Jurisprudência mineira – Reintegração de posse – União estável – Comodato – Simulação – Demonstração – Ausência – Prejudicialidade – Inexistência

JURISPRUDÊNCIA MINEIRA

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

REINTEGRAÇÃO DE POSSE – UNIÃO ESTÁVEL – COMODATO – SIMULAÇÃO – DEMONSTRAÇÃO – AUSÊNCIA – PREJUDICIALIDADE – INEXISTÊNCIA

– A ação de reconhecimento de união estável, de natureza declaratória, enquanto não decidida, não possui o condão de interferir na compra e venda de imóvel efetuada de forma regular, tampouco em afastar a eficácia de contrato de comodato despido de vício capaz de invalidá-lo.

– A simulação consiste em ato intencional, praticado em desacordo entre a vontade interna e a declarada, criando a aparência de um ato jurídico que, de fato não existe, exigindo prova robusta para ser reconhecida.

Apelação Cível nº 1.0672.09.390259-7/001 – Comarca de Sete Lagoas – Apelante: Isis Cristina Soares Pauxis – Apelado: Pedro Geraldo Cotes – Relator: Des. Antônio Bispo

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em rejeitar a preliminar e negar provimento.

Belo Horizonte, 15 de março de 2012. – Antônio Bispo – Relator.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES. ANTÔNIO BISPO – Isis Cristina Soares Pauxis apelou contra a v. sentença que julgou procedente a reintegração de posse ajuizada em seu desfavor por Pedro Geraldo Cotes.

Nas razões de f. 297/306, a apelante pede a reforma da decisão singular ao fundamento de que iniciou um relacionamento íntimo com o apelado no ano de 2002, relacionamento este que evoluiu para união estável iniciada em 2004, situação de fato que durou até meados do ano de 2008.

No ano de 2005, os conviventes adquiriram o imóvel objeto do pedido possessório, tendo o apelado, por meio de burla, colhido a assinatura da apelante em um contrato de comodato, f. 31/32, sob a justificativa de que precisava registrar o imóvel, o que levou a aqui requerente, pessoa de pouca instrução, a assinar o referido documento, tendo a sua própria filha e o namorado desta como testemunhas.

Sobre esse mesmo contrato, a apelante destaca que desconhecia o teor do mesmo, tenho-lhe sido entregue somente a segunda página do mesmo, tanto que, na primeira lauda, não constou a sua assinatura e que tal ato foi justificado pelo receio de a exesposa do apelado vir a reivindicar o imóvel pertencente ao casal.

Não obstante, o apelado contratou a venda do imóvel em questão com terceiro, omitindo a este o fato de viver em união estável com a apelante, tanto que o adquirente do bem, de nome Thales, buscou em juízo a rescisão do contrato, não obtendo êxito, contudo.

Esse fato levou a apelante a ajuizar uma medida cautelar nos autos do Processo nº 0672.09.389498-4, uma ação de reconhecimento de união estável com pedido de partilha de bem, em curso perante a Vara de Família e Sucessões da Comarca de Sete Lagoas, a fim de impedir que o apelado se aproprie do resultado da venda, visto que a propriedade do imóvel objeto do negócio não foi ainda definida. Considerando configurada a má-fé do apelado, informa que somente tomou conhecimento da venda do bem por meio da interpelação judicial intentada
contra si, impugnando o conteúdo da alegada notificação extrajudicial, visto que nos autos constam somente o envelope e o aviso de recebimento, não se podendo provar que tal missiva tenha se prestado efetivamente para o fim declarado na inicial.

A apelante considera que o contrato de comodato é nulo, já que a apelante foi induzida a erro, bem assim que a gratuidade concedida ao apelado deve ser revogada, pois ele é possuidor de quotas de empresa e ganha muito mais do que o informado aos autos.

Da mesma forma, deve ser revista a condenação ao pagamento de aluguéis que lhe foi imposta, até porque o adquirente do bem ajuizou ação cobrando o mesmo direito, sendo de todo descabido pagar ao apelante pelo aluguel de um imóvel que já foi vendido a terceiro.

Por fim, a apelante afirma que lhe foi negado direito de defesa, devendo ser invalidado o depoimento da testemunha Gabriel Vinícius Araújo Fonseca, amigo íntimo do apelado e inimigo íntimo da apelante, por ser ex-namorado da sua filha, a qual veio a ficar praticamente cega em razão de um acidente de moto sofrido com o referido rapaz, sendo estes os motivos do pedido de reforma da sentença.

Recurso recebido, f. 308.

Sem preparo.

Sem contrarrazões.

Conheço do recurso porque próprio e tempestivo. Preliminar – cerceamento de defesa.

Não procede o alegado cerceamento do direito de defesa da apelante.

Vê-se à f. 270 que a testemunha Gabriel Vinícius Araújo Fonseca foi contraditada em razão de suposta amizade íntima com o autor da ação. O ilustre Presidente do feito, contudo, entendeu por manter o compromisso, decisão esta irrecorrida, não havendo, portanto, falar em cerceamento de defesa.

Rejeito a preliminar.

Mérito.

Prevê a Constituição Federal de 1988, no art. 226, que:

"[…] a família é a base da sociedade, possuindo especial proteção do Estado".

Deste comando deflui a natureza de ordem pública da proteção dada à união estável, em razão do princípio da igualdade entre as instituições familiares para efeito da proteção estatal, razão por que foi editada a Lei 9.278/96, de plena vigência, justamente para regular o art. 3º da norma constitucional acima transcrita e fixar parâmetros quanto à questão patrimonial, no caso da união estável, na forma que segue:

"Art. 5° Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.

§ 1° Cessa a presunção do caput deste artigo se a aquisição patrimonial ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união.

§ 2° A administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, salvo estipulação contrária em contrato escrito".

O caso em apreço, portanto, deve ser analisado sob a ótica do dispositivo legal suprarreproduzido, este o regramento de regência da espécie, apto a induzir à ilação de que somente o patrimônio adquirido ao longo da convivência haverá de ser tido como fruto do trabalho conjunto do casal, não se considerando como tal os bens cuja aquisição puder se caracterizar como produto de aquisições anteriores ao início da união em pauta, salvo disposição em contrário.

Pois bem.

Neste caso sob exame, a inicial não informa quando teve início a união estável invocada pela ré da ação como base do direito por ela reivindicado, cingindose o autor a declarar que, em fevereiro de 2005, firmou com a sua convivente um contrato de comodato referente a imóvel de sua propriedade, no qual o casal residia, imóvel este vendido em 2008 a terceiro, o que o levou a requerer a desocupação do bem.

Em sede de contestação, a aqui apelante agitou preliminar de litispendência corretamente afastada pelo Monocrático, tendo aduzido, também, que o contrato de comodato invocado pelo autor fora assinado por meio de simulação. Informou, também, que, desde 2004, o casal vivia sob o mesmo teto e que imóvel litigado foi adquirido antes daquela data. A peça de ingresso da ação de reconhecimento de dissolução de união estável juntada à f. 53 confirma que o convívio em união estável teve início em 2004, esclarecendo que o imóvel no qual o casal residia foi adquirido após apenas seis meses de relacionamento.

Em face dessas anotações, tenho falecer razão à apelante.

Isso porque, nos termos da norma legal acima transcrita, a compra do imóvel realizada a apenas seis meses do início da união estável deixa clara a não caracterização do esforço comum contemplado pela lei, o qual pressupõe o decurso de um prazo, ao longo do qual o casal, em conjunto, haverá de reunir as condições necessárias para a aquisição de patrimônio familiar.

O escopo legal é claro, tanto que ressalva, no art. 1º, a hipótese de cessar a referida presunção se verificada a participação de patrimônio individual, havido antes do início da união estável, na aquisição do bem a ser tido por comum.

Esse o caso em tela, visto que não há provas de que a apelante tenha colaborado financeiramente para a aquisição do bem objeto do litígio, tendo restado bem demonstrada a propriedade do imóvel pela certidão expedida pelo Cartório do Ofício de Registros de Imóveis da Comarca de Sete Lagoas, f. 172.

Quanto ao contrato firmado pelas partes, a mesma Lei 9.278/96 prevê a possibilidade de os conviventes estipularem livremente a administração dos bens, inexistindo vedação quanto à forma ou meios para tanto, bastando, por óbvio, para a validade de tais estipulações, a observância inerente aos negócios jurídicos em geral, qual seja agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, forma prescrita ou não defesa em lei (art. 104, CCB).

Analisando o comodato em si mesmo, verifico que ele se firmou em consonância com os arts. 107 e 579 e seguintes, todos do CCB, não se afigurando nenhuma das circunstâncias relacionadas nos arts. 166 e 167 da mesma norma legal.

Passando à alegada simulação, oportuna a definição oferecida por Washington de Barros Monteiro (in Curso de direito civil. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 213) no sentido de tratar-se de:

"[…] intencional desacordo entre a vontade interna e a declarada, no sentido de criar, aparentemente, um ato jurídico que, de fato, não existe".

Devido à gravidade de suas consequências, por lógico, para que seja reconhecida, exige demonstração robusta e, neste feito, não existem indícios de que tenha se operado.

O contrato de comodato está assinado pela apelante e por sua filha, as quais, mesmo se verdadeira a afirmativa de que somente assinaram a segunda lauda do mesmo, fizeram-no, sabendo que a primeira firmava na qualidade de comodatária, e não como proprietária; e a segunda como testemunha desse fato.

Tratando-se de pessoas capazes de ler e questionar o conteúdo da lauda em que apuseram suas firmas, tiveram exato conhecimento da condição como assinavam o dito contrato; logo, não há falar em simulação.

No tocante à assistência judiciária deferida ao autor da ação e combatida pela apelante, sabe-se que a impugnação a este benefício obedece a forma própria não evidenciada na espécie, pelo que deixo de conhecer desta arguição.

Relativamente aos alugueres a que foi condenada a apelante a pagar, uma vez reconhecida a precariedade da posse por ela exercida, nenhum reparo merece a v. sentença nesse tocante, não sendo esta a via apropriada para dirimir a questão referente a pedido semelhante, formulado pelo adquirente do bem.

Ante o exposto, considerando que nenhum direito se ergue, até o presente momento processual, da ação de reconhecimento de união estável, nem mesmo por meio de antecipação de tutela, caracterizado está o esbulho pelo que nego provimento ao recurso e confirmo a v. sentença combatida.

Custas, pela apelante, suspensas em razão da gratuidade judiciária que lhe foi deferida. Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores José Affonso da Costa Côrtes e Maurílio Gabriel.

Súmula – NEGARAM PROVIMENTO.

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG