto de Identificação ‘Ricardo Gumbleton Daunt’ – IIRGD – postos do Interior ou sede na Capital – o nome e o Registro Geral – RG de falecidos”.
A principal alteração trazida pelo projeto reside no fato de que as comunicações também serão feitas às secretarias de segurança de outras unidades da Federação, conforme a origem dos documentos de identificação.
Outra importante diferença é que a constitucionalidade da Lei Estadual 10.866/2001 está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3157, pelo fundamento de que a competência legislativa para assuntos de registro públicos seria privativa da União, vicio do qual não padeceria a lei resultante do PL 6785/2006.
Projetos com este teor reconhecem a importância do registro civil das pessoas naturais em sua dimensão social, a qual se revela na relevante função de ser fonte de informações para elaboração de políticas públicas nas áreas de saúde, economia, segurança pública e educação, para o desenvolvimento de programas sociais e para melhor gestão dos recursos públicos.
Segundo Walter Ceneviva: “O Estado tem no registro civil a fonte principal de referência estatística: comete crime o oficial que não remeter, trimestralmente, à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, os mapas de nascimentos, casamentos e óbitos. É uma base para que os governos decidam suas medidas administrativas e de política jurídica” (Ceneviva, 2003).
As informações do registro civil, além de não gerarem qualquer ônus ao poder público para sua obtenção, têm função estratégica, pois dizem respeito aos principais atos da vida civil das pessoas naturais, possibilitando a elaboração e a atualização das estatísticas vitais da população, inclusive: “a quantidade de nascimentos, a taxa de fecundidade, a média etária das gestantes, a quantidade de consultas no pré-natal, o crescimento populacional de cada região, a quantidade de óbitos, o índice de mortalidade infantil, a expectativa de vida, o acompanhamento das epidemias e das causas de mortes, as taxas de homicídios, suicídios e acidentes, enfim, tudo o que é relacionado à vida e à morte da população” (Santos, 2009).
Recorde-se que além da informação de óbitos para o Instituto de Identificação, os registradores cumprem outras tantas de grande relevância, citando-se:
-Nascimentos, casamentos e óbitos ocorridos são comunicados ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para elaboração de estatísticas de auxílio às políticas públicas e programas sociais (Lei Federal nº 6.015/1973);
-No Estado de São Paulo, informações são enviadas à Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE) e “quando transformadas em estatísticas vitais, cumprem papel essencial e insubstituível para todas as esferas de planejamento nacional, estadual e municipal”;
-Óbitos registrados são comunicados ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) até o dia 10 do mês subseqüente, evitando-se que a previdência tenha gastos indevidos com benefícios de falecidos (Artigo 68 da Lei Federal nº 8.212/1991);
-Comunicam-se os óbitos dos cidadãos alistáveis à Justiça Eleitoral para cancelamento da inscrição do eleitor, zelando-se pela democracia(Código Eleitoral, artigo 71, §3º). Esta comunicação teve sua relevância reforçada em recente despacho proferido nos autos do Pedido de Providências nº 0007187-40.2010.2.00.0000 pelo Excelentíssimo Juiz Auxiliar Ricardo Cunha Chimneti, procediumento;
-Dos estrangeiros são comunicados os casamentos e os óbitos ao Ministério da Justiça, para atualização dos registros no órgão, auxiliando na elaboração de políticas de segurança e na defesa da soberania do país (Artigo 46 da Lei Federal nº 6.815/1980);
-Os óbitos dos cidadãos do sexo masculino entre 17 e 45 anos de idade são comunicados ao Ministério da Defesa a fim de se atualizar o cadastro de reservistas das forças armadas (Decreto Lei 9.500/1946);
-Comunicam-se à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) os nascimentos de indígenas, para que seja realizado o registro administrativo, contribuindo-se para a proteção dos povos nativos e suas culturas; e
-No Estado de São Paul, são comunicados os óbitos à Secretaria Estadual da Fazenda, para que não haja evasão quanto ao recolhimento do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” Lei do Estado de São Paulo nº 10.705/2000.
Assim como tais informações, muitas outras podem ser realizadas pelos registradores civis das pessoas naturais, com intuito, por exemplo, de contribuir com programas sociais, como o “Programa Bolsa Família”(Lei 10.836/2004) e com o desenvolvimento educacional e da saúde.
Claramente, estas comunicações poderiam ser facilitadas utilizando-se de sistema unificado, o qual mediante informação única poderia oferecer acesso em diferentes níveis a diversos órgãos interessados de acordo com sua necessidade e legitimidade.
Este é o objetivo do Sistema Nacional de Informações do Registro Civil- SIRC, cujo projeto vem sendo conduzido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, com participação dos Ministérios da Justiça, Saúde, Previdência Social e Planejamento, do INSS, DATAPREV e IBGE, e com parceria da ARPEN e da ANOREG.
Todavia, deve ser clara a natureza do SIRC, tanto para os gestores, quanto para os usuários, ficando explícitos seus efeitos. O SIRC é administrativo, trata-se de cadastro/arquivo administrativo, e não se confunde com registro jurídico, tendo efeitos, valores e destinações diferentes: “o registro, à dação de segurança jurídica; o arquivo administrativo, a coletar dados para administração pública”(DIP, 2010).
Assim, as informações dele constantes devem ser escolhidas e estruturadas de tal forma que o usuário não seja levado a crer em efeitos jurídicos de que o arquivo não dispõe, evitando-se a aparência falsa de finalidades, pois “o escambo fático desses fins deprime a confiança social, atribuindo-se às noticias cadastrais efeitos assecuratórios de que, por natureza, eles são carecedores” (DIP, 2010).
Ademais, esta confusão entre cadastros administrativos e registros jurídicos quebra com o Estado de democrático, sendo característica de Estados totais: “confundir cadastro e registro, (…) não faltaram, ao longo do tempo, proclamas de tornar os registros partes de uma corporação oficial, recuperando-se adivinhavelmente sem consciência alguma deste cariz, uma das notas características do Estado corporativo italiano, isto é, do Estado fascista;” (DIP, 2010).
O usuário do sistema não tem de saber que para produção de efeitos jurídicos deverá procurar a certidão do registro, que é emitida com a fé pública do registrador e goza de segurança jurídica.
Portanto, não é desejável, tampouco recomendável que sejam elementos do SIRC as informações advindas das averbações e das anotações, as quais atribuiriam ao sistema aparência de ser atualizado e revestido de Segurança Jurídica.
Bastam ao SIRC as informações necessárias às políticas públicas e ao alimento da administração pública, deixando ao usuário a certeza de que demais informações que têm efeito jurídico somente poderão ser obtidas por meio de certidões emitidas com base na fé pública do registrador.
Da mesma maneira, não poderá conter informações atinentes à intimidade e à vida privada das pessoas sob pena de atentar contra o artigo 5º, X, da Constituição Federal.
Tais informações são protegidas por sigilo, o que deve ser observado pelo registrador, e somente podem ser informadas mediante autorização judicial, sendo certo que algumas delas sequer são franqueadas diretamente ao próprio interessado. Assim, não há como se aceitar que sejam livremente informadas a órgãos públicos ou até ao poder judiciário exercendo atribuição administrativa, necessitando de autorização individualizada e fundamentada emanada poder judicante.
Em outras palavras estas informações protegidas por sigilo jamais poderiam ser fornecidas a um cadastro administrativo como o SIRC, lembrando-se que certos sigilos são destinados inclusive a garantir a liberdade do indivíduo em face do Estado, novamente recaindo no risco que um cadastro com aspectos de registro pode oferecer.
Diante do exposto, pode-se dizer que, tomadas as devidas cautelas assecuratórias da democracia, da segurança jurídica e dos direitos individuais, as informações do registro civil podem e devem servir como base de dados para o desenvolvimento do país, tornando possível planejar-se adequadamente as políticas de ensino, como o número de vagas em escolas; os serviços de saúde, como o número de leitos e o combate à mortalidade infantil; as políticas de nutrição e de segurança alimentar; os programas habitacionais; os programas sociais, as políticas de segurança pública, entre outros.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Camargo Neto, Mario de Carvalho. O Registro Civil das Pessoas Naturais e os Direitos da Criança e do Adolescente. In: Estatuto da Criança e do Adolescente – 20 anos. Coordenadoras: Aline da Silva Freitas, Ana Cláudia Pompeu Torezan Andreucci, Andrea Boari Caraciola. São Paulo, LTr: 2010, p.330.
CENEVIVA, Walter. Lei dos Notários e Registradores Comentada. São Paulo: Saraiva, 2008.
DIP, Ricardo. Direito Administrativo Registral.São Paulo: Saraiva, 2010.
OLIVEIRA, Marcelo Salaroli. Publicidade registral imobiliária. São Paulo: Saraiva, 2010.
SANTOS, Reinaldo Velloso dos. Registro Civil das Pessoas Naturais. São Paulo, Safe: 2006.
Mario de Carvalho Camargo Neto: Diretor de Assuntos Legislativos da ARPEN-SP; Vice-Presidente de Registro Civil das Pessoas Naturais da ANOREG-BR. Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais da Sede da Comarca de Capivari, Estado de São Paulo. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2008). Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) (2005).
Fonte: Anoreg-BR