Pessoas batizadas com nomes incomuns acabam se acostumando às brincadeiras

Mas muitos ainda preferem recorrer à Justiça para mudar os documentos e evitar situações embaraçosas

“Qual é o seu nome?” A pergunta é banal para a maioria das pessoas, mas para algumas pode ser bastante embaraçosa ou o início de uma maratona de explicações. Às vezes, é preciso até mesmo soletrá-lo. Trata-se daqueles indivíduos batizados com nomes incomuns, seja de origem estrangeira, indígena ou fruto da criatividade privilegiada dos pais. Para piorar, a resposta pode ser seguida de risos e piadinhas por parte do interlocutor. “Já me acostumei com as brincadeiras. Mesmo sendo um nome fácil de entender, as pessoas sempre acham que ouviram mal”, conta Mailde Carvalho, 20 anos. “Toda vez que conheço alguém novo é a mesma coisa: tenho de ouvir a piadinha e explicar por que tenho esse nome, principalmente se eu estiver com minha irmã, Matilde.”

A origem do peculiar nome? A avó da estudante se chamava Matilde, e o pai dela queria fazer uma homenagem à mãe. A primeira filha nasceu, e assim foi chamada. Um ano depois, a dúvida era a respeito do nome da segunda filha. “Aí, alguém deu a ideia: era só dar o mesmo nome, mas tirar uma letra, o t: Mailde!”, conta a jovem. A sugestão foi acatada pelo pai.

Com uma diferença tão pequena, não é difícil as duas serem confundidas, apesar de não se parecerem fisicamente. “Uma vez, quando minha mãe fez nossos cadastros para uma campanha de vacinação, o pessoal do hospital acabou descartando uma das fichas, achando que o cadastro estava duplicado.” Em outra ocasião, ela foi barrada na porta de uma festa porque o segurança achou que ela estava tentando entrar com uma identidade falsa. “Como minha irmã já tinha entrado, ele achou que eu estava usando uma cópia da identidade dela. Não percebeu que era um nome diferente.” A confusão só aumenta por causa do apelido da estudante, que subtraiu mais uma letra do seu nome. “Tem gente que nem sabe o meu nome de verdade, porque todo mundo me chama mesmo é de Milde.”

O publicitário Lupércio Leão, 23 anos, também costuma passar por situações inusitadas graças ao nome. “Algumas são agradáveis, outras, desagradáveis, mas a gente aprende a conviver”, conta. Para ele, que leva na esportiva as brincadeiras dos amigos, dá até para tirar algumas vantagens. “As pessoas não se esquecem de você. Mesmo quando não lembram o nome, sabem que é algo diferente.” A exclusividade também agrada Lupércio, cujo nome significa “aquele que afasta os lobos”. “É uma forma de identidade. Não mudaria de nome, porque é uma maneira de eu me sentir um pouco único. Sei que existem outros por aí, mas nunca conheci um xará”, diz.

Para ele, a origem do estranhamento é devido ao nome Lupércio ter sido mais comum há alguns anos e, por isso, as pessoas pensam se tratar de alguém mais velho. “Se alguém escuta o meu nome antes de me conhecer, quando me vê, leva um susto. Acho que elas esperam um vovô de suspensório e bengala.” Outra dificuldade enfrentada por Lupércio, ou Lup, como é chamado pelos amigos, surge quando sai para se divertir. “Ganho um nome diferente em todo restaurante, bar ou lanchonete em que eu tenha que dizer como me chamo. Isso já é motivo de piada para mim e para os meus amigos. Está sempre escrito errado nas fichas.” Além disso, ele tem que estar sempre soletrando e explicando o nome, mesmo quando a ocasião não é importante.

Cuidado
Para a professora de pedagogia da Universidade de Brasília (UnB) Stela Maris Bortoni, o assunto merece atenção, principalmente por parte dos pais. Segundo ela, é importante que a pessoa tenha um nome com o qual se sinta confortável. “Se for constrangedor, vai causar problemas para o indivíduo para o resto da vida. É uma marca”, analisa. De acordo com Stela, alguns nomes são comuns entre pessoas de determinada faixa etária por causa de alguns modismos da época em que nasceram. “A idade é sempre levada em consideração. Às vezes, o nome fica popularizado em uma época por causa de uma novela, filme ou de um artista famoso.”

De acordo com a Lei Federal nº 6.015/73, os oficiais de registro civil têm o direito de não fazer o registro de uma criança se considerarem que o nome indicado pelos pais pode trazer algum constrangimento ao indivíduo. Recentemente, oficiais de um hospital de Curitiba apoiaram-se nessa determinação para se recusar a fazer o registro de uma menina a quem o pai queria chamar Hyzaboh. O registro foi negado em três cartórios.

Para o presidente da Associação de Notário e Registradores do Brasil (Anoreg), Rogério Bacellar, a lei visa unicamente a proteger a criança de futuros constrangimentos. “Além de não fazer o registro, o oficial deve explicar para a pessoa que o nome vai ridicularizar a criança, que vai ser alvo de deboche na escola, por exemplo.” A decisão é baseada puramente no bom senso do oficial, mas como é uma escolha subjetiva, a lei dá aos pais o direito de recorrer ao juiz competente, quando não se conformarem com a recusa.

“O objetivo da lei é colocar em primeiro lugar o direito da criança de não ser exposta ao ridículo, que deve vir antes do direito dos pais de colocar o nome que desejam nos filhos”, afirma Bacellar. O presidente da Anoreg completa ainda que a lei não se restringe ao primeiro nome. Sobrenomes que possam trazer algum transtorno também entram, como aqueles de origem japonesa que são palavrões no Brasil. Cacófatos e junções que tenham outra conotação também devem ser observados. Para a pedagoga Stela Maris, a decisão cabe aos pais, mas a interferência do Estado é benéfica. “A lei não é taxativa, é um alerta, para a proteção.”

Substituição
Se o nome constrangedor for registrado, a pessoa tem a opção de mudar. Ao completar 18 anos, o indivíduo tem o prazo de um ano para, pessoalmente ou por procurador, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família. Passado esse tempo, ele terá de entrar com uma ação judicial, como fez Emerson Fraga há um ano. O estudante de 20 anos enfrentava tantos problemas com o antigo nome, Wemerson, que resolveu remover a primeira letra. A pequena mudança fez uma grande diferença, mas também deu muito trabalho. “Como perdi o prazo do primeiro ano da maioridade, tive que entrar com um processo, gastar com advogado e enfrentar a burocracia”, lembra. Apresentando uma justificativa ao juiz, ele conseguiu alterar o registro. A decisão saiu em maio deste ano, embora o estudante ainda aguarde a nova certidão de nascimento, que lhe permitirá fazer novos documentos.

Emerson decidiu trocar o nome por causa da confusão que causava em sua vida pessoal e profissional. “De tanto que erravam, comecei a pegar birra. Sempre colecionei certificados de cursos e oficinas, cada um com um nome diferente. Assim, parece até que não é a mesma pessoa. Até meu orientador da faculdade se confundia”, conta. O primeiro estágio de Emerson, que estuda comunicação, foi em uma rádio. Por orientação do chefe, ele decidiu suprimir o w na hora de falar o nome no ar. “Atrapalha a locução, parece que estou enrolando a língua, falando dois nomes”, justifica.

Com a mudança, o nome que já funcionava na prática virou oficial. Mesmo que ainda não tenha os documentos, Emerson fez a alteração nas redes sociais, gerando discussões entre os amigos. “Foi recorde o número de comentários no Facebook.” Os pais dele acabaram não se incomodando com a mudança. “Eles até brincaram que estavam chateados porque eu estava trocando o nome que eles me deram, mas não ficaram magoados de verdade. Para mim, o que não faz sentido é que a pessoa tenha a vida atrapalhada pelo próprio nome.”

 

Fonte: Jornal Correio Braziliense