APELAÇÃO CÍVEL – EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL – EXECUTADO FALECIDO – PENHORA E ARREMATAÇÃO DE BEM QUE COMPÕE O ACERVO HEREDITÁRIO – EMBARGOS DE TERCEIRO – HERDEIRO – ILEGITIMIDADE ATIVA
– Nos termos do art. 1.997 do Código Civil, a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido.
– Tornando-se o herdeiro sucessor do executado no processo (art. 43 do CPC/73), passando a ser parte passiva legítima na execução, não pode, em sede de embargos de terceiro, pretender excluir da execução bem que compõe o acervo hereditário do executado falecido, discutindo pretenso direito seu sobre aludido bem que foi legitimamente penhorado e levado à hasta pública, sendo-lhe reservado discutir a questão, se for o caso, a tempo e modo, em sede de embargos à penhora ou à arrematação.
Apelação Cível nº 1.0479.06.116166-3/001 – Comarca de Passos – Apelante: Bárbara Daher Santos Jabbur representada pela mãe Daniela Soares Ferreira Jabbur – Apelado: Condomínio Edifício Abrão Jabbur – Litisconsorte: Cássio Discini Vasconcelos – Relator: Des. José de Carvalho Barbosa
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em, de ofício, julgar extinto o processo, sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC/73.
Belo Horizonte, 2 de junho de 2016. – José de Carvalho Barbosa – Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES. JOSÉ DE CARVALHO BARBOSA – Trata-se de recurso de apelação interposto por Bárbara Daher Santos Jabbur nos autos dos embargos de terceiro opostos ao cumprimento da sentença proferida nos autos da “Ação de Cobrança de Quotas Condominiais” movida por Condomínio Edifício Abrão Jabbur em face de José Neif Jabbur e Maria Eny Siqueira Jabbur, perante o Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Passos, tendo em vista os termos da sentença de f. 265/269, que julgou improcedentes os embargos, nos termos do art. 269, I, do CPC/73, ante a validade da penhora e da arrematação do imóvel descrito na Matrícula nº 34.835, condenando a embargante ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados em 10% do valor da causa, suspendendo sua exigibilidade, por litigar a mesma embargante sob o pálio da gratuidade judiciária.
Em suas razões recursais de f. 282/289, sustenta a apelante que os embargos de terceiro são uma ação nitidamente possessória e que, no caso dos autos, restou induvidosamente provada a sua posse do imóvel em questão.
Assevera que o afastamento da impenhorabilidade do bem de família a que alude a Lei nº 8.009/90, em tese, só poderia ser oponível pelo Condomínio aos proprietários do imóvel, quais sejam os réus primitivos naquela ação de cobrança de taxas condominiais, e não contra ela, “terceira embargante”, tendo em vista que não é proprietária e defende, por meio dos presentes embargos, que seja reconhecida a sua posse sobre referido imóvel.
Acrescenta que o Magistrado a quo, “quando da realização da derradeira audiência instrutória, inclusive, já extinguiu o processo relativamente ao Condomínio, pelo que se revela contraditório, data venia, o argumento relacionado com a possibilidade da incidência da execução dessa cobrança sobre o bem de família da embargante”.
Argumenta que já foi celebrado acordo entre as partes primitivas naquela ação de cobrança, a respeito da quitação daquelas taxas condominiais ditas devidas, pelo que, na verdade, o imóvel, indevidamente penhorado e praceado, não está mais respondendo por dívida condominial alguma, não tendo, pois, pertinência, no caso, a invocação, pela r. sentença, do disposto no art. 3º, IV, da Lei nº 8.009/90.
Alega, ainda, que é inaceitável, no caso, o argumento da r. sentença, fundado no art. 5º da mesma Lei nº 8.009/90, de que a ora embargante não teria provado que o imóvel seria o único existente, apto, pois, a merecer a proteção daquela lei, uma vez que, por meio dos presentes embargos, defende a sua posse, e não a sua propriedade, que, como a própria “sentença reconhece, é dos seus avós”.
Afirma que o imóvel em questão é sua única residência e que o objetivo da citada lei é não deixar o morador desabrigado. Salienta que, “para julgar improcedentes os embargos de terceiro, a r. sentença aponta, como fundamento, o art. 694 do CPC, segundo o qual, após assinado o auto de arrematação, teria se tornado perfeito, acabado e irretratável o ato de alienação do respectivo”, mas que, dado o caráter nitidamente possessório dessa ação, tal argumento também é inaceitável.
Ressalta, por fim, que a arrematação “é nula de pleno direito, porque o imóvel estava indisponibilizado em ação movida pelo Ministério Público, da mesma forma que sobre ele incidia outra garantia a favor do Banco do Brasil” e que “a ora embargante, possuidora do imóvel, de boa fé, não foi intimada do respectivo ato, inclusive para exercer o seu eventual direito de preferência”.
Dispensado o preparo por litigar a embargante sob o pálio da gratuidade judiciária.
Contrarrazões às f. 297/301.
É o relatório.
Preliminar de ofício.
Ilegitimidade ativa.
Suscito, de ofício, preliminar de ilegitimidade ativa da apelante para o ajuizamento dos presentes embargos de terceiro.
É cediço que a ação de embargos de terceiro é medida processual adequada àquele que, não sendo parte no processo, na condição de proprietário possuidor ou apenas possuidor, sofre turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, consoante art. 1.046 do CPC/73, in verbis:
“Art. 1.046. Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, sequestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer lhe sejam manutenidos ou restituídos por meio de embargos.
§ 1º Os embargos podem ser de terceiro senhor e possuidor, ou apenas possuidor”.
Sobre o tema, elucida Hamilton de Moraes e Barros:
“Os embargos de terceiro podem ser assim conceituados em face do atual Direito brasileiro: são uma ação especial, de procedimento sumário, destinada a excluir bens de terceiro que estão sendo, ilegitimamente, objeto de ações alheias. […] Vê-se que os embargos de terceiros têm a indisfarçável finalidade de devolver ao titular a sua posse, de que se viu privado, ou de devolver a tranquilidade dela, ante uma ameaça” (BARROS, Hamilton de Moraes e. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, v. IX, p. 288-289).
No mesmo sentido, a lição de Humberto Theodoro Júnior:
“Destinam-se os embargos de terceiro a impedir ou fazer cessar a turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial derivado de processo alheio, em casos como o de penhora, depósito, arresto, sequestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário e partilha (art. 1.046). Os próprios termos do enunciado legal deixam claro que a relação nele contida é de caráter meramente exemplificativo. Se o fim do instituto é preservar a incolumidade dos bens de terceiro em face do processo de que não participa, qualquer ato executivo realizado ou ameaçado, indevidamente, pode ser atacado por via dos embargos de terceiro” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 36. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. II, p. 287) (g.n.).
A respeito da qualidade de "terceiro", vale destacar os ensinamentos de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery:
“2. Conceito de terceiro. As partes na relação jurídica processual são autor e réu, isto é, aquele que pede e aquele em face de quem se pede algo em juízo. É terceiro quem não é parte na relação jurídica processual, quer porque nunca o foi, quer porque dela tenha sido excluído” (NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado. 11. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 1.268).
Araken de Assis completa:
“Em síntese, encontra-se na singular posição de terceiro, no que tange ao processo executivo, quem cumulativamente: a) não estiver indicado no título executivo; b) não se sujeitar aos efeitos do título; e c) não integrar (ainda que ilegitimamente) a relação processual executiva” (ASSIS, Araken de. Manual da execução. 13. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 1.376) (g.n.). No caso dos autos, a apelante opôs os presentes embargos de terceiro, pretendendo a desconstituição da penhora realizada sobre imóvel de propriedade de seu falecido avô, que figurava como executado na ação de execução movida pelo condomínio/embargado, ora apelado.
Inicialmente, cumpre salientar que a embargante, ora apelante, é neta paterna dos executados, conforme se extrai da sua certidão de nascimento de f. 10.
O executado, seu avô, José Neif Jabbur, faleceu no curso do processo (certidão de óbito de f. 282 dos autos principais) e, posteriormente, também faleceu o seu pai, José Neif Jabbur Filho (certidão de óbito de f. 09 destes autos).
Sendo assim, e notadamente considerando que o bem imóvel – cuja constrição constitui objeto dos presentes embargos de terceiro – compõe o acervo hereditário do executado, falecido avô da embargante/apelante, segue-se que ela, embargante, não pode discutir, em sede de tais embargos, pretenso direito seu sobre aludido bem.
É que, com o falecimento do avô paterno e, posteriormente, do pai, tornou-se ela, embargante, sucessora do executado, seu avô, no processo executivo (art. 43 do CPC); passou a ser parte passiva legítima na execução, pois, como sabido, nos termos do art. 1.997 do Código Civil, a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido.
Veja-se que ela própria salienta que, com a morte do pai, é “coerdeira” no inventário do “Espólio de José Neif Jabur, em curso no Juízo da Vara de Família e Sucessão” (f. 204).
É bem verdade que o herdeiro pode ser considerado terceiro para livrar da execução outros bens que possua, já que sua responsabilidade se limita às forças da herança.
Mas esse não é o caso dos autos, pois o bem objeto da constrição discutida, como já foi dito, compõe o acervo hereditário do de cujus, avô da embargante.
Nesse contexto, tem-se que não pode o herdeiro, isto é, não pode a embargante/apelante, em sede de embargos de terceiro, pretender excluir da execução bem que foi legitimamente penhorado e levado à hasta pública (f. 135); se fosse o caso, reservado lhe seria, a tempo e modo, discutir a questão em sede de embargos à penhora ou à arrematação.
A propósito, confira-se a lição do mestre Pontes de Miranda:
“Quem quer que tenha sucedido, a título universal ou singular, pendente a lide (tenha ou não havido habilitação, que é simples inserção processual, para integrar formalmente a relação jurídica processual), está excluído dos embargos de terceiros; pois que não é terceiro: sucedeu à parte; adquiriu com o vício litigioso, ainda que o ignorasse; e é indiferente que a aquisição tenha sido antes ou depois da sentença condenatória. Não importa se a parte, A, alienou a coisa a C, e C a D; D não é terceiro, nem o seria E, que a recebesse de D” (MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1977, tomo XV, p. 33).
Sobre o assunto, o colendo STJ se manifestou:
“Embargos de terceiro. Bem de família. Precedente da corte. 1. Se os herdeiros embargantes são parte na execução, não podem ingressar com o procedimento que o direito positivo reservou para os terceiros. 2. Recurso especial conhecido e provido” (REsp 220731/SP – 1999/0057121-5, 3ª Turma, Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 1º.08.2000, p. 266).
“Recurso especial. Processual civil. Civil. Sucessões. Execução. Embargos de terceiro. Ilegitimidade ativa do herdeiro (CPC, arts. 43 e 1.046). Sujeição aos efeitos do título executado. A herança responde pelas dívidas do falecido (CC/1916, art 1.796; CC/2002, art. 1.997). Qualidade para opor embargos à execução. Bens pertencentes aos garantes. Recurso provido. 1. Nos termos do art. 1.997 do Código Civil (CC/1916, art. 1.796), a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido. 2. Na hipótese, o herdeiro não ostenta a qualidade de terceiro, pois se sujeita aos efeitos do título executado, já que os bens penhorados, integrantes de acervo hereditário, foram previamente dados pelos então proprietários, o casal fiador, em alienação fiduciária e em garantia hipotecária dos títulos executados. Precedente. 3. Embora seja certo que os herdeiros podem defender os bens a serem recebidos por herança, mesmo antes da partilha, deverão fazê-lo na condição de sucessores do falecido (CPC, art. 43), e não de terceiro (CPC, art. 1.046), máxime quando os bens a serem inventariados, ainda indivisos, acham-se gravados de ônus real previamente ajustado pelo de cujus. 4. Recurso especial provido” (REsp: 1264874 MA 2011/0157060-2, Relator: Ministro Raul Araújo, j. em 07.05.2015, T4 – Quarta Turma, DJe de 16.06.2015).
No mesmo sentido, a jurisprudência dos Tribunais Estaduais:
“Embargos de terceiros. Execução de título judicial. Penhora sobre bem pertencente ao executado falecido. Ilegitimidade ativa do herdeiro. Extinção do processo sem resolução de mérito. – O herdeiro não tem legitimidade ativa para opor, em nome próprio, embargos de terceiro contra a penhora levada a efeito nos autos da execução, porque não é terceiro, em face do direito hereditário” (TJMG – Apelação Cível 1.0024.07.453372-0/003, Relator: Des. Alvimar de Ávila, 12ª Câmara Cível, j. em 24.10.2007, p. em 10.11.2007).
“Embargos de terceiro. Ajuizamento por herdeiros. Ilegitimidade ativa. – Estando em curso processo de inventário, os herdeiros não têm legitimidade ativa para opor embargos de terceiro, objetivando livrar da constrição judicial bens pertencentes ao acervo patrimonial do espólio […]” (TJRS – AC: 70062910963 RS, Relator: Voltaire de Lima Moraes, j. em 11.06.2015, Décima Nona Câmara Cível, p. em 16.06.2015).
“Apelação cível. Embargos de terceiro. Herdeiro. Ilegitimidade ativa. – O herdeiro não tem legitimidade para o ajuizamento dos embargos de terceiro, já que passa a ser parte no processo executivo. Por unanimidade, negaram provimento ao recurso” (TJRS – AC: 70052079258 RS, Relator: Angelo Maraninchi Giannakos, j. em 19.06.2013, Décima Quinta Câmara Cível, p. em 27.06.2013).
“Embargos de terceiro. Herdeiro. Ilegitimidade ad causam ativa superveniente. Inteligência do art. 1.046 do CPC. Decisão mantida. Recurso improvido. – O herdeiro é parte passiva legítima na execução quanto aos bens que recebeu, por herança, não podendo ingressar com embargos de terceiro” (TJSP – APL: 00231778620118260008 SP 0023177-86.2011.8.26.0008, Relator: Renato Sartorelli, j. em 30.01.2013, 26ª Câmara de Direito Privado, p. em 1º.02.2013).
“Execução penhora. Imóvel. Herdeiro. Bem de família. Impenhorabilidade. Embargos de terceiro. Ilegitimidade ativa. Extinção, sem exame do mérito. Razoabilidade. 1. Herdeiro que é parte passiva legítima na execução, no tocante aos bens que recebeu por herança, não pode ingressar com embargos de terceiro. Precedente. 2. Causa superveniente relativa a bem de família que pode ser alegada a qualquer tempo, até mesmo por simples requerimento no processo de execução. Sentença mantida Recurso não provido” (TJSP – APL: 391438920068260000 SP 0039143-89.2006.8.26.0000, Relator: William Marinho, j. em 26.10.2011, 18ª Câmara de Direito Privado, p. em 28.10.2011).
Pelo exposto, de ofício, julgo extinto o processo, sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC/73, por ilegitimidade ativa ad causam da embargante/apelante.
Mantenho os ônus sucumbenciais estabelecidos na sentença.
Custas recursais, pela parte apelante, suspensa a exigibilidade por litigar sob o pálio da gratuidade judiciária.
DES. NEWTON TEIXEIRA CARVALHO – Acompanho o douto Relator, um vez que, nos termos do art. 1.997 do Código Civil, a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido.
DES. ALBERTO HENRIQUE – De acordo com o Relator.
Súmula – DE OFÍCIO, JULGARAM EXTINTO O PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, NOS TERMOS DO ART. 267, VI, DO CPC/73.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG