Cartórios de Sorocaba (SP) registraram aumento de 144% desde 2002. Em Marília (SP), números são ainda maiores: 302% em dez anos.
Embora ainda incomum, o número de homens que adotam o sobrenome da mulher após o casamento aumentou. Uma década depois da mudança no Código Civil Brasileiro, que permitiu ao homem adotar o sobrenome da mulher, em 2002, a prática vem se tornando comum. No Estado de São Paulo, em média, 34% dos casamentos são celebrados no civil com o noivo ganhando um sobrenome a mais. Só na região de Sorocaba (SP), esse crescimento foi de 144%, entre 2002 e 2012, de acordo com dados da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen-SP).
O enfermeiro Bruno César Bifano faz parte dessa estatística. Ele explica que quando casou, acabou adotando o sobrenome ‘Ayres Saraiva’ da noiva Camila. Para Bruno, a ação foi uma forma de homenagear a família de Camila. “Eu gosto muito da família dela, por isso, decidi fazer essa surpresa. No começo, todo mundo achou estranho, até o meu pai, os meus amigos. Ouvi muitas piadas machistas, mas foi uma opção, ninguém me obrigou”, destaca.
Os dois se casaram em 2009 e adotaram os sobrenomes um do outro. Camila comenta que até ela ficou surpresa. “Eu só fiquei sabendo quando o funcionário do cartório perguntou como o nosso nome ia ficar depois do casamento e ele contou que ia adotar o meu sobrenome. Ele disse que já que era para ser uma família, todo mundo ia ficar com o mesmo sobrenome e foi uma delícia, porque o meu pai sempre adorou o Bruno. Agora ele fala que tem três filhos, além de mim e do meu irmão”, relembra Camila.
Além de adotar o sobrenome da esposa, Bruno conta que ainda vai influenciar outras gerações e ensinar as novas práticas para o filho, João Enrico Ayres Saraiva Bifano, de três anos. “Eu acho legal e nada constrangedor. Eu vou orientá-lo a fazer a mesma coisa quando ele encontrar a pessoa certa”, aponta.
Outro casal de Sorocaba que optou por essa escolha foi Paulo e Illane Takigawa. Ele que não tem os ‘olhos puxados’ recebeu da esposa o sobrenome da família oriental. Paulo conta que, ao contrário de Bruno, a ação foi uma sugestão do sogro, que, segundo ele, se transformou em uma prova de amor.
“Em primeiro lugar prevaleceu a demonstração de amor e carinho, então, para mim, o sobrenome seria menos importante”, ressalta.
Se para Paulo não faz muita diferença, para a esposa Illane, a ação é um gesto de confiança. “Primeiro achei que ele não aceitaria, porque não faz parte do costume, mas achei um gesto muito bonito. Uma grande prova de amor”, completa Illane.
Região de Marília
Prova de amor essa que aumentou em 302%, entre 2002 e 2012, na região de Marília (SP), de acordo com pesquisa da Arpen-SP.
Em um cartório de Marília, que realiza em média 70 casamentos por mês, em pelo menos 10% são os homens que acrescentam um sobrenome a mais, como afirma o chefe do cartório, Antônio Parra. "A Constituição prevê direitos iguais para o homem e para a mulher. Se a mulher pode adotar o nome do homem, por que o homem não pode adotar o sobrenome da mulher?", ressalta.
O vendedor Leandro, que ganhou o Poker, conta que também optou por usar o sobrenome da esposa Giovana após o casamento, realizado em março de 2012. Ele diz que a ação foi para atender ao pedido da companheira. “Ela falou assim: ‘Amor, ao invés de eu colocar o seu sobrenome, porque você não coloca o meu?’ Eu disse que tudo bem. Fiz isso como prova de amor a ela. Ela ficou muito contente. E também é uma grande responsabilidade, porque a gente carrega o nome da outra pessoa".
Mas tomar a decisão, relata Leandro, causou um certo espanto aos parentes. "Eles disseram ‘Mas você vai colocar o nome dela? Mas pode isso? Geralmente é a mulher que coloca o do homem’. Mas não brigaram, não falaram nada. Alguns amigos apenas que ficaram desconfiados”, conta Leandro, todo feliz pela decisão.
Mas não é tão fácil falar sobre o assunto para muitos homens, que veem o tema como polêmico e até constrangedor, por causa de ‘certas bricnadeiras’.
O sociólogo José Geraldo Bertoncini explica que, além da mudança na lei, nos últimos anos, também houve uma mudança no comportamento dos homens, quando o assunto é casamento. "Isso também indica que o machismo está declinando, está enfraquecendo. Significa que em um passo bastante rápido, a relação de gênero se modifique bastante no Brasil, sobretudo, por conta de em casa os papéis estarem sendo muito modificados. Os papéis de homens, papéis de mulheres, estarem cada vez mais flexíveis".
Aos 82 anos, o aposentado João Baptista Guimarães conta que é da época em que a mulher era obrigada a adotar o sobrenome do marido. A situação contrária, para ele, é considerada ‘muita moderninha’. “Está errado. A mulher tem que adotar o sobrenome do homem. Mas está tudo mudado hojem em dia que a gente nem sabe mais o que fazer”, comenta o aposentado.
O operador de produção Gleyson Barbosa diz que não é tão radical. Ele até adotaria o sobrenome da esposa, mas com ressalvas. “Meu pai ficaria triste se eu usasse o nome de outro homem. Eu até usaria o sobrenome da mãe dela, mas o do pai não”, brinca.
Curiosidades
Mesmo com o aumento do número de homens que adotam o sobrenome da mulher, a situação inversa ainda é maioria, apesar da queda na última década. Se em 2002, 91,67% das mulheres adotavam o sobrenome do companheiro após o matrimônio, em 2012 esse número caiu para 85,75%.
De acordo com a pesquisa da Arpen-SP, apenas 7,24% dos homens adotavam o sobrenome da esposa em 2002. Já em 2012, este número saltou para 17,66% do total de matrimônios da cidade. Os dados foram levantados por meio da Central de Informações do Registro Civil (CRC), o sistema de informações abastecido pelos cartórios paulistas.
As alterações que permitem a adoção do sobrenome da família da esposa pelo marido foram feitas em 2002 no Código Civil Brasileiro, mas continuam atraindo a curiosidade dos casais.
Com a edição do novo Código, ficou normatizado que qualquer um dos cônjuges pode acrescentar o sobrenome do outro (art. 1565 § 1º). Ainda que a Constituição Federal de 1988 já igualasse homens e mulheres, não havia até 2002 uma norma que permitisse que os homens também adotassem a mudança do sobrenome.
Cabe a cada estado regulamentar a supressão dos sobrenomes de solteiro. Em São Paulo, é possível retirar um ou mais sobrenomes, mas é preciso manter pelo menos um sobrenome do nome de solteiro.
Quem muda o nome deve providenciar a alteração de todos os documentos pessoais. O novo sobrenome deve constar no RG, CPF, CNH, Título de Eleitor, Passaporte, cadastro bancário, registros imobiliários e também no local de trabalho. Caso não queira fazer a mudança, é preciso apresentar a certidão de casamento quando for necessário comprovar a nova identificação.
A adoção do sobrenome dos maridos no Brasil só passou a ser opcional em 1977 com a Lei do Divórcio. Em 1916, a Constituição obrigava as mulheres a adotarem o sobrenome do marido após o casamento.
Fonte: G1