Casamento gay: a pauta é diferente nos EUA e no Brasil

Suprema Corte americana avalia a manutenção ou não da legislação que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo na Califórnia e a Lei de Defesa do Casamento. No Brasil, STF reconheceu a união homoafetiva em 2011.

 

Nesta semana, a Suprema Corte dos Estados Unidos começou a analisar ações que podem determinar como o país passará a tratar a questão do casamento gay. Em duas sessões, foram apresentados argumentos contra e a favor de o casamento entre pessoas do mesmo sexo se tornar um direito constitucional – o que obrigaria todos os estados americanos a aceitá-la. A decisão deverá ser anunciada apenas em junho, mas os magistrados se mostram divididos sobre a questão. Por ora, é importante ressaltar algumas diferenças entre as discussões atuais sobre o casamento gay nos Estados Unidos e no Brasil – onde os ministros do Supremo Tribunal Federal reconheceram a união civil entre homossexuais em maio de 2011.

Brasil – No Brasil, a discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) se deu em torno do artigo 226 da Constituição Federal e do artigo 1.723 do Código Civil, que reconhecem a união estável entre homem e mulher, dando a eles direitos como herança, pensão por morte ou separação, declaração compartilhada do Imposto de Renda (IR), entre outros. À época, os ministros brasileiros concordaram que, mesmo sem menção no texto constitucional da união estável homossexual, os direitos civis de casais do mesmo sexo não poderiam ser negados.

Relator das ações que deram origem ao entendimento do Supremo, o ministro Ayres Britto lembrou que a Constituição Federal proíbe qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor. Da mesma forma, não poderia haver discriminação em função da preferência sexual. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”. 

Com a decisão do Supremo, a união de homossexuais passou a ser reconhecida como entidade familiar, estendendo os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo. Antes da decisão do STF, as uniões homoafetivas eram tratadas como sociedades.

Em junho do mesmo ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) converteu uma união civil homoafetiva em casamento. Com a certidão de casamento em mãos, duas pessoas passam a ser reconhecidas como um casal, a ter como estado civil “casado” e podem adotar novos sobrenomes. A união estável implica uma escritura de convivência afetiva, e permite que o casal compartilhe patrimônios e benefícios, como plano de saúde e seguro de vida. O casamento dá origem a uma certidão, que pode ser usada, por exemplo, para exigir dos empregadores a extensão de benefícios para cônjuges aos parceiros homossexuais. Também permite que o par construa seu patrimônio como um casal, e não mais como sócios.

Porém, na prática, a falta de uma lei que de fato regulamente o casamento gay no Brasil faz com que todos os pedidos que chegam aos cartórios dos diferentes estados dependam da avaliação de um juiz – é ele quem decide se autoriza ou não o casamento. Com isso, a mesma questão acaba resultando em decisões diferentes pelo país, pois são tomadas caso a caso. O principal argumento de alguns juristas contrários ao casamento gay é que, ao entrar na alçada do Poder Legislativo, o Supremo exacerbou suas funções e afrontou a Constituição. No Congresso Nacional são três as principais propostas que visam regulamentar o tema.

EUA – Nos EUA, cada um dos estados americanos tem autonomia legislativa para aprovar leis, desde que elas respeitem a constituição do país. Atualmente, nove deles – Connecticut, Iowa, Massachusetts, New Hampshire, Nova York, Vermont, Maryland, Maine e Washington – e o distrito de Columbia, sede da capital dos Estados Unidos, aprovam o casamento homossexual, mas em outros 38 estados, o casamento é limitado a heterossexuais. Dessa forma, a discussão sobre o casamento gay ultrapassa os termos em pauta no Brasil. Além de incitar os embates públicos de opinião, a realização das audiências nos EUA destaca o debate sobre o papel da Suprema Corte, a última instância da justiça americana, questionando se ela deve ou não intervir nos dilemas sociais que, tradicionalmente, são de competência dos legisladores de cada estado americano. 

Hoje, 58% dos americanos são a favor do casamento gay e 36% são contra (percentuais opostos aos levantados em 2006). Cerca de 81% dos jovens americanos defendem a igualdade no casamento – a maioria de jovens republicanos é favorável. Em maio de 2012, o presidente Barack Obama se posicionou, pela primeira vez, a favor do casamento entre homossexuais. Porém, no âmbito da justiça, conservadores e liberais concordam que muitos estados ainda estão “experimentando” o casamento gay e dando à sociedade “mais tempo para entender a direção” que o assunto está tomando. Para eles, ainda era cedo para tomar uma decisão definitiva e histórica, visto que é difícil avaliar seu impacto. 

Debate – O primeiro dia de discussão na Suprema Corte, na terça-feira, abordou a Proposta 8, que proíbe a união matrimonial entre pessoas do mesmo sexo na Califórnia. Os magistrados devem analisar se a Proposta 8, ou a proibição de casamentos gay em geral, viola a garantia de igual proteção aos cidadãos sob a lei, prevista na emenda 14. Durante a sessão, nenhum dos nove magistrados demonstrou apoio à solução dada pelo governo de Obama, na qual a Proposta 8 seria derrubada e os estados que já reconhecem a união civil passariam a permitir casamentos de gays e lésbicas. Esse posicionamento do presidente pode levar a corte a decidir pelo tudo ou nada: fazer com que o casamento gay seja legal em todos os 50 estados ou deixar que eles decidam por si sós – e a aprovação não seria aconselhável em uma corte dividida, com um veredito apertado, sobre um caso de tamanha amplitude.

Nesta quarta, a Suprema Corte americana se dedicou à Lei de Defesa do Casamento (DOMA, na sigla em inglês), que o define como a união entre um homem e uma mulher. A lei, sancionada em 1996 pelo então presidente Bill Clinton, impede que os homossexuais casados nos nove estados que aceitam a união matrimonial sejam reconhecidos e recebam os benefícios fiscais em nível federal. A lei já foi contestada por quatro tribunais federais e duas cortes de apelação. O próprio Bill Clinton, recentemente, considerou a lei incompatível com a realidade e com o princípio da igualdade assegurado na Constituição. Sua mulher, a ex-secretária de Estado Hillary Clinton – possível candidata presidencial em 2016 -, apoiou publicamente o casamento gay.

Casamento gay no mundo

Estados Unidos

Nos Estados Unidos, o casamento homossexual foi legalizado em nove estados (Connecticut, Iowa, Maine, Maryland, Massachusetts, New Hampshire, Nova York, Vermont, Washington) e no distrito de Columbia. Seis estados (Colorado, Delaware, Havaí, Ilinois, New Jersey, Rhode Island) admitem uma forma de união civil que confere os mesmos direitos assegurados pelo casamento. Trinta e oito estados americanos restringem o casamento a heterossexuais.

França

A Assembleia Nacional aprovou uma proposta que prevê que "o matrimônio é contraído entre duas pessoas de sexos diferentes ou do mesmo sexo". O texto ainda será analisado pelo Senado. O projeto também estende a casais homossexuais o direito à adoção.

Grã-Bretanha

A Câmara dos Comuns aprovou em fevereiro um projeto que legaliza o casamento gay no País de Gales e na Inglaterra. O texto ainda terá de passar pela Câmara dos Lordes. A Escócia está estudando uma proposta sobre o tema. Na Irlanda do Norte, não há planos de adotar uma legislação semelhante. A proposta permite a realização de cerimônias civil e religiosa, mas não obriga as organizações religiosas a realizar cerimônias de casamento entre pessoas do mesmo sexo. A lei atual limita o matrimônio a um compromisso entre um homem e uma mulher. Desta forma, os críticos argumentam que, mesmo se o casamengo gay for legalizado, haverá um vácuo em relação a outros mecanismos fundamentais, como o divórcio em caso de adultério, que não seriam aplicados ao casamento gay.

Uruguai

A lei que legaliza o casamento entre pessoas do mesmo sexo no Uruguai foi aprovada na Câmara dos Deputados, em dezembro, mas a votação do projeto foi adiada pelo Senado, para que o texto pudesse ser mais estudado pelos parlamentares. O projeto em discussão prevê que o matrimônio será “a união permanente entre duas pessoas de igual ou distinto sexo”. Nos últimos seis anos, o Uruguai legalizou a união civil de homossexuais e a adoção de crianças por casais do mesmo sexo. Em junho de 2012, a justiça uruguaia reconheceu um casamento entre dois homens celebrado na Espanha.

Argentina

A Argentina aprovou o casamento gay em 2010. Com a aprovação, os casais homossexuais ganharam direito à herança e adoção e o Código Civil foi reformado – o termo “marido e mulher” foi trocado por “contraentes”. A proposta contou com o apoio do governo de Cristina Kirchner, mas foi combatida pelo ex-cardeal Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco. À época, o arcebispo de Buenos Aires considerou a lei “um ataque destrutivo ao plano de Deus”. Cristina defendeu a mudança, dizendo que os líderes católicos não reconheciam como a sociedade argentina se liberalizou. 

Brasil

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, em 2011, a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Os ministros consideraram que, mesmo sem menção no texto constitucional, os direitos civis de casais do mesmo sexo não poderiam ser negados. A falta de uma lei que regulamente o casamento gay no Brasil faz com que todos os pedidos que chegam aos cartórios dos diferentes estados dependam da avaliação de um juiz, que decidirá se autoriza ou não o casamento.
 
 

Fonte: Veja