Monica e Theodora. Uma mulher vivida e uma pré-adolescente. O que elas têm em comum? As duas venceram a barreira do preconceito para ter uma família.
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Globo Repórter: Como você definiria a sua família?
Theodora Carvalho da Gama, 11 anos: legal, divertida, feliz, um monte de coisa.
Globo Repórter: diferente ou igual?
Theodora: diferente.
Globo Repórter: por que?
Theodora: tirando a mãe, põe o pai, mas depois é tudo igual.
Quando Vasco e Júnior conheceram Theodora, ela vivia num abrigo à espera de adoção.
“A juíza no laudo dela fala que nós seriamos a última chance da Theodora”, diz Júnior de Carvalho, cabeleireiro.
“Nós éramos a última opção dela senão ela continuaria no abrigo até surgir alguém que aceitaria aquele perfil dela. E como nosso perfil no cadastro era criança, menina de 5 anos, independente de cor. E os 44 casais na nossa fila não quiseram adota-la porque ela já tinha 4 anos de idade e era da cor negra”, completa Vasco da Gama, cabeleireiro.
Isso foi há quase sete anos. E a história do primeiro casal homossexual a adotar uma criança repercutiu por todo o país. No mundo. Nem os psicólogos indicados para acompanhar o caso sabiam como lidar bem com a novidade. Por isso, em vez de pai, o Júnior era chamado de padrinho da Theodora.
“Foi por conselho dos psicólogos é que eu apadrinhei a Theodora, porque diziam os psicólogos que a menina iria entrar em parafuso mental de chamar os dois de pai”, conta Júnior.
Mas, num comentário inocente, a Theodora resolveu a situação.
“’Ah, que legal, eu agora tenho dois pais’. Será que ela está se referindo a mim e à parte biológica? Aí eu perguntei: Dois pais, Theodora? Eu sou um pai, e quem é o outro?’ Ela falou: ‘Ele’. ‘Ele quem?’ ‘Ele, o pai Ju’”, lembra Vasco.
Ju de Júnior, que logo entrou com um pedido de reconhecimento também da paternidade dele.
“Aí, deu certo, o juiz deferiu a nossa dupla paternidade e na certidão de nascimento da Theodora consta lá Theodora Rafaela Carvalho da Gama, sendo filha de Vasco e Júnior, e sendo seus avós, os meus pais e os pais do Júnior”, revela Vasco.
Na certidão da Mônica e da Rosa, algo ainda causa um certo estranhamento. Ele e ela? Por que, se é lei? Desde maio, cartórios não podem recusar a celebração de casamentos civis de casais do mesmo sexo. Foi o que a Mônica e a Rosa fizeram.
Um dos primeiros casais no Brasil a oficializar o casamento gay. E porque então não ela e ela na certidão?
“Como foi bem recente eles nem tinham isso no sistema pra colocar, mas acredito que vá ficar ela e ela”, diz Mônica Vieira, decoradora.
O casamento, com festa foi mais um preconceito vencido. Antes, a Mônica precisou assumir a primeira filha. Sozinha.
“De superar obstáculos, porque é o que eu venho fazendo desde que me conheço por gente. É superar, passar por cima, cair, levantar, é assim”, afirma Mônica.
Hoje ela e a Rosa têm uma empresa de decoração. Duas das três filhas trabalham com elas. E uma neta, a Pamela, mora com o casal de avós. É muita mulher.
Amanda Ramos, fotógrafa: é a família TPM.
Globo Repórter: é só mulher e o seu marido?
Amanda: e o meu marido. Fica louco no meio da mulherada.
Mas a família TPM é mais.
“A gente briga, a gente faz festa, então é uma família como outra qualquer. Como a do vizinho, como a do outro vizinho”, diz Rosa Pelegrin, decoradora.
“A gente divide as contas, divide os trabalhos. É tudo igual”, completa Mônica.
E como foi contar para as filhas que estava apaixonada por uma mulher?
Mônica: Eu sentei com elas e expliquei a situação. Eu fui sincera. Coloquei as três e falei. ‘Acontece isso, isso e isso. Eu queria falar pra vocês porque não quero que saibam pela boca de ninguém. Quero que saibam por mim’.
Amanda: por ter sido casada tantos anos com o nosso pai, a gente nunca imaginou que ela fosse ser homossexual. Depois foi normal, normal.
Globo Repórter: preconceito tem ainda?
Amanda: sempre tem. Sempre tem aquelas pessoas maldosas que vem fazer alguns comentários, mas a gente já aprendeu a deixar isso de lado. Tem muita gente que compara: ‘ah, é melhor ser homossexual que bandido, que ser drogado’. E eu não gosto desses tipos de comentário. Não tem nada a ver você comparar um crime com o amor entre duas pessoas.
Globo Repórter: Hoje você tem a certeza a convicção de que sua mãe é feliz?
Amanda: tenho a certeza. Depois de 16 anos casada com o meu pai, eu nunca vi ela feliz como é hoje. Ela é muito feliz.
Globo Repórter: e vocês também?
Amanda: desculpa. Hoje a nossa família é uma família feliz. Graças a deus.
Já para ser totalmente feliz, a Theodora queria um irmão ou uma irmã. Então, Vasco e Júnior continuaram na fila de adoção.
Se fosse uma novela o que aconteceu em Catanduva quase que com certeza seria considerado um exagero, um delírio do autor, uma viagem. Só que com o Júnior, o Vasco, a Helena e a Theodora aconteceu de verdade.
Helena veio do mesmo abrigo de Theodora. E todo mundo achava as duas muitos parecidas.
“Nossa, tem os olhos da Theodora, a sobrancelha da Theodora. Só faltava ser irmã. será?”, diz Vasco.
Sim, irmã biológica. As duas tem a mesma mãe. Uma enorme coincidência. Só descoberta quando chegaram os documentos da menina para a adoção.
“Foi tudo muito natural e graças a Deus, as duas estão juntas. A Theodora ama a helena de paixão”, revela Vasco.
Hoje as duas estudam num colégio católico. A Theodora, vaidosa que só, adora um espelho. Mas também nada e faz ginástica. A Helena brinca. E não tente entrevistá-la. A repórter Zileide Silva tentou, mas desistiu.
Fonte: Globo Repórter