Quatro casais de mulheres se casaram na manhã desta sexta-feira (5) na capela do Tribunal de Justiça. Esta é a primeira vez que é realizada uma cerimônia para marcar o casamento de pessoas do mesmo sexo no Piauí. O evento foi presidido pela juíza Zilneia Barbosa e contou com a presença do Corregedor Geral de Justiça do Piauí, Desembargador Francisco Antonio Paes Landim Filho.
O Corregedor Geral de Justiça do Piauí ressaltou a importância do ato. “Esta é uma iniciativa que garante a igualdade entre todos os cidadãos. É um marco institucional e a constituição embasa este direito”. O deputado Fábio Novo (PT), defensor da causa, ressaltou o pioneirismo do Piauí ao regulamentar a transferência da união estável para casamento civil.
Em frente à capela foi montada uma mesa para celebrar o casamento na qual há quatro bolos nas cores do arco-íris, símbolo do movimento LGBT. Os casais receberam buquês de flores.
Lourdes Oliveira, fisioterapeuta e a pedagoga Rosângela Alencar, que já convivem há cinco anos, comemoram a união. “Foi um acordo entre nós duas. Já tínhamos uma história juntas e morávamos juntas. Já éramos casadas. O registro desta união, para nós, é uma emoção a mais”, disse Lourdes.
Um dos casais é formado pela auxiliar de administração Jeniffer Torres, 34 anos, e a secretária Natália Sousa, de 23, chegou bastante empolgado ao Tribunal. “Sentimos agora a mesma emoção de qualquer casal hétero. Optamos pelo registro pela convicção da nossa união. Estamos há dois anos juntas e já temos o suficiente para que essa relação seja oficial”, declarou Jeniffer que considera a cerimônia um marco contra o preconceito.
Em frente à capela foi montada uma mesa para celebrar o casamento na qual há quatro bolos nas cores do arco-íris, símbolo do movimento LGBT. Os casais receberam buquês de flores.
Veja na íntegra o discurso do Corregedor:
Senhores,
O ato que aqui se celebra não tem importância apenas na vida pessoal destes casais.
O casamento destas pessoas repercute na vida de muitos, e, por seu ineditismo cultural, ressoa também profundamente na vida social da comunidade piauiense.
Estes casamentos são também um marco institucional na história da própria Corregedoria Geral de Justiça, no Estado do Piauí, porquanto ao elenco de suas atividades clássicas se junta agora a função por demais nobilitante de garantir aos interessados o exercício efetivo de seus direitos.
A jurisprudência dos Tribunais Superiores reconhece-lhes o direito de se casarem, na forma da lei, mas são as Corregedorias Gerais de Justiça que devem garantir a formação desse novo casal humano, oferecendo a regulamentação normativa consentânea com a dignidade do ato.
Foi como procedeu, a exemplo de poucos outros no País, a Corregedoria Geral de Justiça, no Estado do Piauí, ao publicar o Provimento nº 24/2012, de 14.12.2012, que dispõe não somente sobre a habilitação de casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas, também, sobre a escrituração da união homoafetiva e a conversão dessa união em casamento.
O provimento 24/2012 foi um marco regulatório na vida civil das pessoas que agora se transforma, por força dos novos costumes sociais, num marco cultural, na vida da comunidade piauiense, e, por fim, num marco institucional da história da Corregedoria Geral de Justiça, no Estado do Piauí.
Ainda muito jovem li num quadro de avisos da escola onde estudava, em São João do Piauí, uma frase de Terêncio – “Nada de humano me é estranho”, pela qual terminei pautando a minha vida como pesquisador, na área do direito, dos atos da vida civil.
É preciso aprender com os fatos humanos, como faz o próprio direito, que os reconhece e os regula, ao invés de exorcizá-los dos tribunais, cátedras e rodas sociais.
Ao direito não é estranho o casamento de pessoas do mesmo sexo, mas, não obstante isso, têm identidade sexual diferente do sexo morfológico de que são portadoras.
A identidade sexual passa-se na alma humana, que o direito, apesar de parecer tão materialista, não desconhece.
Por isso, os espiritualismos ensinam aquilo que talvez possa ser secundado pela psicologia moderna, ou seja, que “a identidade do ser psíquico pode, em alguns casos, ser diferente daquela apresentada pelo corpo em que habita”, como escreve Ângelo Inácio pela psicografia de Robson Pinheiro, em O Próximo Minuto.
O direito não pode desconhecer a realidade do ser psíquico que no ser humano habita, de tal sorte que a dignidade da pessoa humana, proclamada na abertura da Constituição Federal (art. 1º, inciso III), é a dignidade da pessoa integral, isto é, com corpo e alma; com corpo e ser psíquico; com sexo e identidade sexual coincidente ou descoincidente com a sua morfologia física.
Da mesma forma, o direito, que concebe a pessoa na sua integralidade, a partir do próprio texto constitucional, não pode desconhecer também a orientação sexual do ser humano, que, segundo Ângelo Inácio, falando pelos espiritualismos, não se confunde com a identidade sexual das criaturas humanas.
Para esse autor espiritual, “a orientação sexual pode ser entendida como sendo o direcionamento do desejo sexual e da afetividade para parceiros do mesmo sexo ou do sexo oposto”.
O direito não pode impedir que o desejo sexual das pessoas tenha esse ou aquele direcionamento, mas, ao contrário disso, compromete-se em promover o bem de todos sem preconceitos de sexo ( art.3º, IV, da CF), pois, afinal, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5º da CF), o que equivale a dizer que todos podem expressar, perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, a sua orientação sexual, isto é, o seu desejo sexual e a sua afetividade para pessoas do mesmo sexo ou do sexo oposto.
O direito sabe que somos demasiadamente humanos, e, como tal, o sexo é um grande desafio para quem está mergulhado na densidade da experiência física na atualidade do mundo moderno.
Talvez por isso os espiritualismos ensinem que Deus não está interessado no que acontece com o homem do umbigo para baixo, mas com aquilo que demora no coração, o pensamento que lhe atravessa a mente, a palavra que sai da sua boca, a motivação e o direcionamento de suas ações, com os seus respectivos resultados práticos.
Afinal, como diz Ermance Dufaux, pela psicografia de Wanderley Oliveira, “cada alma jornadeia para Deus a seu modo”, isto é, com as particularidades do seu psiquismo, porque “diferenças não são defeitos”, mas, ao contrário disso, “são valores que impulsionam nossa caminhada”, ou, enfim, “diferenças são riquezas, estímulos e nutrição afetiva”.
Fomos educados, ao longo das vidas, a ver apenas o certo e o errado, o bom e o ruim, o mal e o bem, e, com isso, aprendemos a ser intolerantes e extremistas, como se a vida, nas suas variedades infinitas, tivesse apenas dois lados, e nos exigisse assumir uma dessas posições.
Não e não.
A vida é infinitamente plural, e o direito, em sintonia com a vida, garante a todos o pluralismo de idéias, sentimentos e comportamentos, que não se enquadram, na sua infinita diversidade, nas estreitas categorias existenciais do certo e do errado, do bom e do mau, porque representam, antes de tudo, a verdade de cada um, que, como tal, não pode ser estranha ao homem, como não o é ao direito, nem ao direito natural, nem ao direito positivo.
Com estas palavras, nas quais coloquei também minha concepção espírita sobre a vida, a Corregedoria Geral de Justiça apresenta os mais efusivos cumprimentos aos casais que hoje aqui celebram os seus casamentos civis, desejando-lhes muitas felicidades, retirando toda paz e toda alegria do amor humano, que é precário, como diz o poeta FERREIRA GULLAR, mas que, não obstante isso, é sumamente encantador, como sabem os poetas e os outros amantes.
Muito obrigado.
Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho
Corregedor-Geral de Justiça do Estado do Piauí
Fonte: TJPI