Antes do advento da Constituição Federal de 1988, somente as uniões advindas do casamento eram legalmente reconhecidas, sendo as demais consideradas mero concubinato.
A Constituição Federal de 1988, ao ser promulgada, ampliou o conceito de família ao estabelecer no § 3º do artigo 226 que a união estável entre o homem e a mulher era tida como entidade familiar, com direitos e deveres equiparados aos advindos do casamento.
Isso foi um estopim no mundo jurídico para que muitos civilistas mais conservadores criticassem o reconhecimento da união estável como entidade familiar e a equiparação dos direitos e deveres desta relação ao casamento.
Destacou-se, a respeito do assunto, a opinião do ilustre WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO[1], a saber:
"De concessão em concessão, chegar-se-á ao aniquilamento da família legítima; nada mais a separará da ilegítima. De se lembrar aqui a prudente advertência de Plínio Barreto: há uma luta contínua entre as duas instituições, a legal e a ilegal, ensaiando esta (o concubinato) os mais variados meios de ação para reduzir o domínio daquela (o matrimônio). Ora, quanto mais o concubinato puxa a coberta para si, mais desnudado fica o matrimônio."
Destarte, com a evolução da sociedade, e, principalmente pela necessidade de se adequar às leis no tempo, foi promulgada a Lei n° 8.971/94 que regula o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão.
Sua promulgação foi feita debaixo de um cenário de severas críticas, pois além de não definir o instituto da união estável, a lei só contemplava os companheiros que estivessem convivendo por um período superior a 05 (cinco) anos, ou caso sobreviesse à existência de prole comum, o que feria frontalmente os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana consagrados pela Constituição Federal.
Somente mais tarde, a Lei n° 9.278/96 veio a regulamentar o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal, reconhecendo a união estável como entidade familiar de uma convivência duradoura, pública e contínua entre um homem e uma mulher, o que definiu que nem todo relacionamento poderia ser caracterizado como união estável, a exemplo do concubinato e do mero namoro.
Nos mesmos moldes da nossa Constituição Federal, o Código Civil de 2002 dispôs em seu artigo 1.723 que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Assim, estaria sepultado definitivamente o prazo de 05 (cinco) anos estabelecido pela Lei nº 8.971/94 como condição do estabelecimento do instituto da união estável no Brasil, diga-se de passagem, discutível ainda no âmbito dos pleitos administrativos acerca de percepção de pensão por morte junto ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
É necessário destacar ainda que, em todos os casos o legislador não acenou com qualquer possibilidade de reconhecer a união estável homoafetiva como entidade familiar, tendo em vista que esta convivência pública e duradoura não estaria adstrita à relação de pessoas do mesmo sexo.
Entretanto, a partir de 2011 esta interpretação restritiva foi definitivamente superada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que passou a reconhecer como legítima a União Estável existente entre 02 (duas) pessoas do mesmo sexo, ou seja, a União Estável Homoafetiva, conferindo interpretação à luz Constituição ao artigo 1.723° do Código Civil a partir do julgamento da ADI 4277 – Ação Direta da Inconstitucionalidade, e da ADPF 132 – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
Na ocasião do julgamento da matéria, a votação que reconheceu tal possibilidade teve placar de 10 a 0, ou seja, UNANIMIDADE entre os membros da côrte maior.
O Ministro Ayres Britto, relator das ações, em seu voto (vencedor) foi favorável à equiparação de direitos dos casais heterossexuais aos homossexuais.
No seu entender, "a família é a base da sociedade, não o casamento". Britto comentou ainda que não se poderia interpretar a Constituição Federal de maneira reducionista ou contra seu próprio princípio. Por isso, ponderou ser inconstitucional o artigo do Código Civil que trata a união estável usando os termos "homem e mulher", uma vez que o texto de tal legislação não tem a mesma complexidade que a Carta Magna.
O Ministro Luiz Fux, que acompanhou o voto do eminente relator Min. Ayres Britto, também foi a favor do reconhecimento dos direitos dos casais homossexuais. Fux citou artigo da Constituição dizendo que "todos os homens são iguais perante a lei", não podendo haver diferença legal na união estável entre casais heterosexuais ou homoafetivos. "A homossexualidade não é crime. Então porque o homossexual não pode constituir uma família? Em regra não pode por força de duas questões abominadas pela Constituição: a intolerância e preconceito".
Em seu voto, o ministro destacou ainda um caso que julgou anos atrás, dando conta de uma mulher que queria enterrar o falecido companheiro, mas como ela não possuía laços formais de casamento, foi inicialmente impedida. Fux disse, que naquele caso, os laços afetivos e familiares eram maiores que os documentos que comprovassem um casamento, e que o Estado deveria dar proteção àquele casal. "A união homoafetiva deve ser reconhecida como união estável para efeitos de proteção do Estado", pontuou.
