Jurisprudência mineira – Apelação cível – Ação de adoção – Manutenção de patronímico da mãe biológica no nome do adotado – Possibilidade in casu – Recurso não provido

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE ADOÇÃO – MANUTENÇÃO DE PATRONÍMICO DA MÃE BIOLÓGICA NO NOME DO ADOTADO – POSSIBILIDADE IN CASU – RECURSO NÃO PROVIDO
 
– Embora o art. 47, § 5º, do Estatuto da Criança e do Adolescente determine o acréscimo do nome do adotante ao nome civil do adotado, nada impede que, havendo concordância expressa destes, seja também mantido o patronímico da mãe biológica do menor, hipótese em que tal patronímico constituirá mera composição do prenome, não guardando qualquer relação jurídica com a ascendência biológica do adotado.
 
Apelação Cível nº 1.0024.12.069715-6/001 – Comarca de Belo Horizonte – Apelante: Ministério Público do Estado de Minas Gerais – Apelado: V.P.S. – Relator: Des. Belizário de Lacerda
 
ACÓRDÃO
 
Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em rejeitar a preliminar e negar provimento ao recurso. 
 
Belo Horizonte, 14 de maio de 2013. – Belizário de Lacerda – Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS
 
DES. BELIZÁRIO DE LACERDA – Cuida-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra a r. sentença de f. 30/32, a qual julgou procedente o pedido formulado na presente ação de adoção, deferindo o pedido de legitimação adotiva do menor E.R.C. em favor do requerente V.P.S., como se o menor dele tivesse nascido; declarou a extensão do vínculo à família do adotante e conferiu ao menor o patronímico do adotante, passando, consequentemente o nome do menor para E.R.S.
 
Em razões recursais de f. 48/52, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais suplica pela parcial reforma da sentença, a fim de que o nome do adotado passe a ser E.P.S., tendo em vista não ser possível a manutenção do apelido da família biológica. Foram apresentadas contrarrazões de f. 55/59, por meio das quais o apelado alega, preliminarmente, a ausência de interesse recursal e, no mérito, suplica pela manutenção da sentença guerreada.
 
Concitada a se manifestar no feito, a douta Procuradoria-Geral de Justiça emitiu judicioso parecer de f. 68/69, por meio do qual opina pelo provimento do recurso.
 
Conheço do recurso, visto que satisfeitos os seus pressupostos de admissibilidade.
 
Preliminar de ausência de interesse recursal.
 
Verifica-se das contrarrazões recursais que o apelado suscitou preliminar de ausência de interesse recursal do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, ao argumento de que este não poderia opinar pelo deferimento da adoção e, posteriormente, recorrer contra a sentença que a deferiu; ademais, argumenta que não houve qualquer prejuízo ao menor na manutenção do patronímico da mãe biológica, razão pela qual também inexistiria o interesse recursal.
 
Tenho que a preliminar há de ser repelida, tendo em vista que o Ministério Público não está a se insurgir contra o deferimento da adoção, mas sim contra a manutenção do patronímico da mãe biológica do adotado.
 
Entendendo o recorrente que tal manutenção viola o Estatuto da Criança e do Adolescente, tem legitimidade e interesse na interposição do competente recurso, haja vista operar como fiscal da lei.
 
Assim, rejeito a preliminar.
 
Conforme se denota dos autos, a irresignação do recorrente se dirige à disposição da sentença que conferiu ao adotado o nome de E.R.S.
 
No entendimento do apelante, o adotado deveria passar a se chamar E.P.S., tendo em vista que, com a adoção, resta o adotado desligado de qualquer vínculo com os pais e parentes biológicos, ressalvados os impedimentos matrimoniais, razão pela qual seria indevida a manutenção do patronímico da mãe biológica.
 
Acerca do tema, dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente que: 
 
“Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligandoo de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. 
 
[…]
 
Art. 47. O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão.
 
§ 1º A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome de seus ascendentes.
 
[…]
 
§ 5º A sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido de qualquer deles, poderá determinar a modificação do prenome.
 
[…]”
 
Consoante se infere dos dispositivos legais retrotranscritos, especialmente do § 5º do art. 47, embora seja obrigatório o acréscimo do nome do adotante ao nome civil do adotado, não há proibição de que, apesar do acréscimo, seja mantido o patronímico biológico da mãe do adotado.
 
Considerando que tanto o adotante quanto o adotado concordam expressamente com a manutenção do patronímico biológico da mãe deste último, não vejo óbice legal ao atendimento da pretensão destes.
 
Ademais, uma vez que não subsistirá no registro civil qualquer referência aos ascendentes biológicos do adotado, o patronímico da mãe biológica do adotado há de ser interpretado como parte do prenome do adotado, passando este a possuir prenome composto.
 
Em resumo, embora o art. 47, § 5º, do Estatuto da Criança e do Adolescente determine o acréscimo do nome do adotante ao nome civil do adotado, nada impede que, havendo concordância expressa destes, seja também mantido o patronímico da mãe biológica do menor, hipótese em que tal patronímico constituirá mera composição do prenome, não guardando qualquer relação jurídica com a ascendência biológica do adotado.
 
Por tais sucintos fundamentos é que nego provimento ao recurso. 
 
DES. PEIXOTO HENRIQUES – Com base nos arts. 41 e 47, §§ 1º, e 5º, do ECA (Lei nº 8.069/90), o Ministério Público do Estado de Minas Gerais defende ser defeso ao menor adotado manter em seu nome o patronímico de sua família biológica.
 
Na medida em que o menor expressamente manifestou o desejo de manter o patronímico de sua mãe biológica em seu nome (f. 28), em que a adoção deferida não importou na troca da maternidade do adotando e em que a escolha do nome está afeta à individualidade ou à personalidade do cidadão e, assim, acobertada pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88), o qual, em se tratando de menor, goza de absoluta prioridade (art. 227, caput, CF/88), reputo plenamente justificável o pretendido pelo adotante, deferido pelo d. Sentenciante e ratificado pelo em. Relator. 
 
Diante dessas particularidades, não vejo óbices à preservação do patronímico materno ("R.") pelo adotando. 
 
Impertinente, pois, a súplica recursal.
 
Acompanho o em. Relator.
 
DES. OLIVEIRA FIRMO – I –
 
1. Senhor Presidente, participo deste julgamento como Vogal, na forma do Regimento Interno do Tribunal de Justiça (RITJMG).
 
2. Chamo a atenção para este fato porque, como Juiz de carreira, acostumado a julgar de forma isolada, com base em meu convencimento livre (solitário) e motivado, competindo-me relatar, revisar e decidir o feito, tudo a um só tempo, entendo que o julgamento colegiado apresenta características próprias e contornos diferenciados.
 
3. Já em colegiado, a situação é diferente: há o debate que deságua na formação do convencimento de cada qual, sendo o resultado do julgamento a soma ou diferença da livre motivação fundamentada de cada julgador.
 
4. O princípio da colegialidade impõe que os julgamentos resultem do convencimento da maioria, unânime ou não.
 
II –
 
5. Neste cenário, compete ao Relator a condução do processo, presidindo os seus principais atos, instruindo-o quando necessário e resolvendo as questões que lhe são postas, sem afastar, contudo, a possibilidade/inevitabilidade de serem novamente submetidas ao colegiado.
 
6. Segundo o RITJMG, compete ao Relator: 
 
“Art. 89. Compete ao Relator, além de outras atribuições previstas na legislação processual:
 
[…]
 
XIV – lançar nos autos relatório que contenha sucinta exposição da matéria controvertida e da que, de ofício, possa vir a ser objeto do julgamento, mandando, a seguir e quando for o caso, o processo para o Revisor”.
 
7. Isso ocorre porque compete aos demais julgadores resolver, a partir do quanto consta do relatório, as questões debatidas nos autos, sob o seu aspecto fático e jurídico.
 
8. A exatidão entre o relatório e todos os fundamentos de fato e de direito da demanda conduz – assim é esperado – a um julgamento seguro, quiçá justo.
 
9. Num colegiado judicial de diferenças e semelhanças, a figura do Revisor é de suma importância no julgamento, pois assegura que haja congruência entre as questões constantes dos autos e aquelas descritas no relatório.
 
10. Por tudo isso, não é recomendável que o Relator apresente qualquer juízo de valor no relatório. 
 
O relatório isento, claro e coerente com os autos permite aos Pares do Relator a formação de um juízo imparcial e seguro quanto à matéria fática e jurídica debatida no "caso concreto".
 
11. A fidelidade e a congruência do relatório aos fatos e fundamentos da demanda é obrigação que primordialmente compete ao Relator, mas, para assegurá-las, atribuiu-se ao Revisor o poder/dever de corrigir eventuais desalinhos que possam comprometer o resultado do julgamento.
 
12. Assim, pelo RITMG, o Revisor tem os seguintes poderes/deveres: 
 
“Art. 91. Compete ao Revisor:
 
I – ordenar a volta dos autos ao Relator para:
 
a) sugerir-lhe diligências que, se aceitas, serão por ele determinadas;
 
b) se necessário, pedir-lhe pronunciamento sobre incidente ainda não resolvido ou surgido após o relatório;
 
II – lançar ‘visto’ nos autos, adotando, aditando ou sugerindo a retificação do relatório, devolvendo-os ao cartório com pedido de dia para julgamento”.
 
13. A congruência do relatório ao "caso concreto" é mais do que uma mera questão de estética ou mesmo de demonstração de que o processo foi efetivamente estudado.
 
14. Num julgamento colegiado, o vício no relatório altera a solução dada ao caso. Isso porque cada um dos julgadores exerce funções específicas no julgamento: Relator, Revisor e Vogal atuam nos limites das suas atribuições.
 
15. É importante salientar que o tradicional "de acordo" dado pelo Vogal em julgamento representa a sua aquiescência com a solução dada pelo Relator para cada uma das questões, de fato e de direito, apontadas no relatório.
 
16. O "de acordo" do Vogal tem, a meu aviso, dois aspectos: a) – atesta a confiabilidade do relatório, confirmando que Relator e Revisor cumpriram seus deveres de relatar e revisar o feito com as esperadas seriedade e congruência; b) – reflete a confluência de entendimentos quanto à solução dada ao "caso concreto".
 
Em se tratando de Vogal, é uma manifestação complexa, embora muitos assim não a entendam, banalizando-a muita vez. 
 
17. Já para o Revisor, o "de acordo" se refere apenas ao desfecho dado ao caso, pois, quanto ao relatório, tal já se afirmou quando pediu dia para julgamento do feito.
 
18. A exceção ao "de acordo" não ocorre somente quando há divergência de entendimentos; pode e deve ocorrer também quando o relatório não apresenta a necessária e esperada fidelidade com os elementos do processo, ensejando pedido de vista para solucionar uma outra questão que não foi bem definida no relatório. Por isso, não é fato corriqueiro (até mesmo incoerente com a dinâmica do colegiado) o Revisor pedir vista dos autos no curso do julgamento.
 
19. Quando o relatório se apresenta dissociado dos autos e o Revisor não constata este vício, o julgamento poderá ser prejudicado, pois não compete ao Vogal, que nem sequer teve acesso aos autos, presumir ou adivinhar outras questões existentes na demanda que não constaram do relatório então (mal) visto e revisto pelo Revisor.
 
20. Suficientemente delimitada a competência e atribuição de cada julgador, a existência de dupla ou tripla relatoria ofende à própria lógica do sistema de julgamento colegiado.
 
III –
 
21. O Vogal julga o processo com base nas principais questões controvertidas postas no relatório, assegurando (poder/dever) o Revisor que o Relator não omita aspecto relevante e imprescindível que possa prejudicar o julgamento do feito.
 
22. A importância do relatório no julgamento é indiscutível, pois, salvo o Revisor que tem o poder/dever de assegurar a sua congruência com as questões discutidas nos autos, os demais participantes do julgamento, na condição de Vogais, votam conforme o relatório.
 
23. Assim é o desenrolar do julgamento colegial: julgador que não assistir à leitura do relatório tem a prerrogativa de se abster de votar. Preceitua o RITJMG:
 
“Art. 107. Concluída a sustentação oral, o presidente tomará os votos do Relator, do Revisor e dos Vogais, na ordem decrescente de antiguidade.
 
§1º O desembargador que não houver assistido ao relatório poderá abster-se de votar, ou pedir adiamento do julgamento e vista dos autos, o que não impede que votem aqueles que se sentirem habilitados”.
 
24. No Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), a questão é tratada de forma ainda mais rigorosa, permitindo ao ministro que não participe do julgamento, quando não tenha assistido à leitura do relatório, ou, se necessária a sua participação para completar quórum, deverão ser renovados os relatórios e a sustentação oral. Assim:
 
“Art. 134. Se algum dos Ministros pedir vista dos autos, deverá apresentá-los, para prosseguimento da votação, até a segunda sessão ordinária.
 
§1º Ao reencetar-se o julgamento, serão computados os votos já proferidos pelos Ministros, ainda que não compareçam ou hajam deixado o exercício do cargo.
 
§2º Não participarão do julgamento os Ministros que não tenham assistido ao relatório ou aos debates, salvo quando se derem por esclarecidos.
 
§3º Se, para o efeito do quórum ou desempate na votação, for necessário o voto de Ministro nas condições do parágrafo anterior, serão renovados o relatório e a sustentação oral, computando-se os votos anteriormente proferidos”.
 
IV –
 
25. Com efeito, para não me furtar ao dever de participar dos julgamentos dos órgãos desta Casa, com a tranquilidade de não deixar questão alguma sem a devida análise, vejo-me, como Vogal, a compulsar cotidianamente todos os autos de cada sessão, relatando e revisando eventual incongruência ou mesmo esquecimento que possa ocorrer (justificado, por óbvio, pelo excesso de trabalho imposto aos Colegas).
 
26. Refletindo sobre tal atitude, vejo-me sem outra saída, compelido pela desumana distribuição de processos sob minha relatoria, senão a de rever este posicionamento, não por convencido de que equivocado, mas por entender que cada Membro deste Tribunal aqui está por ser profissional capacitado e cioso de suas obrigações (Relatores e Revisores).
 
27. Não há entre as funções de Vogal, Revisor e Relator diferenças quanto à responsabilidade pelo julgamento; todos são cúmplices e responsáveis por suas decisões. São atribuições diferentes, sendo dado a cada um saber o grau de zelo com que as exerce. É certo que uma ou outra repercutem no resultado do julgamento colegiado, e a primazia da relatoria, por eventual desídia da revisão ou do vocalato, conduz ao enfraquecimento e perecimento do colegiado.
 
28. Nessa esteira, mudo meu modo de agir enquanto Vogal. Primeiro, porque quero acreditar que os Colegas exercem suas atribuições neste colegiado ciosos do seu dever e juramento prestados na posse; e, em segundo lugar, por estar premido pela excessiva distribuição, que me impede de analisar os feitos como se deles fosse o Relator ou Revisor.
 
29. Confiante na fidelidade e congruência do relatório que me é apresentado, com a zelosa revisão que é peculiar do eminente Revisor, posso exercer o vocalato, com tranquilidade e segurança, sabendo que todas as questões debatidas nos autos foram trazidas a deslinde, pontualmente postas no relatório, sem omissões ou contradições que possam comprometer este julgamento.
 
V –
 
30. Neste "caso concreto", apoiado no relatório, acompanho o voto que acaba de proferir o Relator. É o meu voto.
 
Súmula – REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

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Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG