Jurisprudência mineira – Ação de interdição – Interditando portador de surdo-mudez – Prova pericial que não atesta a incapacidade

AÇÃO DE INTERDIÇÃO – INTERDITANDO PORTADOR DE SURDO-MUDEZ – PROVA PERICIAL QUE NÃO ATESTA A INCAPACIDADE – CURATELA – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA


– Não interposto recurso contra a decisão que indeferiu o pedido de elaboração de nova perícia, opera-se preclusão temporal, sendo incabível nova discussão em sede de apelação.


– O laudo pericial elaborado de modo fundamentado e lógico, por médico de confiança do Juízo, e que se atém às peculiaridades do caso, mostra-se de inegável valia para o reconhecimento de eventual incapacidade do interditando.


– Tendo em vista que o interditando, apesar de portador de surdo-mudez, mantém discernimento para a prática dos atos da vida civil, sem riscos ou prejuízos, deve ser mantida a decisão que julgou improcedente o pedido da ação de interdição.


– Recurso desprovido.


Apelação Cível nº 1.0657.11.001438-5/001 – Comarca de Senador Firmino – Apelante: Meire da Conceição Faria Silva – Interessado: Eliane Aparecida Faria – Relatora: Des.ª Ana Paula Caixeta


ACÓRDÃO


Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em rejeitar a preliminar e negar provimento ao recurso.


Belo Horizonte, 26 de fevereiro de 2015. – Ana Paula Caixeta – Relatora.


NOTAS TAQUIGRÁFICAS


DES.ª ANA PAULA CAIXETA – Trata-se de apelação cível interposta por Meire da Conceição Faria Silva em face da sentença de f. 67/69, proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Senador Firmino, Dr. Eduardo Rabelo Thebit Dolabela, nos autos da ação de interdição manejada pela apelante em face de Eliane Aparecida Faria.


Adoto o relatório da sentença de origem, acrescentando que o pedido inicial foi julgado improcedente, e a autora condenada ao pagamento das custas processuais, suspensa a exigibilidade por litigar sob o pálio da justiça gratuita.


Inconformada, a autora interpôs o presente recurso sustentando, em resumo, que pretende interditar sua irmã, Eliane Aparecida Faria, tendo em vista ser esta portadora de patologia de órgãos sensitivos de caráter genético – surda e muda, doença que a impede de exercer as atividades laborativas. Aduziu que o laudo pericial de f. 31 foi elaborado por profissional que não é especialista em neurologia, encontrando-se em conflito com o outro relatório médico que integra o feito, este sim elaborado por neurologista. Requereu, assim, o provimento do recurso, reconhecendo-se a procedência do pedido inicial. 


Não houve apresentação de contrarrazões (certidão de f. 80).


Intervindo no feito, o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Saulo de Tarso Paixão Maciel, opinou pela anulação parcial do processo para que seja realizada nova perícia e, apresentado o laudo, designada audiência de instrução e julgamento (f. 86/90). 


Conheço do recurso, porque presentes seus pressupostos de admissibilidade.


Preliminar – Nulidade parcial do processo.


Verifico que o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Saulo de Tarso Paixão Maciel, suscitou a nulidade parcial do processo, uma vez que “a interdição não pode prescindir de demonstração cabal da incapacidade do interditando” (f. 88). 


Data venia, entendo que razão não lhe assiste.


Através da presente demanda, a requerente pretende interditar sua irmã, portadora de surdo-mudez, a qual não se encontraria apta para gerir seu patrimônio e praticar os demais atos da vida civil.


Após minucioso exame de todo o processado, cheguei à conclusão de que não há que se falar em elaboração de novo laudo pericial. Explico.


A parte autora foi devidamente intimada para se manifestar sobre o trabalho técnico elaborado pelo médico de confiança do Juízo de primeiro grau, e, em sua manifestação, requereu a elaboração de novo laudo pericial (f. 30 e 41). Ocorre que, contra a decisão que indeferiu a realização de nova perícia (devidamente fundamentada, diga-se de passagem – f. 44), não foi interposto recurso de qualquer natureza, operando-se, pois, preclusão, na forma dos arts. 183 e 473, ambos do CPC, in verbis:


“Art. 183. Decorrido o prazo, extingue-se, independentemente de declaração judicial, o direito de praticar o ato, ficando salvo, porém, à parte provar que o não realizou por justa causa.


[…]


Art. 473. É defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão.” Sobre o tema, prelecionam Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero:


“Se a parte discute essa ou aquela questão no curso do processo, a decisão a respeito faz precluir a possibilidade de a parte continuar a discuti-la na mesma instância. A parte só poderá voltar a discutir a questão já decidida, se, oportunamente, recorreu da decisão” (Código de Processo Civil Comentado. RT, 2008, p. 450, g. n.).


Mutatis mutandis, já decidiu este Eg. TJMG:


“Direito processual civil. Apelação. Execução fiscal. Decisão interlocutória. Emenda da inicial. Não cumprimento. Ausência de recurso. Extinção do processo. Preclusão. Recurso não provido. – Se a exequente não recorreu da decisão interlocutória que determinou a emenda da inicial, sob pena de seu indeferimento, precluiu o direito de discutir, na apelação, as questões relacionadas à mencionada decisão” (Apelação Cível 1.0035.11.014587-3/001, Relator: Des. Moreira Diniz, 4ª Câmara Cível, j. em 24.10.2013, p. em 1º.11.2013).


“Apelação cível. Determinação de emenda da inicial. Omissão. Não interposição de recurso próprio. Indeferimento da inicial. Apelação. Não conhecimento. Preclusão. – Por força do art. 473 do CPC, é impossível reabrir discussão preclusa referente à decisão interlocutória contra a qual a parte não se insurgiu a tempo e modo” (Apelação Cível 1.0016.13.011289-5/001, Relator: Des. Versiani Penna, 5ª Câmara Cível, j. em 13.03.2014, p. em 21.03.2014).


Não cabe a esta instância revisora, agora, determinar a elaboração de nova prova pericial se a própria parte autora não se insurgiu contra a decisão interlocutória que indeferiu a realização de novo trabalho.


Se a prova dos autos é insuficiente para atestar a alegada incapacidade da requerida, a hipótese é de improcedência do pedido, ou seja, não haverá interdição sem comprovação cabal da restrição mental, e isso será devidamente examinado no mérito do recurso.


Rejeito a preliminar.


Mérito.


É sabido que a interdição constitui medida judicial extrema, na medida em que priva pessoa maior, porém sem discernimento, de gerir seus próprios bens e de praticar atos da vida civil. A procedência do pedido deve se calcar em prova cabal da incapacidade do interditando, cuja averiguação pertence a outro universo do conhecimento, pois, em regra, somente exame médico-pericial na pessoa a ser interditada pode embasar, com segurança, uma decisão pela interdição.


O Código Civil, em seus arts. 1.767 a 1.783, disciplina a matéria dos interditos, ou seja, daqueles que estão sujeitos a curatela. 


Maria Berenice Dias, sobre o tema, disserta:


“A curatela é instituto protetivo dos maiores de idade, mas incapazes, isto é, sem condições de zelar por seus próprios interesses, reger sua vida e administrar seu patrimônio. […] A proteção deve ocorrer na exata medida da ausência de discernimento, para que não haja supressão da autonomia, dos espaços de liberdade. […] Como bem resume Ana Carolina Brochado Teixeira: a real necessidade da pessoa com algum tipo de doença mental é menos a substituição na gestão patrimonial e mais, como decorrência do princípio da solidariedade e da função protetiva do curador, garantir a dignidade, a qualidade de vida, a recuperação da saúde, a inserção social do interditado. […] Como são diferenciados os graus de discernimento e inaptidão mental, a curatela admite graduações, gerando efeitos distintos a depender do nível de consciência do interditando” (Manual de Direito das Famílias. 8. ed. RT, 2012, p. 621/625).


Como visto, a curatela admite graduações, podendo o interditando ser considerado relativa ou absolutamente incapaz para os atos da vida civil.


No caso sub judice, depois de analisar detidamente o processo, estou convencida do acerto da decisão objurgada, que concluiu pela improcedência da pretensão inicial. Vejamos.


O laudo médico elaborado pelo perito de confiança do Juízo a quo é seguro no sentido de demonstrar que a apelada, apesar de ser portadora de surdo-mudez, não se encontra com sua capacidade cognitiva afetada.


Transcrevo trechos do laudo pericial médico, de suma importância para afastar a alegada incapacidade da interditanda para os atos da vida civil:


“1 – […] A autora apresenta anomalia em órgão dos sentidos. Surdo-mudez.


2 – Não apresenta anomalia psíquica.


3 – A anomalia é congênita e irreversível.


[…]


7 – Dificulta sua comunicação, não impedindo de praticar atos da vida civil, inclusive a gestão de seus bens.


[…]


9 – Por ser surda-muda, apresenta deficiência física que dificulta e não impossibilita de exprimir sua vontade.”


Com o devido respeito, o simples fato de a interditanda possuir limitações que a impedem de se comunicar verbalmente de forma oral não pode levar ao entendimento de que esta não possui discernimento suficiente para gerenciar sozinha seus interesses, devendo prevalecer a conclusão no sentido de que esta é plenamente capaz, advinda do laudo pericial, realizado de forma fundamentada e lógica, apreciando as peculiaridades do caso concreto.


De se dizer que, apesar de conflitante com o laudo apresentado unilateralmente pela parte autora, merece maior credibilidade o trabalho do perito oficial do Juízo, dotado de imparcialidade e que se encontra equidistante do interesse das partes. De mais a mais, como visto, não houve recurso contra a decisão que indeferiu a realização de nova perícia.


A interdição é medida gravosa que não pode ser decretada indistintamente. Na hipótese dos autos, portanto, o caso é de improcedência do pedido inicial, como bem ressaltou o douto sentenciante.


Em caso análogo, já se manifestou este Eg. Tribunal:


“Interdição. Audiência de instrução e julgamento após a apresentação do laudo pericial. Desnecessidade. Incapacidade do interditando para a prática de atos da vida civil e para gerir seus próprios bens. Inexistência. Improcedência do pedido. – Nas ações de jurisdição voluntária, a designação de audiência de instrução e julgamento não é obrigatória, sendo necessária a sua realização apenas quando houver prova oral a ser produzida. – A interdição se destina a proteger aqueles que, embora maiores, não têm capacidade para gerir seus próprios bens e praticar atos da vida civil. – Demonstrado nos autos que o requerido não sofre de qualquer moléstia ou transtorno que o incapacite para os atos da vida civil, descabe decretar a interdição. – Preliminar rejeitada. Recurso não provido” (TJMG – Apelação Cível 1.0153.10.009695-4/001, Relatora: Des.ª Heloisa Combat, 4ª Câmara Cível, j. em 23.08.2012, p. em 28.08.2012) (g. n.).


Com essas considerações, rejeito a preliminar e nego provimento ao recurso.


Custas recursais ex lege.


Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Renato Dresch e Dárcio Lopardi Mendes.
Súmula – REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

 

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG