Jurisprudência mineira – Ação anulatória – Testamento público – Requisitos essenciais – Não comprometimento da livre declaração de última vontade da testadora

JURISPRUDÊNCIA MINEIRA

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

AÇÃO ANULATÓRIA – TESTAMENTO PÚBLICO – REQUISITOS ESSENCIAIS – VÍCIO FORMAL E DE CONSENTIMENTO – INOCORRÊNCIA – NÃO COMPROMETIMENTO DA LIVRE DECLARAÇÃO DE ÚLTIMA VONTADE DA TESTADORA – ABRANDAMENTO DO RIGOR FORMAL EM PRESTÍGIO DO TEOR DO TESTAMENTO – HODIERNA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO
 
– O rigor formal da lei não pode prevalecer em detrimento da vontade manifestada pelo testador pelo simples fato de a escrevente notarial ter assinado a rogo da testadora do testamento.
 
– Compete ao legatário interessado a comprovação do vício na declaração da real intenção do testador, não bastando para a procedência do pedido a mera alegação de tratar-se de pessoa que, na data em que o testamento foi lavrado, "não dispunha de capacidade para dispor livremente de seus bens". 
 
Apelação Cível nº 1.0110.09.023499-5/001 – Comarca de Campestre – Apelantes: M.A.F. e seu marido, J.S.F. – Apelados: A.E.F., I.M.F., P.E.F., S.N.F., A.D.F., M.A.F., J.B.F. e outros, herdeiros de M.I.F., L.C.F. – Relator: Des. Elias Camilo Sobrinho 
 
A C Ó R D Ã O
 
Vistos etc., acorda, em Turma, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em negar provimento ao recurso. 
 
Belo Horizonte, 28 de fevereiro de 2013. – Elias Camilo Sobrinho – Relator.
 
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
 
DES. ELIAS CAMILO SOBRINHO – Trata-se de recurso de apelação interposto por M.A.F. e J.S.F. contra a sentença de f. 431/435, proferida pelo MM. Juiz de Direito da Comarca de Campestre, que, nos autos da ação declaratória de nulidade de testamento público, ali ajuizada contra J.B.F. e s/m M.A.F., A.E.F. e s/m I.M.F., P.E.F., S.N.F. e L.C.F. (apelados), julgou improcedente o pedido inicial e, por conseguinte, condenou os autores, aqui apelantes, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), suspensa, contudo, a exigibilidade pelo interstício previsto no art. 12 da Lei nº 1.060/1950, por litigarem sob o pálio da assistência judiciária gratuita. 
 
Insurgem-se os apelantes nas razões recursais de f. 437/470, sustentando, em suma, que aos apelados competia o ônus de entregar ao juízo "o contexto probatório induvidoso quanto à existência dos alegados fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito dos apelantes. À míngua de elementos probatórios nesse sentido", ressaltam que não há falar em improcedência do pedido exordial. 
 
Aduzem que “o instrumento público ancorado à f. 12 não foi regido pelas devidas formalidades legais quando da sua feitura, não atendendo, pois, a nenhum dos planos de existência, validade e eficácia”.
 
Ressaltam, ainda, que "as provas coligidas nos autos apontam categoricamente no sentido de que a testatora M.A.F. apresentava conturbado estado de saúde física e psicológica resultantes principalmente de diversos AVCs – Acidentes Vasculares Cerebrais – e de evolução gradativa de uma série de doenças, tais como infecção respiratória e trombose, que sempre demandaram ingestão contínua de inúmeros medicamentos e internações hospitalares, resultando na falta de discernimento e na consequente incapacidade para os atos da sua vida civil".
 
Concluem asseverando que "o único e melhor caminho é declarar a nulidade do instrumento público de f. 12, para reconhecer a condição de herdeira à filha M.A.F., ora requerente, concorrendo com os requeridos".
 
Em destaque para dispositivos do Código Civil, doutrina e jurisprudência que entendem aplicáveis ao caso vertente, pugnam pelo provimento do recurso para, reformando a sentença, julgar procedente o pedido formulado na peça vestibular, invertida a sucumbência.
 
Sucessivamente, pugnam pela declaração de "exclusão da sucessão" ou, também, "a deserdação da filha M.A.G., ora apelante, para reconhecer a condição de herdeiros dos filhos da mesma M.A.F., a fim de que estes descendentes possam concorrer na herança com os irmãos ora apelados".
 
Recebido o recurso no efeito devolutivo, os apelados ofertaram as contrarrazões de f. 472/482, em infirmação óbvia, batendo-se pela confirmação da sentença.
 
Parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça, opinando pelo desprovimento do recurso (f. 489/493).
 
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso, porque próprio, tempestivamente apresentado, regularmente processado, isento de preparo em razão da gratuidade de justiça deferida.
 
Passo à decisão.
 
Cinge-se a controvérsia à declaração de nulidade do testamento público de M.A.F., sustentando os apelantes, para tanto, em suma, vício formal, porque a assinatura a rogo foi lançada por uma escrevente da Serventia Notarial e, em segundo plano, vício de consentimento, porque a testadora, no momento da elaboração da escritura pública, não tinha capacidade testamentária, estando, assim, impedida de tomar quaisquer decisões devido à fragilidade de sua saúde mental.
 
Sobre as causas de nulidade do testamento, vem a lume os ensinamentos de Maria Helena Diniz:
 
"Sendo o testamento um ato jurídico, para que possa produzir efeitos jurídicos, precisará satisfazer não só as condições intrínsecas, atinentes à vontade legalmente manifestada do disponente, mas também extrínsecas, que objetivam assegurar a autenticidade daquela manifestação volitiva. Daí aplicarem-se-lhe os arts. 166 e 171 do Código Civil. 
 
Ter-se-á nulidade absoluta do testamento, que poderá ser alegada por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir, e que deverá ser pronunciada pelo magistrado, quando conhecer do ato ou de seus efeitos e a encontrar provada, não lhe sendo, todavia, permitido supri-la, mesmo que haja requerimento das partes (CC, art. 168, parágrafo único), quando:
 
1º) For feito por testador incapaz, isto é, por menor de 16 anos, por pessoa que não está em seu juízo perfeito, por surdo-mudo que não puder manifestar sua vontade, ou por pessoa jurídica.
 
2º) Seu objeto for ilícito ou impossível.
 
3º) Não observar as formas prescritas em lei para cada uma das modalidades de cédulas testamentárias, ordinárias (CC, arts. 1.864 a 1.880) e especiais (CC, arts. 1.888 a 1.896)
 
[…].
 
4º) A lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito, pois, para resguardar a plena autonomia da vontade do testador, proíbe-se o testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco ou correspectivo (CC, art. 1.863) […].
 
5º) Suas disposições forem nulas (CC, art. 1900)
 
[…].
 
[…]" (Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, v. 6, p. 308-311).
 
Registra-se que o testamento público em questão foi firmado em 07.02.2008 (f. 12 – volume 01/03, apenso 02), sendo, portanto, regido pelo Código Civil em vigor, aplicando-se os arts. 1.864 e 1.865. Passemos à análise de cada uma das questões suscitadas pelos apelantes.
 
A primeira diz respeito ao suposto vício formal, ao argumento de que “o instrumento público ancorado à f. 12 não foi regido pelas devidas formalidades legais quando da sua feitura, não atendendo, pois, a nenhum dos planos de existência, validade e eficácia”. 
 
Ressaltam que o instrumento "não foi lavrado na presença das testemunhas e tampouco na presença da própria testadora, transgredindo no mínimo as regras ínsitas no aludido art. 1.864, I, II e III, do Código Civil", indagando, ainda: "Onde está o documento manuscrito lavrado na residência da testadora?". Aduzem que deveria o tabelião "ter datilografado o aludido instrumento na residência e na presença da testadora M.A.F. e das testemunhas nele arroladas, através de máquina de escrever, como de costume, ou mesmo redigido efetivamente o respectivo testamento à mão". Se isso não bastasse, sustentam que "a própria escrevente notarial, Kérima de Cássia Almeida Bucci, que nem sequer compareceu na residência da testadora quando das declarações de última vontade – conforme restou comprovado nos autos -, lançou assinatura no documento de f. 12 a rogo da testadora M.A.F., contravindo no mínimo a regra do art. 1.865 do Código Civil".
 
Concluem afirmando que "o testamento é um negócio jurídico solene, sendo que as formalidades exigidas pela lei para a sua elaboração não podem deixar de ser observadas, sob pena de invalidação. Este formalismo destina-se, na verdade, a proteger a veracidade e a realidade do ato praticado pelo testador".
 
Sem razão, todavia.
 
Sobreleva pontuar que o testamento foi lavrado por escritura pública. Desse modo, havendo a presença do tabelião in loco, o documento goza de fé pública e seu teor resta açambarcado pela mais lídima presunção de veracidade. No entanto, é sabido que esta presunção é relativa, de natureza juris tantum. Destarte, pode ser confrontada e, eventualmente, elidida por prova em contrário, razão pela qual a solução do litígio reside no criterioso exame do acervo probatório.
 
Em coerência com os dispositivos legais mencionados anteriormente, transcreve-se da obra de Maria Helena Diniz:
 
"O testamento público é lavrado pelo tabelião ou por seu substituto legal em livro de notas, de acordo com a declaração de vontade do testador, exarada verbalmente, em língua nacional, perante o mesmo oficial e na presença de duas testemunhas idôneas ou desimpedidas.
 
Os requisitos essenciais ou formais extrínsecos desse testamento, sem os quais será nulo, são:
 
“1º) Ser escrito, manual ou mecanicamente, por tabelião ou por seu substituto legal – tabelião, cônsul, oficial-maior do tabelionato, escrevente juramentado que esteja legalmente como substituto, no pleno exercício do cargo de tabelião (RT 357:478; RTJ 110:1.262) – em seu livro de notas, conforme as declarações do testador, podendo este servir-se de minuta (RTJ 44:154), notas ou apontamentos, em presença de duas testemunhas idôneas ou desimpedidas (CC, art. 1.864, I; CF/88, art. 19, II; CPC, art. 364; Lei n. 8.078/90, art. 6º, X; Lei n. 8.935/94, art. 3º) […].
 
[…]
 
2º) Ser presenciado por duas testemunhas idôneas, que deverão, apesar de a lei não exigir, assistir a todo o ato, sem interrupção e sem se afastarem um só instante do cômodo em que é lavrado (CC, art. 1.864, II; RT 308:208; 596:169; 787:223; 687:238; Ciência Jurídica 22:63), vendo, ouvindo e compreendendo o testador, certificando-se de que o tabelião reproduziu exatamente o que ele queria, pois, como assevera Carlos Maximiliano, como fiscais que são, impostos por lei, precisam estar presentes em corpo e espírito, atentos do princípio ao fim, desde o momento em que o disponente inicia suas declarações, ou leitura, em voz alta, do esboço ou minuta, até que se recolha a última assinatura
 
[…].
 
3º) Ser lido o testamento pelo tabelião, em voz alta (CC, art. 1.864, II), depois de lavrado (Lei n. 8.935/94, arts. 3º e 7º, II) na presença do testador e das duas testemunhas, ou pelo próprio testador, se o quiser, na presença destas e do oficial, a fim de que possam certificar-se o disponente e as testemunhas de que o testamento está conforme ao que foi declarado ou ditado pelo testador. Essa leitura deverá ser feita na presença de todas essas pessoas conjuntamente, sob pena de nulidade do ato. 
 
4º) Ser assinado o testamento pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião (CC, art. 1.864, III), seguidamente e em ato contínuo. Pelo Código Civil, art. 1.865, se o testador não souber, em virtude de analfabetismo, ou não puder assinar em razão de qualquer patologia (mal de Parkinson) ou acidente que lhe impeça o uso das mãos, o tabelião ou seu substituto legal assim o declarará, assinando, neste caso, pelo testador, e, a seu rogo, uma das testemunhas instrumentárias, embora não constitua nulidade assinatura a rogo por terceira pessoa, que esteve presente a todo o ato, conforme decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (RT 146:128, 182:182, 431:72, 687:71; Ciência Jurídica 18:102). […]" (op. cit., p. 233-237).
 
E tais formalidades foram obedecidas, data venia, cumprindo extrair excerto da escritura pública lavrada pelo tabelião do 2º Ofício da Comarca de Campestre:
 
"Deu assim por feito o seu testamento e disposição de última vontade, e me pediu que lavrasse esta escritura de testamento que, imediatamente na sua presença e de todas as testemunhas testamenteiras, escrevi fielmente, que lhe li em voz alta, [de forma] clara e pausada, em presença da testadora e das testemunhas. Por [se] acharem a testadora e as testemunhas [em] plena conformidade entre o que ficou escrito e a última vontade declarada, assinam comigo, Tabelião, que tudo dou fé, porto de fé, haverem sido cumpridas as formalidades do art. 1.864 do novo Código Civil brasileiro. Assim o disseram e dou fé. Eu, Paulo César Carvalho Bucci, Tabelião, digitei, conferi, dato e assino em público e raso. (aa) a rogo da outorgante a Sra. K.C.A.B., escrevente do que dou fé. Testemunhas: A.J.A.; M.A.M.; R.C.S.; N.M.S.; L.M.S. ‘NADA MAIS’ trasladada em ato sucessivo. Campestre, 7 de fevereiro 2.008" (sic) (f. 12-v. – volume 01/03, apenso 02).
 
E isso foi referendado pelo Juiz singular, quando da prolação da sentença, quando ressaltou a existência de assinatura de 5 (cinco) testemunhas. (f. 432/433). Imperioso consignar que o que se busca no testamento é reviver a vontade do testador, sua verdadeira intenção quando das últimas declarações, devendo a essência do ato subsistir se restar comprovado que o declarado condiz com o presenciado pelo tabelião e testemunhas, conforme constatado no caso vertente. Admitir entendimento contrário seria o mesmo que prestigiar o formalismo exacerbado em detrimento das finalidades do instituto, conforme se destaca, mais uma vez, das lições de Maria Helena Diniz: 
 
"Silvio Rodrigues afirmava que era extremamente severa a lei que acentuava o propósito de não permitir transigência de nenhuma espécie com o rigor de que desejava revestir o testamento público. A esse rigor legal nem sempre correspondeu igual rigor por parte dos juízes, e muitos julgados entenderam não serem absolutas as exigências. Daí proclamar esse jurista a desnecessidade de o oficial público, ao encerrar o testamento, se referir a cada uma das formalidades legais. Continuava ele, ao comentar o art. 1.634 do revogado Código, ‘essas decisões […] se justificam, talvez, no fato de que o excessivo, se não exagerado formalismo imposto pela lei, se cegamente obedecido, iria conduzir a uma solução por vezes iníqua, por proporcionar a nulidade de um ato que efetivamente correspondia ao desejo do testador’. E de lege ferenda entendia ele que ‘a solução ideal seria a da lei reduzir esse excessivo formalismo do testamento público, para que não ofereça flanco tão ostensivo às nulidades’. E Aliomar Baleeiro, por sua vez, chegou a observar: ‘nos últimos decênios a jurisprudência já não leva ao extremo o rigor formalístico dos testamentos’ (RTJ 44: 156). A doutrina e a jurisprudência têm entendido que, hodiernamente, não mais se justifica o excessivo e o descomedido tributo às palavras sacramentais ou ao formalismo nas fórmulas tabelioas. O STF tem-se libertado do exacerbado apego às fórmulas ou ritualidades, voltando-se para a realidade do efetivo cumprimento das formalidades legais, deixando em plano secundário a simples e mecânica atestação final do oficial de que as observou.
 
Por isso andou bem o novo Código Civil, com o escopo de acabar com o exagerado apego ao formalismo do testamento público, em não conter preceito similar ao do art. 1.634 ora revogado, embora o art. 215, § 1º, V, do Código Civil vigente exija que na escritura pública haja ‘referência ao cumprimento das exigências legais e fiscais inerentes à legitimidade do ato’. Mas se o tabelião é dotado de fé pública, tendo competência exclusiva para lavrar testamento público (Lei n. 8.935/94, arts. 3º e 7º, II), subsiste para todos os efeitos legais a sua palavra constante no instrumento que lavrou. Eis por que Carlos Poisl, seguindo o pensamento de Welsh, salienta que a função notarial é, em sua essência e conteúdo, fundamentalmente, a de dar fé. A escritura pública dá certeza, pela fé do tabelião, somente podendo ser elidida mediante prova indiscutível (RT 300:135). Logo, convém repetir que, apesar do disposto no art. 215, § 1º, V, do Código Civil, o tabelião, que especificou, no corpo da cédula testamentária, os requisitos formais extrínsecos, não precisa reproduzi-los novamente, no fecho, ao portar por fé que todos foram satisfeitos" (op. cit., p. 239- 240).
 
Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu:
 
"Recurso especial. Testamento particular. Validade. Abrandamento do rigor formal. Reconhecimento pelas instâncias de origem da manifestação livre de vontade do testador e de sua capacidade mental […]. 
 
I – […].
 
II – Não há falar em nulidade do ato de disposição de última vontade (testamento particular), apontando-se preterição de formalidade essencial (leitura do testamento perante as três testemunhas), quando as provas dos autos confirmam, de forma inequívoca, que o documento foi firmado pelo próprio testador, por livre e espontânea vontade, e por três testemunhas idôneas, não pairando qualquer dúvida quanto à capacidade mental do de cujus, no momento do ato. O rigor formal deve ceder ante a necessidade de se atender à finalidade do ato, regularmente praticado pelo testador. Recurso especial não conhecido, com ressalva quanto à terminologia" (STJ – 3ª Turma – REsp. nº 828.616/MG – Relator Ministro Castro Filho – j. 05.09.2006 – DJ de 23.10.2006, p. 313; RB 517:23). E, deste egrégio Tribunal: 
 
"Testamento público. Observância das disposições de última vontade do testador. Anulação. Impossibilidade.
 
Comprovado que o testamento público observou as disposições de última vontade do testador, não há se falar em sua anulação. A essência do ato deve subsistir se restar comprovado que o declarado condiz com presenciado no Cartório, sob pena de se prestigiar o formalismo exacerbado em detrimento das finalidades do testamento. O formalismo exacerbado não pode inviabilizar a essência das declarações prestadas" (TJMG – 6ª Câmara Cível – Apelação nº 1.0080.05.000863-2/001 – Relator Des. Edilson Fernandes – Data do julgamento: 11.12.2007 – Data da publicação: 02.02.2008).
 
Alegam os apelantes a existência de vício de consentimento da testadora, por incapacidade. 
 
Ressaltam que "as provas coligidas nos autos apontam categoricamente no sentido de que a testatora M.A.F. apresentava conturbado estado de saúde física e psicológica resultantes principalmente de diversos AVCs – Acidentes Vasculares Cerebrais – e de evolução gradativa de uma série de doenças, tais como infecção respiratória e trombose, que sempre demandaram ingestão contínua de inúmeros medicamentos e internações hospitalares, resultando na falta de discernimento e na consequente incapacidade para os atos da sua vida civil".
 
Sem razão, mais uma vez.
 
Sobre o alegado vício, Caio Mário da Silva Pereira esclarece que "a alegação desta incapacidade deve ser recebida com cautela, para que não sirva de estímulo à cupidez, ou de pretexto a atacar um ato efetivamente não marcado de inequívoca ineficácia" (Instituições de direito civil. Direito das sucessões. 18. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2011, v. 6, p. 187-188). Cediço é que a capacidade do testador determina-se pela data em que fez o testamento. Destarte, no caso vertente, analisando o conjunto probatório dos autos, verifico não terem os apelantes se desincumbido do ônus de demonstrar a efetiva existência do alegado vício de consentimento, capaz de gerar a nulidade, ficando, a meu ver, demonstrado, na verdade, que a testadora, quando da declaração de vontade, tinha, sim, plena capacidade de discernimento, não havendo que se falar, dessa forma, em qualquer nulidade do negócio jurídico em questão.
 
O ato do tabelião goza de presunção de veracidade, razão pela qual a prova da ausência de capacidade deve ser robusta, completa, perfeita e contundente. Infere-se dos autos a inexistência de qualquer relatório médico indicando que a testadora não teria discernimento no ato de disposição de sua última vontade. Os apelantes sustentam a incapacidade, porque a falecida teria tido um AVC. Ora, além de inexistir qualquer relatório médico indicando a incapacidade, há que se ressaltar a existência do "parecer psicológico" acostado à f. 13 (volume 01/03, apenso 02), elaborado em 09.01.2008, praticamente 1 (um) mês da lavratura da Escritura Pública de Testamento, ocasião em que a Dr.ª Rafaella Maria Perlatto Capobianco Oliveira declarou que a Sra. M.A.F. se encontrava, na oportunidade, "debilitada fisicamente em virtude de derrame cerebral, mas que no momento atual suas funções mentais superiores (inteligência, linguagem, memória, raciocínio, atenção) encontram-se intactas, apresentando facilidade para falar e lembrar-se de fatos, nomes e datas; apresentando coerência em suas palavras e relacionando-as à realidade com lucidez e precisão" (sic).
 
Destarte, ao contrário do alegado pelos apelantes, restou demonstrado que a testadora, em 07.02.2008 (data da feitura do testamento), era uma senhora que, a despeito da idade, não apresentava qualquer sinal de senilidade ou demência, possuindo, portanto, naquele momento, integridade mental necessária para expressar sua livre vontade e consciência do ato que estava sendo praticado.
 
Há que considerar, ainda, que o óbito da Sra. M.A.F. somente veio a ocorrer em 18.04.2009, conforme se verifica da certidão acostada à f. 15 (volume 01/03, apenso 02), ou seja, mais de 1 (um) ano após o ato praticado.
 
Confiram-se, ainda, dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos próprios apelantes, que não contribuem em nada para um possível acolhimento da tese de incapacidade de discernimento:
 
a) Testemunha L.S. (f. 166 – volume 01/03, apenso 02):
 
"[…] que conhece as partes; que conheceu a de cujus; que não sabe se a mesma teve problemas de cabeça; que morou uns dois meses em uma casa da de cujus, mas não se recorda quando foi, pois faz tempo; que não sabe sobre um testamento deixado pela de cujus; que não acompanhou a doença da de cujus; […]" (sic).
 
b) Testemunha J.V.M. ( f. 167 – volume 01/03, apenso 02):
 
"[…] que conhece as partes; que conheceu a de cujus; que a de cujus teve problemas de cabeça, não falando, cerca de cinco ou seis meses antes da morte; que não chegou a conversar com a de cujus a respeito do testamento; […]; que sabe só problema de cabeça da de cujus antes de sua morte, pois chegou a visitá-la; […]" (sic). 
 
Destarte, no caso vertente, há de ser levada em consideração a presunção de veracidade e de autenticidade dos documentos públicos inerentes aos atos praticados pelos notários, como observado na espécie, que somente pode ser elidida por prova em contrário, e não por meras suposições ou alegações da parte, em especial quando envolvem questões como a própria capacidade do testador.
 
Assim, diante de tais considerações, tem-se que as provas e elementos constantes do processo, de fato, dão conta de que a testadora, no momento da lavratura do testamento, embora tenha passado por problemas de saúde, achava-se em seu perfeito juízo e no gozo pleno de suas faculdades intelectuais, tal como afirmado pela psicóloga, à f. 13 (volume 01/03, apenso 02) e pelo tabelião que lavrou a cédula testamentária, motivo pelo qual outra conclusão não se chega senão a de que M.A.F. possuía a plena integridade mental necessária para expressar sua vontade de testar.
 
Nesse sentido, confiram-se da precedência deste egrégio Tribunal:
 
"Ação anulatória de testamento. Aplicação do art. 1.632 do CC/1916. Requisitos. Descumprimento. Respeito aos atos de última vontade. Flexibilização das formalidades. Ausência de prova da incapacidade da testadora. Manutenção da sentença. 
 
Se o testador estava em pleno gozo de sua capacidade mental, e se foram respeitadas, na feitura, as disposições de última vontade, válido é o testamento.
 
Não obstante o testamento ser um ato solene e formal, a falta de leitura oral não é causa bastante para anulá-lo, mormente se verificarmos que todas as testemunhas tiveram ciência do inteiro teor do documento antes de assiná-lo" (TJMG – 6ª Câmara Cível – Apelação nº 1.0394.05.050174-8/001 – Relatora Des.ª Sandra Fonseca – Data do julgamento: 11.05.2010 – Data da publicação: 27.08.2010).
 
Em igual sentido, destacam-se da iterativa jurisprudência deste egrégio Tribunal: 5ª Câmara Cível, Apelação nº 1.0145.07.393153-0/001, Relator Des. Barros Levenhagen, acórdão de 26.05.2011, publicação de 09.06.2011; 7ª Câmara Cível, Apelação nº 1.0625.09.089053-8/001, Relator Des. Belizário de Lacerda, acórdão de 05.04.2011, publicação em 29.04.2011; 3ª Câmara Cível, Apelação nº 1.0271.03.018618-0/001, Relator Des. Kildare Carvalho, acórdão de 12.04.2007, publicação em 27.04.2007. 
 
Nesse passo, imperioso concluir pelo adequado discernimento da testadora por ocasião da lavratura de seu testamento, asseverando-se patente que, naquela oportunidade, sua capacidade volitiva se encontrava preservada.
 
Da mesma forma, não se verifica do caderno processual a existência de elementos que possam desabonar a conduta da legatária em relação à testadora.
 
Assim, conforme já explanado, não restando cabalmente comprovado o alegado vício de consentimento, ônus que competia aos apelantes enquanto fato constitutivo de seu direito, deve mesmo prevalecer a declaração de vontade constante do testamento, não merecendo, portanto, qualquer reforma a sentença de primeiro grau que assim decidiu.
 
Quanto ao pedido de declaração de "exclusão da sucessão" ou "a deserdação da filha M.A.G., ora apelante, para reconhecer a condição de herdeiros dos filhos da mesma M.A.F., a fim de que estes descendentes possam concorrer na herança com os irmãos ora apelados", formulado pelos apelantes, tais matérias não constam da inicial, tanto que não foram apreciadas pelo Juiz singular. De mais a mais, M.A.G. é pessoa estranha aos autos. 
 
Com tais considerações, nego provimento ao recurso, mantendo inalterada a sentença de primeiro grau, por seus e por estes fundamentos. 
 
Custas recursais, pelos apelantes, suspensa, contudo, a exigibilidade pelo interstício previsto no art. 12 da Lei nº 1.060/1950, por litigarem sob o pálio da assistência judiciária gratuita.
 
DES. JUDIMAR BIBER – De acordo com o Relator. 
 
DES. JAIR VARÃO – De acordo com o Relator.
 
Súmula – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG