LONDRES – As questões patrimoniais subjacentes à dissolução do casamento ou da união estável, no direito aplicado do Reino Unido (Inglaterra e País de Gales), não invocam a fórmula hígida da divisão percentual (50% vs. 50%) para cada um do casal separando. A partilha tem um ponto de começo, nessa equação percentual de referência, mas prevalece, sobretudo, uma análise detida sobre o nível de contribuição que os parceiros deram, de per si, ao patrimônio conjugal finalmente obtido durante a união.
Bem por isso os arranjos financeiros para a partilha patrimonial do casal devem resultar de uma solução negociada, entre os cônjuges ou companheiros, cumprindo ao juiz apenas resolver a extinção da relação jurídica. Mais precisamente, como não existem, no direito inglês, regimes patrimoniais de bens dentro do casamento, ou na união estável, nos casos de divórcio ou de dissolução da união livre compete ao casal fixar os acordos da partilha dos bens.
A propósito, cumpre assinalar, que na antiga Ilha de Britânia, a nova família inglesa como realidade jurídica tem desafiado, atualmente, o sistema do “common law” (direito comum), ante a hibridez ocorrente com um direito codificado exsurgente (leis do Parlamento). Aliás, o “Matrimonial Law Act”, de 1973, tem recebido, ao cabo dos seus quarenta anos, mínimas alterações e, a seu turno, o instituto da parceria civil, admitindo a união civil de pessoas do mesmo sexo, consagrou os mesmos direitos e responsabilidades atribuídos ao casamento, com consequências jurídicas idênticas.
Assim, o “Civil Partnership Act”, de 2004, reconheceu as uniões homoafetivas, para todos os fins de direito, sem emprego da terminologia de casamento e sem haver cerimônia religiosa. Mais recentemente, todavia, a Câmara dos Comuns aprovou (440 votos a 175), em primeira votação (05.02.13), proposta de lei do governo do primeiro-ministro David Cameron, favorecendo-lhes, por igual, o instituto do casamento, ou seja, com as mesmas condições do casamento heterossexual.
Observa-se que o casamento de “common law” vem se modificando desde 1780, acrescentando-se, a tudo isso, o paradigmático“ “case”, denominado “Kimber vc. Kimber”, julgado de 2000, que redesignou o conflito existente de casal não casado no tocante à questão patrimonial. Definiu-se, então, que o relacionamento “cohabitation” (união estável), deve seguir as mesmas regras para o divórcio, como as de definir soluções para os ativos e as finanças existentes.
Não sem propósito, atualmente, existem mais pessoas coabitando em uniões livres que casadas, quando na ”cohabitation” os direitos são praticamente idênticos. Pois bem. A partilha inglesa, sem fórmulas legais predispostas, permite considerações doutrinárias mais aprofundadas, em cotejo com o direito brasileiro. Vejamos:
(i) No direito inglês, em matéria dominial, aplicam-se os princípios gerais do direito das coisas, pelo que “para todos os fins de aquisição de qualquer interesse numa propriedade (…) marido e mulher são tratados como duas pessoas”, tudo consoante os termos da Seção 37 da Lei londrina do Direito das Coisas (1925);
(ii) Logo, a co-propriedade exigirá a compreensão do legítimo quinhão que couber pela forma de sua aquisição. De tudo resulta entender que os esforços comuns para a formação do patrimônio não significam, necessariamente, partes iguais como decorrentes de esforços igualitários para a identidade de uma mesma proporção.
Lado outro, também é previsto que cada cônjuge é responsável pelas suas dívidas, salvo circunstâncias excepcionais, implicando dizer, que apenas o património do cônjuge que contraiu a dívida pode ser utilizado para satisfazer as exigências de um credor. Em ser assim, acordos nupciais prévios, a exemplo do pacto nupcial brasileiro (art. 1.653 do Código Civil) são feitos, no atinente à distribuição do patrimônio do casal em caso de divórcio, sendo significante anotar que, em casos de disputa judicial dos bens, em dissolução da vida em comum do casal, os cônjuges podem pedir uma assistência acessória (“anctllary relief”), para efeito de uma solução mais justa, por apreciação do tribunal, no que diz respeito à divisão do patrimônio.
No ponto, a mediação judicial antecipada, para esse efeito, é inevitável, como pressuposto necessário não apenas à exata medida do acordo de divisão de bens, mas ao pronunciamento judicial nos casos de litigio. Vale dizer, outrossim, que a alínea 24 do “Matrimonial Law Act”, permite ao tribunal, segundo sua prudente discrição, decretar a transferência dos bens de um cônjuge para o outro, ou para o filho do casal ou até para outra pesssoa em benefício do filho do referido casal, sempre que as circunstancias específicas do caso exigirem, sublinhando-se, daí, que o ditado maior da lei será sempre o do bem-estar dos filhos menores dos divorciandos.
A divisão de bens por divórcio, como tal disciplinada pela Lei das Causas Matrimoniais, de 1973, é feita em latitudes pormenorizadas, de notável busca de um justo equilíbrio de repartição patrimonial, tendo em vista os rendimentos, as capacidades de ganhos e os recursos financeiros de cada um dos cônjuges, a idade de cada um deles, a duração do casamento, o comportamento dos cônjuges havido na relação conjugal, as contribuições feitas ou que possam ser feitas em prestígio do bem-estar da família, nomeadamente, as garantias necessárias para a proteção dos filhos do casal divorciando.
Em menos palavras, a partilha inglesa confere uma Justiça do caso concreto, em solução de equidade para a divisão do patrimônio. Afinal, uma repartição de bens não pode ser reduzida a uma mera equação matemática, sem a apuração contingente dos fatos que formaram o patrimonio, do exame das consequências advenientes de referida partilha e sobretudo, em vigilia de que dissolvida a união e repartido o patrimônio, dissolvida nao restará, contudo, a família; certo quando presentes filhos menores, aos quais o patrimônio comum haverá, por certo, de servir a garanti-los.
Nessa lição de partilha inglêsa, uma ensinança para o melhor uso do art. 1.639 do nosso Código Civil, quanto ao regime patrimonial de bens. Modelos próprios de regimes podem ser construídos, no efeito de soluções mais justas e equitativas, ao tempo de uma inevitável divisão patrimonial.
* O tema do artigo faz parte do curso que o autor realizou no Institute of Advanced Legal Studies (IALS) da School of Advanced Study, da University de London.
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JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).
Fonte: TJPE