Cidade do interior foi a primeira a converter uma união estável entre pessoas do mesmo sexo em casamento. Um ano depois, casal continua a ser referência para gays que querem seguir o mesmo caminho.
Ao contrário do que muitos poderiam imaginar, a capital paulista não está no topo do ranking de municípios que mais oficializaram casamentos gays no estado de São Paulo. A liderança, nesse quesito, é toda ocupada por cidades do interior paulista, segundo um levantamento da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen-SP). Pioneira no país, Jacareí, a 84 quilômetros de São Paulo, lidera a lista com 12 casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo. Contraditoriamente, na cidade de São Paulo, sede da maior Parada Gay do mundo, foram negados todos os 15 pedidos feitos desde a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo e abriu o debate para a legalização do casamento gay.
A decisão inédita do juiz de Jacareí, Fernando Henrique Pinto, refletiu em outras cidades do Vale do Paraíba: São José dos Campos (9 casamentos) e Taubaté (7). Entre os 10 primeiros municípios do ranking também estão São José do Rio Preto (7), Jardinópolis, Barretos e Mogi das Cruzes (6 cada uma), Santos e Osasco (5 cada uma), além de Ribeirão Preto (4). No total, o estado registrou 206 casamentos homossexuais até o dia 30 de maio deste ano.
“Ainda acho pouco, mas se considerarmos a realidade que vivíamos antes, é um grande avanço”, afirma o cabeleireiro José Sérgio Sousa Moresi. Ele e o ativista social André Luiz Sousa Moresi são os primeiros gays oficialmente casados do país. A celebração aconteceu em Jacareí, há exatamente um ano, no dia 28 de junho de 2011.
Eles contam que não têm álbum nem vídeo de casamento. Mas nem precisaria, tamanha a repercussão do evento nos jornais e TVs, o que literalmente parou o Cartório de Registro Civil da cidade. “Naquele dia o cartório não era meu”, brinca o oficial de registro Marcelo Salardi de Oliveira, que assinou e entregou a certidão do casal, considerado um documento histórico para a militância LGBT. Nesta quinta-feira, eles voltam ao local para pegar uma segunda via do documento, em um ato simbólico para comemorar a data.
Luiz André e Sérgio fizeram questão de adotar todos os símbolos do casamento tradicional: usam aliança, trocaram o sobrenome e se chamam de marido. Porém, mesmo sendo conhecidos na rua como “o casal gay de Jacareí”, eles ainda precisam ter cautela com as demonstrações públicas de carinho e evitam andar abraçados, de mãos dadas ou se beijar em público. “Infelizmente precisamos nos preservar de possíveis reações violentas de preconceito”, explica Luiz André.
Comerciante, Luiz André deixou a profissão depois do casamento para se dedicar exclusivamente à causa LGBT. Seu telefone não para de tocar. “As pessoas ligam de todos os cantos do país perguntando como fazer para se casar com o companheiro ou companheira”, conta.
Junto com outros casais homossexuais, Luiz André e Sérgio aproveitaram a decisão do STF para tentar o casamento. “Queríamos o direito de ser um casal por completo”, afirma Sérgio. “Agora somos uma família, a família Sousa Moresi”. O casamento garante a mudança de estado civil e também direitos sucessórios, como herança – o que não acontece na união estável.
O trâmite desde a união estável até o casamento durou pouco mais de um mês. Foi rápido. Apesar disso, o casal ressalta que essa conquista representa um passo muito pequeno perto do longo caminho que o movimento gay ainda precisa percorrer. “Há muitos casais em Curitiba, Goiânia, Rio de Janeiro e São Paulo que não conseguem se casar”, observa Luiz André. “Por isso, queremos o reconhecimento do casamento civil através de leis ou da Constituição. Os avanços têm sido feitos na esfera judicial, porque o Legislativo ainda é muito conservador”.
Um ano depois da repercussão nacional do casamento, Luiz André e Sérgio ainda não tiveram tempo para festa ou lua-de-mel. Toda a celebração está reservada para 2013, quando comemoram 10 anos juntos. “Fomos o primeiro casal gay a se casar e com certeza não seremos o primeiro a se separar”, brincam.
Vanguarda – Por ter sido a primeira cidade a autorizar o casamento civil entre homossexuais, Jacareí acabou inovando também em outras questões relacionadas ao direito homoafetivo. Foi na comarca que duas mulheres conseguiram, no mês passado, ter seus nomes na certidão de nascimento do filho que tiveram por inseminação artificial. A criança tem, oficialmente, duas mães e quatro avós maternos.
Entre os 12 casamentos realizados na cidade, sete foram entre casais de lésbicas e, cinco, de gays. Em dois deles, um dos cônjuges é estrangeiro. Além da conversão das uniões estáveis em casamento, os casais homossexuais de Jacareí também podem se casar diretamente, com direito a cerimônia e juiz de paz.
Fonte: Revista Veja