Artigo – Direitos entre os cônjuges devem ser iguais – Por Sônia A. C. Mascaro Nascimento

Recentemente, ganharam destaque duas decisões que, de maneira inédita, concederam a pais viúvos o direito de gozar de licença nos mesmos moldes da licença-maternidade.

Na primeira, noticiada em fevereiro, juíza da 6ª Vara Federal do Distrito Federal concedeu em liminar a um servidor da Policia Federal, cuja mulher faleceu por complicações durante o parto, o direito à licença-maternidade. Na segunda, publicada em 17 de março, a 2ª Turma Recursal do Paraná concedeu o direito ao “salário-maternidade” pago pelo INSS a um trabalhador, por conta da morte da esposa grávida de sete meses, fazendo-se necessária uma cirurgia de emergência e o nascimento prematuro da criança.

A licença à gestante de 120 dias, sem prejuízo do emprego e do salário, está inserida no rol de direitos sociais do artigo 7º da Constituição Federal, em seu inciso XVIII. No inciso XIX do mesmo dispositivo há a previsão da licença-paternidade, fixada hoje em cinco dias — artigo 10, §1ª do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).

Apesar de referirem-se expressamente à gestante e ao pai, é preciso que estes dispositivos sejam interpretados em conjunto com os artigos 226 e 227 da Carta Magna, que estabelecem que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” e que a responsabilidade pela vida da criança, do adolescente e do jovem é “da família, da sociedade e do Estado”.

Sob essa ótica, o direito constitucional à licença-maternidade, apesar de se referir expressamente à mulher mãe, objetiva a proteção da criança. É o bebê que ao nascer precisa de, pelo menos, 120 dias para adequar-se à vida fora do útero, necessitando, para isso, do genitor ou responsável que possa dedicar-lhe tempo e cuidado.

Esse entendimento de que o benefício da licença à gestante visa à proteção da criança pode ser estendido, em casos excepcionais, ao artigo 71 da Lei 8.213/1991, que prevê o salário-maternidade devido à segurada da Previdência Social. Oras, se o benefício foi criado no sentido de possibilitar que a mãe se dedique de forma exclusiva ao filho em seus primeiros dias de vida, nos casos em que a mãe não pode assumir essa responsabilidade (morte pós-parto, invalidez, etc.), é mais do que cabível que o pai cumpra esse papel. E também deve ser a ele estendido o salário-maternidade, já que, na verdade, seu real destinatário é a própria criança.

Vale ressaltar a atual tendência mundial de equiparação entre as licenças maternidade e paternidade, evitando a distinção entre os sexos. Paradigma dessa tendência, a Corte Europeia de Direitos Humanos anunciou no último dia 22 de março seu entendimento firmado de que restringir a licença para cuidar dos filhos apenas à mulher é discriminatório, o que viola a Convenção Europeia de Direitos Humanos, de maneira que homens devem ter direito ao mesmo tempo de licença que as mulheres para cuidar dos filhos.

Nessa esteira, e influenciado pelas atuais decisões dos tribunais brasileiros referentes ao direito de pais viúvos e de casais homossexuais criarem seus filhos, já tramitam alguns projetos de lei visando à equiparação de direitos. É o caso, por exemplo, do projeto de lei apresentado ao Congresso Nacional em 14 de fevereiro de 2012, da deputada federal Andrea Zito (PSDB-RJ), que propõe a concessão de licença-paternidade nos moldes da licença-maternidade aos pais de recém-nascidos em face do óbito da mãe da criança ou em face de sua invalidez temporária ou permanente.

Concluímos que o ideal, de fato, seria a equiparação de direitos, para que os cônjuges pudessem compartilhar as responsabilidades com a criança, ou mesmo para que pais viúvos ou homossexuais não necessitassem procurar a Justiça para ter seu direito de cuidar do filho, seja recém-nascido, seja adotado.

Sônia A. C. Mascaro Nascimento é mestre e doutora em Direito do Trabalho pela USP; membro do Instituto Ítalo-Brasileiro de Direito do Trabalho; consultora-sócia de Amauri Mascaro Nascimento e Sônia Mascaro Advogados; ex-conselheira da OAB-SP e ex-presidente da Comissão Trabalhista da OAB-SP.

 

Fonte: Conjur