Sérgio Santos Rodrigues – ADVOGADO do escritório S. santos Rodrigues Advogados Associados, mestre em direito, conselheiro federal suplente da ordem dos advogados do brasil (oab), presidente da coordenação de defesa da liberdade contratual e vice-presidente da comissão de direito administrativo do conselho federal da oab.
Repercutiram em todo o estado, recentemente, diversas ações civis públicas (ACPs) movidas pela Associação Nacional de Defesa dos Concursos para Cartórios (Andecc) em face de oficiais de serventias extrajudiciais requerendo, em síntese, o reconhecimento da inconstitucionalidade do revogado artigo 66 dos Atos de Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado de Minas Gerais (ADCT-MG) e, por conseguinte, a suspensão dos efeitos do ato de outorga de delegação aos respectivos oficiais, com a declaração de vacância das serventias e sua inclusão para provimento em concurso, tudo isso antecipado em sede de pedido liminar.
A Andecc, por meio de ações idênticas em centenas de casos, que ignoram situações peculiares de cada requerido, questiona a legitimidade da outorga de serventias com base no artigo 66 do ADCT-MG, sustentando serem tais atos contrários ao artigo 236, §3º, da Constituição Federal de 1988, de modo que não poderiam produzir efeitos desde sua origem. Afirma que, ainda que não se reconheça a inconstitucionalidade daquele dispositivo do ADCT-MG, ele não mais teria qualquer eficácia depois do advento da Lei 8.935/94, que regulamentou o artigo da CF/88 acima mencionado.
Por fim, confirmando tratar-se de ações padronizadas e pouco atentas aos detalhes de cada caso concreto, alegou-se que os requeridos receberam a outorga da serventia já sob a égide da Lei 8.935/94 e que o fato em análise resultaria em afronta ao interesse da administração, à ordem pública e aos interesses coletivos e difusos.
Diante dessa síntese, o primeiro ponto que merece destaque é a ilegitimidade da Andecc para mover tais ações, nos termos do inciso XXI do artigo 5º da CF/88, que assim determina: “As entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”. (v. STF, RE 573.232).
Não havendo autorização expressa, não poderia a associação mover as ACPs. Tentando justificar sua legitimidade, a autora chega a invocar o artigo 129, III, da CF/88, que, como sabido, versa especificamente sobre funções institucionais do Ministério Público.
Ainda sob a ótica infraconstitucional, há que se destacar o artigo 5º da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), que atribui a uma associação legitimidade para ajuizar ações dessa natureza somente se constar de suas finalidades a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, que, certamente, não é o caso vertente.
Além da flagrante ilegitimidade ativa, os pedidos formulados na ação também são juridicamente impossíveis, pois não consta requerimento expresso de anulação do ato que resultou na delegação efetiva. Assim, por meio de pedidos extremamente genéricos e sem formulação de requerimento expresso de anulação de um ato específico, requer-se a declaração de vacância de serventias que só podem ser identificadas – com pouca ou nenhuma segurança – no preâmbulo da inicial que, repita-se, é a mesma em todos os casos, independentemente da condição de cada requerido.
Tal posicionamento, inclusive, foi adotado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais no julgamento de ação análoga, qual seja, a Apelação 1.0024.99.154565-8/001, 7ª Câmara Cível, julgada em 23/8/05. Assim conclui o voto condutor do acórdão: “E a segunda inarredável conclusão, de impossibilidade jurídica do pedido, na medida em que não se pediu, na inicial, a anulação dos atos de delegação, o que, como se mencionou, apresentava-se como necessário e imprescindível para que o processo pudesse ter regular e válido desenvolvimento”.
Em ação recente, o magistrado da 1ª Vara Cível de São João del-Rei adotou este posicionamento no julgamento do processo 0079407-35.2013.8.13.0625: “Verifica-se, de plano, que só há possibilidade de abertura de concurso em caso de vacância de serventia, o que não se vislumbra na espécie. A inicial deve ser indeferida porque foi aviado pedido juridicamente impossível, qual seja, a realização de concurso sem vacância de serventia. Ante o exposto, julgo extinta a presente ação com fincas no artigo 267, I; 295, I; e parágrafo único, inciso III, todos do Código de Processo Civil”.
Além dessas preliminares, incidem sobre a causa as prejudiciais de decadência e prescrição. Esta, pela aplicabilidade do Decreto 20.910/32, que determina a prescrição quinquenal para casos desta natureza e, embora seja norma da década de 1930, é constantemente utilizada em nossos tribunais, sobretudo no Superior Tribunal de Justiça (STJ) – REsp. 1.251.993, de 12/12/12 e AgRg no AREsp. 202.429, de 5/9/13.
Já a decadência decorre da aplicação do artigo 54 da Lei 9.784/99: “O direito da administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”.
Ultrapassadas essas questões, no mérito também não merece prosperar o pedido da Andecc. Além de ser legítima a regra de transição prevista no artigo 66 do ADCT-MG, o princípio da segurança jurídica e a teoria do fato consumado, tantas vezes invocados pelos tribunais superiores, devem ser aplicados nesses casos. Ressalte-se que praticamente a totalidade dos requeridos encontra-se como substitutos das serventias há mais 20 anos – alguns há 40 anos! Diferentemente do afirmado na inicial, foram titularizados antes da lei de 1994, que regulamentou os concursos.
No Supremo Tribunal Federal (STF), destacamos parte do acórdão do MS 22.357, relator ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 27/5/04: “(…) Concurso de circunstâncias específicas e excepcionais que revelam: a boa-fé dos impetrantes; a realização de processo seletivo rigoroso; a observância do regulamento da Infraero, vigente à época da realização do processo seletivo; a existência de controvérsia, à época das contratações, quanto à exigência, nos termos do artigo 37 da Constituição, de concurso público no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista. Circunstâncias que, aliadas ao longo período de tempo transcorrido, afastam a alegada nulidade das contratações dos impetrantes.”
Embora o espaço seja reduzido para tratar assunto de tanta importância, as linhas gerais sobre o tema foram abordadas. Espera-se que os temerosos pedidos de liminar não sejam acatados, até porque, processualmente, não há periculum in mora que justifique retirar liminarmente da função alguém que a ocupa há tanto tempo.
Fonte: Jornal Estado de Minas – Caderno Direito e Justiça