Desembargador Tutmés Airan encabeça comissão que tem a missão que formatar o concurso público das serventias.
Está com os dias contados uma verdadeira prática de capitania hereditária. É que o Tribunal de Justiça de Alagoas promete realizar concurso público para ocupação de aproximadamente 170 serventias juridicionais, ou melhor, os bons e velhos cartórios. Tão lucrativos e até então intocados pelo Judiciário.
O presidente da Comissão responsável pela promoção do certame, o desembargador Tutmés Airan, recebeu o editor de Política da Tribuna Independente, Cadu Epifânio, em sua residência para explicar as dificuldades, os interesses envolvidos e a previsão de quando esse concurso pode sair de fato.
Tribuna Independente – Como funciona o sistema de escolha dos proprietários de cartórios e como se deu a intenção de acabar com essas verdadeiras feitorias modernas?
Tutmés Airan – Quase todos os cartórios estão ocupados. Com tabeliães, escrivães trabalhando. Eles foram nomeados sem o devido concurso público. Mas que ganharam estabilidade, em razão, sobretudo, da regra de transição estabelecida no ato das discussões constitucionais transitórias. O que aconteceu, então? Quando se criou o Conselho Nacional de Justiça [CNJ, criado em 2005], dentre outras tantas providências tomadas para que o Poder Judiciário tomasse um rumo republicano. Imaginou-se resolver o problema dos cartórios transformando-os em uma repartição pública, que como tal se teria acesso por meio de concurso público. Isso implica numa ruptura enorme com o modelo anterior que era praticado, onde havia sinais de capitania hereditária. Há de convir que toda ruptura por este caminho, pelos privilégios acumulados, é uma ruptura difícil de realizar.
T.I. – Por que?
Tutmés Airan – Por envolver situações, que em alguns casos é extremamente vantajosa [financeiramente falando]. É natural, quem está nessa situação não quer sair. Evidente que isso dá trabalho. Isso enfrenta resistência. Vamos trabalhar para que isso saia no primeiro semestre deste ano. A ideia é que os cargos de tabelião sejam como qualquer outro cargo ocupado por concurso público honesto e transparente. Terá acesso a ele quem tiver maior aproveitamento neste certame.
T.I. – E a pressão para que este concurso não saia, ela persiste ou diminuiu?
Tutmés Airan – Há uma certa consciência hoje por parte de todas as pessoas de que o concurso é inevitável, por maior que seja a resistência, por mais que exista o desgosto, o concurso mais vai sair. São ‘favas contadas’. O que existia uma relativa incerteza de quais serventias [cartórios] que estavam desocupadas. Em razão, de uma intervenção do CNJ, essa divergência foi superada, pois as vagas que serão ofertadas no concurso são as vagas que estão em vacância em poder do CNJ. Todas as serventias que o CNJ considerou vagas, e que não tiveram a vacância revertida por decisão do Supremo Tribunal Federal serão objeto de concurso público. Os tabeliães mais antigos não serão atingidos pelo concurso. Os cartórios continuarão com eles. Mas uma vez, aposentados, o cartório será submetido a concurso.
T.I. – Quantas serventias devem ser ofertadas para o concurso.
Tutmés Airan – Estão em vias de disputa aproximadamente 170 cartórios. Logicamente que ainda existem um ou outro questionamento. Estão aptos hoje para o concurso 170.
T.I. – É mais uma questão intocável dentro do Judiciário. Que o Tribunal de Justiça de Alagoas está tentando acabar. Como funciona isso para o sr.?
Tutmés Airan – Na verdade era intocável, sem dúvida. Eu me sinto muito bem em participar deste momento de ruptura republicana de um modelo onde as pessoas se apropriaram da máquina pública. Uma marca muito presente na história política brasileira, que é a marca do patrimonialismo. Que na verdade se esgotou. E se esgotou em boa hora. Não significa que não haja caça as bruxas, há apenas uma adequação dos cartórios ao modelo constitucional. Evidentemente, isso provoca contrariedades, mas é absolutamente inevitável. A comissão está constituída e no dia 3 de fevereiro faremos uma reunião. Estamos com a resolução definida, nós faremos o edital e sendo ele aprovado, vamos escolher a empresa que vai formatar e aplicar o concurso. O Tribunal tem trabalhado com a UNB, a Cespe. Neste caso, deve ser a Cespe. Tenho impressão que esses detalhes não devem adiar muito esse concurso.
T.I. – Existe algum modo do concurso não acontecer?
Tutmés Airan – Ele só não acontece por meio de uma ordem judicial que impeça sua realização. Fora isso, é inevitável.
T.I. – Qual o peso do CNJ na promoção deste certame?
Tutmés Airan – A cobrança do CNJ fortaleceu e muito a pretensão do Tribunal de realizar o concurso. Já havia uma predisposição. A decisão do CNJ foi um empurrão.
T.I. – Seu posicionamento a respeito do CNJ?
Tutmés Airan – Creio que o CNJ está para a história do Brasil, como Cristo está para a história da humanidade. É um divisor de águas. O Poder Judiciário era um poder, hoje é outro. Ele é um poder que seus membros têm prerrogativas muito fortes, entre elas a prerrogativa da vitaliciedade e que tinha até o advento do CNJ um único controle, que era o controle de suas corregedorias internas. Por mais bem intencionado que seja o corregedor o controle feito pelas corregedorias internas é absolutamente tímido e insuficiente.
T.I. – motivo…
Tutmés Airan – Por uma questão humana. É difícil você julgar seu par, aqueles que você convive diariamente. É dificílimo julgar aqueles que você desenvolveu laços de amizade. Foi vendo essa dificuldade que surgiu o CNJ para delimitar algum controle em um poder que até então se julgava, na prática, acima de todo e qualquer controle. O CNJ foi uma invenção republicana, em um poder antes do CNJ era monárquico e após o CNJ, ele se tornou. republicano. É um processo.
T.I. – E o esvaziamento dos poderes do CNJ, como se deu isso?
Tutmés Airan – A resistência que se faz hoje ao CNJ é um resistência ainda da monarquia. Conter as transformações e por mais que se resista, tenho a impressão que estamos num caminho sem volta. É absolutamente salutar, decisivo, para a vida do poder Judiciário não seu esvaziamento e sim seu fortalecimento. E sugiro: todo e qualquer juiz deveria ter como condição de ascenção colocar a disposição seu sigilo bancário, fiscal, telefônico. Quem é honesto, decente, não tem medo de ser investigado. O que se está querendo é proteger a diminuta banda podre que há no Judiciário.
Fonte: Tribuna Hoje