Posterior a isso, as Serventias Extrajudiciais com atribuição de Notas tiveram a oportunidade legal, sem vício ou dúvida, de lavrar, por Escritura Pública, a Declaração de União Estável Homoafetiva, cujos direitos, agora garantidos por força de decisão judicial do STF, formalizaria e daria publicidade à uma relação de fato, que agora, ganhara justo espaço no campo dos direitos e garantias individuais.
Daí se vê nos quatro cantos do Brasil a famosa “Escritura Pública Declaratória de União Estável Homoafetiva”.
Passado todo esse tempo, e visto a evolução social, pontua-se que é preciso evoluir um pouco mais, de maneira a se amadurecer este novo instituto e ELIMINAR a figura da DECLARAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA, pelas razões que, em breves linhas, expôem-se.
É imperioso destacar que o Direito não deve estar desatento às teias conceituais que permeiam a cultura. Aliás, esse é o entendimento de grandes nomes da Teoria da Justiça, como John Rawls, Jurgen Habermas, Michael Sandel e Michael Walzer. Neste sentido, uma constituição que esteja desinformada das práticas culturais que alimentam as movimentações da esfera civil pode padecer de legitimidade. Assim, a necessidade de se estar atento a alguns aspectos da sociedade civil de nosso país.
Não é novidade que o Brasil apresenta atualmente um quadro de fortalecimento de posições políticas que se antepõem na esfera pública. Neste aspecto, não é saudável àqueles que se reconhecem na hermenêutica jurídica proponham-se como vanguarda cultural, isolada, sem observância de seu contexto social fático.
Uma vez descrita a função do processo como a “administração de conflitos”, à administração pública direta e indireta, não cabe a função de sufocar determinados aspectos da vida social, tendo em vista que tal função pressupõe a adoção de uma noção filosófica da boa vida, de modo a administrar de forma reconhecidamente justa os conflitos.
Neste aspecto, cabe-se a disposição da natureza, principalmente da fundamentação teórica que baseia parte de nossa estrutura jurídico-social. A este respeito, é intuitivo pensar que a diversidade da herança que se faz presente em nossa Constituição reflete a própria diversidade de nossa sociedade em seus mais variados aspectos.
Para que o Estado, representado em suas várias instituições, mantenha uma disposição compreensiva em relação à cultura, para o nosso caso específico é importante que tal diversidade seja protegida em todos os seus aspectos, de modo a promover harmonia com a cultura democrática que pretendemos.
Neste ínterim é que dispomos novamente a tese de que a forma ideal de preservar tal diversidade é pela proteção dos direitos fundamentais, bem como do universal acesso a eles.
Conforme restou consignado na Resolução nº 175/2013-CNJ, o Supremo Tribunal Federal, nos acórdãos prolatados em julgamento da ADPF 132/RJ e da ADI 4277/DF, reconheceu a inconstitucionalidade de distinção de tratamento legal às uniões estáveis constituídas por pessoas de mesmo sexo.
Nesse sentido, cumpre observar e repensar que, nos termos do artigo 3º, IV, da Constituição Federal, constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Finalmente, aponta o artigo 5º, CF, que todos são (ou deveriam ser) iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
Logo, a proposta de eliminação da distinção entre UNIÃO ESTÁVEL e UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA, a meu sentir, corrobora com os preceitos e fundamentos da Constituição Federal.
O que deve haver é tão somente a DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL, ao passo que as condições de gênero e sexo sejam extirpadas do texto, sob pena de se violar a intimidade, privacidade, isonomia e promover, via escritura pública, a discriminação entre gêneros e opções de vida.
No Estado do Espírito Santo a matéria já foi tratada no Ofício-Circular 52/2012 que versa sobre o casamento homoafetivo, reconhecendo como incabível qualquer distinção entre os nubentes – o qual podemos e devemos, fazer o diálogo analógico quanto ao instituto da união estável.
No Estado de Goías, o Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça, em entendimento de vanguarda, já traz expresso em seu artigo 85, § 2º, que “não haverá, em razão do gênero dos conviventes, distinção entre as escrituras de união estável lavradas”.
Ou seja, se é positivado em escritura pública a existência de uma União Estável e de uma União Estável Homoafetiva, já indico diferenciação entre os institutos, o que flagrantemente trás ares de discriminação, preconceito, destoando totalmente dos preceitos constitucionais e dos novos parâmetros e modelos de entidade familiar.
Faço voto para que não haja distinção alguma entre as Escrituras Públicas de União Estável (nomenclaturas etc).
Entendo que esse direito, não é só uma conquista dos homossexuais, e sim da sociedade brasileira, devendo ser preservado e observado em seus mínimos detalhes.
São nossas considerações.
Igor Emanuel da Silva Gomes: Advogado militante – OAB/ES 22.169, sócio da ESG Advogados Associados, graduado em direito pela Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim (FDCI), Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Consultor jurídico do 2º Ofício de Notas do Juízo de Vitória/ES, Consultor jurídico do Colégio Notarial do Brasil – Seção Espírito Santo.
Fonte: Colégio Notarial do Brasil