A lei 6.015/73 disciplina, em seu artigo 53, o registro de nascimento nos casos de crianças nascidas mortas ou daquelas que tiverem morrido na ocasião do parto.
Em seu parágrafo primeiro está previsto o caso de criança nascida morta (natimorto), que será feito o registro no livro “C” auxiliar.
Já no parágrafo segundo, está previsto que se a criança morrer na ocasião do parto, tendo, entretanto, respirado, serão feitos os dois assentos, o de nascimento e o de óbito.
Seja no caso de criança nascido morta ou de criança que morre na ocasião do parto, o estabelecimento da paternidade na forma da lei civil se faz necessário, não bastando o lançamento do nome de pai que consta na declaração médica.
Nesse sentido disciplina o parágrafo segundo do artigo 54 da Lei de Registros Públicos:
§ 2o O nome do pai constante da Declaração de Nascido Vivo não constitui prova ou presunção da paternidade, somente podendo ser lançado no registro de nascimento quando verificado nos termos da legislação civil vigente.
Tal regra trata apenas da Declaração de Nascido Vivo, mas pelos mesmos motivos que ensejaram o texto da lei, não poderia o nome de pai constante da Declaração de Óbito (da criança que morre na ocasião do parto) ou da Declaração de Óbito Fetal (do natimorto) constituir prova ou presunção de paternidade, sendo necessário o estabelecimento de filiação na forma da lei civil para que se lance o nome do pai, seja nos registros da criança que falece na ocasião do parto, seja no registro de natimorto.
Não poderia ser diferente, pois é o Oficial de Registro Civil que detém competência e fé pública para averiguar a presunção ou declaração de paternidade, na forma da lei civil.
O Código Civil Brasileiro regulamenta no artigo 1.597 casos de presunção de paternidade em decorrência de casamento.
Em muitos casos, os genitores não são casados, o casamento não pode ser comprovado, ou, apesar da existência do casamento, os pais estão separados de fato ou filho não é havido do matrimonio registrado.
Nesses casos em que não incide a presunção, o genitor precisa manifestar sua vontade, e o artigo 1.609 do Código Civil disciplina tais situações, indicando com primeira forma aquela feita no registro de nascimento.
A mencionada manifestação de vontade é o reconhecimento espontâneo de filho, que é ato jurídico em sentido estrito, unilateral, personalíssimo, formal e incondicional. Todavia, sofre certas restrições previstas em lei.
Entre tais restrições, vislumbra-se o artigo 1.609, parágrafo único, do Código Civil, segundo o qual: “o reconhecimento pode ser posterior ao falecimento do filho, se ele deixar descendentes”.
O objetivo do parágrafo único acima mencionado é evitar o “reconhecimento por interesse”, pois, de acordo com o artigo 1.829 do Código Civil, o ascendente está na ordem de vocação hereditária.
Veja-se que não é incomum, mesmo um recém-nascido possuir bens, pois ele pode ter recebido por doação ou herença , mesmo antes do nascimento, então uma pessoa, sabendo dessa situação, reconhece um recém-nascido para entrar na ordem de vocação hereditária.
Questiona-se como se deve proceder ao reconhecimento de filho no momento dos registros do artigo 53 da Lei 6.015 em face da disposição do artigo 1.609, parágrafo único, do Código Civil.
Essa questão não encontra maiores problemas nos casos de natimorto, pois o Código Civil, no artigo 2º, dispõe que “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” Sendo assim, o natimorto, que não nasceu com vida”, nunca foi sujeito de direitos patrimoniais, apenas de direitos de personalidade, segundo a teoria mista ou moderada da personalidade do nascituro (o mesmo efeito de não aquisição de direitos patrimoniais seria extraído da teoria da personalidade condicional e da teoria natalista ).
Todavia, a criança que nasce e logo após falece pode ser titular de direitos patrimoniais, sendo assim, poderia o genitor comparecer em cartório para registrar um recém-nascido falecido como filho?
Nosso entendimento é que dentro do prazo estipulado na lei (vide artigos 50, 51 e 52 da lei 6.015/73), o reconhecimento no momento do próprio registro de nascimento pode ser feito.
O que ora se sustenta é que, em caso de registro feito durante o prazo legal deve ser presumido que o genitor está agindo de boa-fé, visando também à dignidade da pessoa humana e o direito de personalidade do recém-nascido que veio a óbito, constando de seu registro o nome de ambo os pais. De maneira que, em que pese o disposto no parágrafo único do artigo 1.609 do Código Civil, deve ser aceito o reconhecimento de filho em tais condições.
Relembre-se que, havendo discussão de eventual direito hereditário, o reconhecimento de paternidade pode ser revogado por ação judicial embasada no confiável exame de DNA e o genitor que reconheceu, o qual, caso comprovada má-fé, poderá ser responsabilizado.
Portanto, entendemos, salvo melhor juízo, que, mesmo que o recém-nascido tenha falecido, se o genitor comparecer dentro do prazo legal para registro de nascimento, deve ser inserido o seu nome no assento de nascimento, presumindo sua boa-fé, que poderá ser contestada, caso haja indícios de falsidade.
Fonte: Arpen SP