Jurisprudência mineira – Apelação cível – Ação de revogação de cláusula de inalienabilidade – Doador falecido – Impossibilidade – Recurso improvido

JURISPRUDÊNCIA MINEIRA

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REVOGAÇÃO DE CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE – DOADOR FALECIDO – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO IMPROVIDO
 
– Enquanto for vivo o doador, a ele se permite levantar o vínculo, se assim o quiser, com anuência do donatário. Entretanto, após o seu falecimento, a cláusula torna-se irretratável, não mais podendo ser dispensada.
 
Apelação Cível nº 1.0395.11.004561-8/001 – Comarca de Manhumirim – Apelantes: Neuzer Maria dos Santos Tannus e outro, João Henrique Tannus Campos, Nagem Eduardo Tannus, Patrícia Maria Tannus – Relator: Des. Rogério Medeiros 
 
A C Ó R D Ã O
 
Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.
 
Belo Horizonte, 7 de março de 2013. – Rogério Medeiros – Relator.
 
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
 
DES. ROGÉRIO MEDEIROS – Cuida-se de recurso de apelação interposto por Neuzer Maria dos Santos Tannus e outro, qualificados nos autos, contra sentença proferida em ação de revogação de cláusula de inalienabilidade.
 
Pretendem os autores revogar a cláusula de inalienabilidade existente na escritura pública de doação registrada sob o nº R-16-5.075.
 
Sobreveio a sentença de f. 25/26, que julgou improcedente o pedido e condenou os autores nas custas, se houver.
 
Irresignados, os autores apelaram (f. 27/37), alegando que o fato de um dos doadores ter falecido não impede a revogação da cláusula pelo doador sobrevivente. Manifestaram-se expressamente pelo desinteresse na continuidade do gravame.
 
Colacionaram diversas jurisprudências e pediram a reforma da sentença.
 
Preparo regular à f. 38.
 
Parecer do Ministério Público opinando pelo conhecimento e desprovimento dos recursos (f. 47/48).
 
Conheço do recurso, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade.
 
Baseia-se o pedido dos recorrentes nas dificuldades financeiras oriundas dos gastos médicos havidos com o de cujus, bem como na idade avançada do cônjuge supérstite.
 
Apesar de tais argumentos, tenho que não podem servir de motivação ao magistrado no sentido de decidir contra o texto expresso da lei.
 
Com efeito, enquanto for vivo o doador, a ele permite-se cancelar a cláusula de inalienabilidade, se assim o quiser, com anuência do donatário.
 
Entretanto, após o seu falecimento, a cláusula tornase irretratável, não mais podendo ser dispensada.
 
Caso estivesse ainda vivo o doador, poderiam as partes deliberar sobre o destino dos bens, modificando as condições da respectiva escritura, mas, falecido o doador, a vontade deste deve ser respeitada.
 
É certo que a Lei nº 6.015/73, que trata dos registros públicos, prevê casos de liberação das cláusulas restritivas, mas não inclui o caso dos autos. Para que se excluam as cláusulas restritivas, depende-se da participação dos doadores, o que é impossível, ante o falecimento do doador-varão.
 
Isso porque, morto o doador, as cláusulas tornam-se irretratáveis, perdurando até o falecimento do donatário, ou do último sobrevivente, se forem mais de um. Dessa forma, na situação presente, inadmissível a exclusão da cláusula restritiva que as partes livremente fizeram constar na transmissão do imóvel.
 
Nesse sentido:
 
"Apelação cível. Procedimento de jurisdição voluntária. Cancelamento de cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade. Ausência de justa causa. Únicos bens dos doadores. Art. 1.175, CC/1916 e art. 548, CC/2002. Falecimento de um dos doadores. Irrevogabilidade por ato do supérstite. I – Embora admitida na jurisprudência pátria, em tese, a possibilidade de cancelamento de cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade impostas em caráter irrevogável e irretratável, há que ser demonstrada a justa causa do pedido, o que não se verifica no presente caso. II – A doação de todos os bens, sem reserva de parte ou de renda suficiente à subsistência do doador, é inadmissível, razão pela qual a pretensão do cancelamento de gravames representaria burla à determinação legal. III – Ainda se verificada a justa causa e a ausência do impeditivo legal, a revogação das cláusulas restritivas somente é possível se realizada por ambos os doadores. Dessa forma,  falecido um dos autores do ato de liberalidade, não é possível a revogação somente pelo supérstite.” (Apelação Cível 1.0431.10.003099-5/001, Rel. Des. Leite Praça, 5ª Câmara Cível, julgamento em 10.11.2011, publicação da súmula em 26.01.2012.)
 
Além do mais, admitir a venda de imóvel gravado com a cláusula de inalienabilidade, sem nenhuma comprovação concreta da necessidade por parte dos donatários é desconsiderar a vontade do doador falecido.
 
Pelo exposto, nego provimento ao recurso.
 
Custas recursais, pelos apelantes.
 
DES. ESTEVÃO LUCCHESI – Acompanho o culto Relator, com algumas considerações. Com efeito, realizada a doação com instituição de cláusula de inalienabilidade vitalícia, essa somente poderá ser revogada por declaração de vontade do doador que a instituiu.
 
Com a morte de um dos doadores, ainda que o outro doador sobrevivente anua com a extinção do gravame, não se afigura possível o seu levantamento, mormente se não apresentada pelos donatários qualquer situação excepcional de necessidade financeira. Nesse sentido: “Direito das sucessões. Revogação de cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade impostas por testamento. Função social da propriedade. Dignidade da pessoa humana. Situação excepcional de necessidade financeira. Flexibilização da vedação contida no art. 1.676 do CC/16. Possibilidade. 1. Se a alienação do imóvel  gravado permite uma melhor adequação do patrimônio à sua função social e possibilita ao herdeiro sua sobrevivência e bem-estar, a comercialização do bem vai ao encontro do propósito do testador, que era, em princípio, o de amparar adequadamente o beneficiário das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. 2. A vedação contida no art. 1.676 do CC/16 poderá ser amenizada sempre que for verificada a presença de situação excepcional de necessidade financeira, apta a recomendar a liberação das restrições instituídas pelo testador. 3. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp 1158679/MG, Rel.ª Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 07.04.2011, DJe de 15.04.2011.)
 
Compulsando a peça inicial e as razões recursais dos apelantes, verifica-se que a intenção de levantar o gravame instituído sobre o imóvel doado não está amparado em qualquer situação de excepcional necessidade financeira. Por essa razão, deve ser prestigiada a vontade do doador falecido.
 
Com os acréscimos acima, acompanho o Relator, para negar provimento ao recurso, mantendo inalterada a r. sentença guerreada.
 
É como voto.
 
DES. VALDEZ LEITE MACHADO – De acordo com o Relator.
 
Súmula – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG