APELAÇÃO CÍVEL – ADOÇÃO DE MAIOR DE IDADE – ADOÇÃO POR ASCENDENTES – VEDAÇÃO DO ART. 42, § 1º, DO ECA – NORMA DE APLICAÇÃO CONTROVERTIDA – ADMISSÃO EM TESE EM SITUAÇOES EXCEPCIONAIS – POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO
– A possibilidade jurídica decorre da compatibilidade em tese da pretensão com o ordenamento jurídico vigente.
– A vedação legal que impede o conhecimento da demanda, afetando a condição da ação, deve ser expressa, inequívoca e consolidada.
– Sendo controvertida a aplicação analógica da vedação contida no art. 42, § 1º, do ECA à adoção de maiores de idade e, admitido pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, em casos excepcionais, a adoção da neta pelos avós, privilegiando a filiação socioafetiva, não se reconhece a impossibilidade jurídica do pedido.
Recurso provido.
Apelação Cível nº 1.0358.14.001723-9/001 – Comarca de Jequitinhonha – Apelantes: M.D.P.A. e outro, M.P.A. – Apelados: C.M.P.A., A.P.M. – Interessado: B.M.P.A. – Relatora: Des.ª Heloísa Combat
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar provimento à apelação.
Belo Horizonte, 25 de junho de 2015. – Heloísa Combat – Relatora.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES.ª HELOÍSA COMBAT – Conheço do recurso voluntário, presentes os seus pressupostos subjetivos e objetivos de admissibilidade.
Trata-se de apelação cível, interposta por M.D.P.A e M.P.A. contra a r. sentença do MM. Juiz da Vara Única da Comarca de Jequitinhonha, que julgou extinta, com fulcro no art. 267, VI, do CPC, a ação de adoção movida pelos apelantes contra C.M.P.A. e A.P.M., compreendendo ser juridicamente impossível a pretensão de adoção da neta pelos avós.
A possibilidade jurídica do pedido constitui uma das condições da ação e corresponde à compatibilidade da pretensão com o ordenamento jurídico vigente.
Nesse exame relativo aos pressupostos necessários para o conhecimento da demanda, descabe ao Magistrado dirimir o conflito de interesses, firmando desde logo o seu convencimento jurídico sobre a questão litigiosa.
Assim, a viabilidade jurídica do provimento jurisdicional deve ser deduzida em tese, de forma abstrata, e se reconhece quando a postulação encontra no direito positivo respaldo e amparo.
Nesta linha:
"Por possibilidade jurídica do pedido entende-se a admissibilidade da pretensão perante o ordenamento jurídico, ou seja, previsão ou ausência da vedação, no direito vigente, do que se postula na causa" (STJ -RT 652/183).
Somente se reconhece obstáculo legal para o conhecimento da demanda quando esse se mostre inequívoco, expresso e consolidado, sob pena de se admitir indevida supressão do direito de ação à Justiça.
Diante de preceitos legais que admitam interpretações e aplicações compatíveis com o provimento buscado, não se reconhece existir vedação legal expressa à própria prestação jurisdicional nem falta condição da ação, sendo o caso de receber a demanda e conferir-lhe regular tramitação.
No caso em comento, o digno Sentenciante firmou o entendimento de que a pretensão dos avós à adoção da neta é vedada pelo art. 42, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O preceito legal que fundamenta a decisão versa, in litteris, que não podem adotar os ascendentes e irmãos do adotando.
Em princípio, poder-se-ia reconhecer faltar condição da ação pela relação entre os progenitores e sua neta; contudo, a norma em questão não tem aplicação no caso concreto, em que a adotanda é maior de idade.
Versa o art. 39 da Lei 8.069/90 que a adoção de crianças e adolescentes deve ser regida pelo disposto naquele regramento. Em se tratando de adotando maior de idade, o instituto é submetido às normas do Código Civil, sendo eventual aplicação do ECA cabível em caráter excepcional e para suprir lacunas da lei.
A aplicação da vedação contida na Lei 8.069/90, específica para a adoção menorista, por analogia à adoção civil, não poderia constituir situação de impossibilidade jurídica, pois decorre do convencimento do juiz sobre a matéria controvertida, e não de preceito legal expresso.
Nesse exame, cumpre ponderar que a adoção de menor tem como decorrência o exercício do poder familiar, exigindo que sejam apuradas as condições do adotante para cuidar dos interesses da criança ou do adolescente, tê-los em sua companhia e prover o seu sustento e educação.
Quando não mais sujeitos os filhos ao poder familiar, a finalidade da adoção será primordialmente de compatibilizar a situação de filiação com o vínculo socioafetivo existente.
Ademais, mesmo em relação a crianças e adolescentes, o preceito do art. 42, § 1º, do ECA tem recebido temperamentos, em vista da interpretação finalística e contextual da norma, tendo em vista principalmente os melhores interesses do menor.
Recentemente, o colendo Superior Tribunal de Justiça, Corte constituída para consolidar a interpretação da legislação federal, admitiu a adoção de neta pelos avós em situação peculiar em que a pouca idade da mãe da adotanda impediu a formação dos laços naturais da maternidade biológica.
Confira-se a ementa:
"Estatuto da Criança e do Adolescente. Recurso especial. Ação de adoção c/c destituição do poder familiar movida pelos ascendentes que já exerciam a paternidade socioafetiva. Sentença e acórdão estadual pela procedência do pedido. Mãe biológica adotada aos oito anos de idade grávida do adotando. Alegação de negativa de vigência ao art. 535 do CPC. Ausência de omissão, obscuridade ou contradição no acórdão recorrido. Suposta violação dos arts. 39, § 1º; 41, caput; 42, §§ 1º, e 43, todos da Lei nº 8.069/90, bem como do art. 267, VI, do Código de Processo Civil. Inexistência. Discussão centrada na vedação constante do art. 42, § 1º, do ECA. Comando que não merece aplicação por descuidar da realidade fática dos autos. Prevalência dos princípios da proteção integral e da garantia do melhor interesse do menor. Art. 6º do ECA. Incidência. Interpretação da norma feita pelo juiz no caso concreto. Possibilidade. Adoção mantida. Recurso improvido. 1. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração. 2. As estruturas familiares estão em constante mutação e para se lidar com elas não bastam somente as leis. É necessário buscar subsídios em diversas áreas, levando-se em conta aspectos individuais de cada situação e os direitos de 3ª geração. 3. Pais que adotaram uma criança de oito anos de idade, já grávida, em razão de abuso sexual sofrido e, por sua tenríssima idade de mãe, passaram a exercer a paternidade socioafetiva de fato do filho dela, nascido quando contava apenas 9 anos de idade. 4. A vedação da adoção de descendente por ascendente, prevista no art. 42, § 1º, do ECA, visou evitar que o instituto fosse indevidamente utilizado com intuitos meramente patrimoniais ou assistenciais, bem como buscou proteger o adotando em relação a eventual ‘confusão mental e patrimonial’ decorrente da ‘transformação’ dos avós em pais. 5. Realidade diversa do quadro dos autos, porque os avós sempre exerceram e ainda exercem a função de pais do menor, caracterizando típica filiação socioafetiva. 6. Observância do art. 6º do ECA: na interpretação desta lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. 7. Recurso especial não provido" (REsp 1448969/SC, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, j. em 21.10.2014, DJe de 03.11.2014).
Portanto, o entendimento jurisprudencial sobre a matéria não deve ser olvidado, pois, em sendo admitida pelo colendo Superior Tribunal de Justiça interpretação normativa compatível, em tese, com a pretensão dos autores, não há falar em vedação legal expressa; e, ademais, como se disse, a adotanda é maior de idade, não estando a situação submetida ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
Extrai-se do relato da inicial a possibilidade jurídica do pedido, em tese, pois afirmam os autores que a demanda não tem em vista os efeitos patrimoniais decorrentes da adoção, mas justamente consolidar uma situação fática, afirmando que a mãe biológica da adotanda tomou rumo ignorado, desde o seu nascimento, e que o pai biológico reside em outra cidade e convive esporadicamente com a menina.
Assim, a pretensão não encontra expressa vedação legal, podendo ser diante da interpretação jurisprudencial conferida às normas que disciplinam a questão e sobretudo em vista do conceito de filiação constituído sobre as relações socioafetivas.
Por certo, não estará o julgador compelido a aplicar uma ou outra linha de convencimento a respeito dos critérios para o deferimento da adoção em si, podendo, inclusive, ponderar se, no caso concreto, o vínculo biológico fundamenta a rejeição do pedido; contudo, essa questão deverá ser dirimida no exame de mérito.
Diante dos fundamentos expostos, dou provimento à apelação para cassar a sentença e determinar o retorno dos autos à primeira instância para que tenha tramitação regular.
Custas, ao final.
Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Ana Paula Caixeta e Renato Dresch.
Súmula – DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG