JURISPRUDÊNCIA CÍVEL
TRIBUTÁRIO – INVENTÁRIO – IMPOSTO DE TRANSMISSÃO POR CAUSA MORTIS E DOAÇÃO – ITCMD – PEDIDO DE EXCLUSÃO DE DÍIVIDA DO MONTE INDIVISO DA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO – CABIMENTO – RECURSO PROVIDO
– Não cabe a incidência do ITCMD sobre a totalidade do patrimônio inventariado, mas apenas sobre a herança líquida efetivamente transmitida aos herdeiros, após a exclusão das dívidas do espólio.
– Inteligência dos arts. 1.792 e 1.997 do Código Civil e do art. 4º, § 4º, da Lei estadual 14.941, de 29 de dezembro de 2003.
Recurso provido.
Apelação Cível nº 1.0000.16.025635-0/001 – Comarca de Belo Horizonte – Apelante: Ângela Costa Oliveira, José Tadeu de Miranda Costa – Interessado: Espólio de Maria do Carmo de Miranda Costa – Relatora: Des.ª Sandra Fonseca
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar provimento.
Belo Horizonte, 18 de outubro de 2016. – Sandra Fonseca – Relatora.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES.ª SANDRA FONSECA – Trata-se de recurso de apelação interposto por Ângela Costa e José Tadeu de Miranda Costa contra a sentença (documento eletrônico 35), complementada pelo julgamento dos embargos declaratórios (documentos eletrônicos 37, 39 e 41), que, na ação de inventário dos bens deixados por Maria do Carmo de Miranda Costa, homologou a partilha dos bens deixados pela falecida, condicionando a expedição do alvará requerido à juntada da certidão de homologação do pagamento do ITCD, referente ao imóvel situado na Rua Francisco Otaviano, nº 67, apartamento nº 403, na Cidade do Rio de Janeiro/RJ.
Nas razões de apelação (documento eletrônico nº 57), os apelantes alegam que são os únicos herdeiros da falecida, que deixou patrimônio imobiliário e uma dívida devidamente comprovada.
Sustentam que, com concordância do testamenteiro, reconheceram a dívida e pactuaram que a quitação do débito seria feita por meio de dação em pagamento de imóvel do monte à credora.
Aduzem que o plano de partilha amigável contemplou somente a herança líquida, não abrangendo o imóvel que servirá para o pagamento da dívida, já que o fato gerador do ITCD é apenas a transmissão não onerosa de bens, por causa mortis ou doação, pelo que defendem o não cabimento do ITCD sobre a transferência do imóvel à credora do espólio, a qual teria natureza onerosa.
Asseveram que o entendimento adotado pelo Juízo de primeiro grau acabará por gerar dupla incidência tributária sobre a transmissão do bem, incidindo ITCD e quando da dação em pagamento do imóvel, ITBI, junto ao Município do Rio de Janeiro.
Pugnam, ao final, pelo provimento do recurso.
Aduz, por fim, que não há dupla transmissão do imóvel dado em pagamento, primeiro ao espólio, depois ao credor da falecida, já que o espólio não recebe qualquer herança, mas sim os herdeiros.
Requer o provimento do recurso, para que seja deferido o competente alvará, para que possa efetuar a dação em pagamento do imóvel, independentemente do pagamento de ITCD.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça ofereceu o seu sempre valioso parecer, pelo provimento do recurso.
Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos subjetivos e objetivos de admissibilidade.
No caso dos autos, bem é de ver que restou incontroverso sobre os bens efetivamente transferidos aos herdeiros o recolhimento do ITCD.
Dessa forma, cinge-se a controvérsia encerrada no presente processo a se aferir se incide ITCD sobre bem imóvel destinado a quitar dívida do espólio, por meio de dação em pagamento.
Estabelece o art. 4º, § 4º, da Lei estadual 14.941, de 29 de dezembro de 2003, que dispõe sobre o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCD, no âmbito do Estado de Minas Gerais:
“Art. 4º A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito recebido em virtude da abertura da sucessão ou de doação, expresso em moeda corrente nacional e em seu equivalente em Ufemg.
[…]
§ 4º Na transmissão causa mortis, para obtenção da base de cálculo do imposto antes da partilha, presume-se como valor do quinhão:
I – do herdeiro legítimo, o que lhe cabe no monte partilhável, segundo a legislação civil;
II – do herdeiro testamentário, o valor do legado ou da herança atribuída, segundo a legislação civil”.
Dessa forma, o patrimônio que é efetivamente transmitido aos herdeiros é o que subsiste após o pagamento das dívidas do instituidor da herança, pois, para atender a essas, respondem apenas os bens do monte.
É o que se extraí, também, dos arts. 1.791, 1.792 e 1.997 do Código Civil:
“Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.
Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível e regularse-á pelas normas relativas ao condomínio.
Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demonstrando o valor dos bens herdados.
[…]
Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube.”
Dessa forma, para fins de incidência de ITCMD, considera-se como base de cálculo do imposto, na forma do inciso II do § 4º do art. 4º da Lei estadual 14.941/03, a herança líquida, descontados os bens ou valores destinados ao pagamento das dívidas deixados pelo falecido.
Nesse sentido, a doutrina de Leandro Paulsen (Direito tributário, Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 11. ed. Livraria do Advogado Editora, p. 727), citando esclarecedor comentário ao parágrafo único do art. 35 do CTN:
“Ao determinar a existência de diversas relações jurídicas obrigacionais tributárias quantos forem os herdeiros ou legatários, o legislador complementar determina que a sujeição passiva do imposto seja limitada à quota-parte transmitida. Aliomar Baleeiro afirma que a lei complementar, mediante o disposto no referido parágrafo único, teria adotado a tendência de considerar o imposto como tributo de caráter direto e pessoal sobre o herdeiro, e não o imposto real sobre o monte ou espólio. Portanto, a base de cálculo seria o valor líquido dos quinhões e legados, não a herança bruta, como outrora” (FERNANDES, Regina Celi Pedotti Vespero. Imposto sobre transmissão causa mortis e doação – ITCMD. São Paulo: RT, 2002. p. 63).
No mesmo sentido, a jurisprudência pátria:
“Tributário. Inventário. Instituto da confusão. Não ocorrência. O espólio é o responsável pelo pagamento das dívidas do de cujus, e não os herdeiros. Pagamento do imposto causa mortis. Base de cálculo. Patrimônio líquido. Abatimento das dívidas do espólio. Ativo menos passivo. Jurisprudência. Recurso provido. – O cálculo do imposto de transmissão causa mortis deve ser realizado sobre o patrimônio líquido, excluídas as dívidas do espólio, visto que os direitos transmitidos com a morte são somente aqueles constituídos pelo saldo do seu ativo e do seu passivo” (TJPR – Processo: AI 5303395/PR 0530339-5 – Relator: Des. Paulo Habith – j. em 22.09.2009).
“Apelação cível. Alvará judicial. Pagamento de dívidas do espólio. Discussão desnecessária em sede de inventário. Imposto de transmissão causa mortis. Base de cálculo. Incidência sobre o patrimônio líquido da herança. Recurso desprovido. – 1. A fim de se evitar um novo incidente no inventário, a questão suscitada pela Fazenda Pública, acerca da hipótese de incidência do imposto sobre transmissão causa mortis ou por doação, pode ser dirimida nos autos de alvará judicial. 2. O valor do ITCMD deve ser apurado tendo por base de cálculo o patrimônio líquido transmitido aos sucessores do de cujus, excluindo-se as dívidas do espólio” (TJPR – AC 3372945/PR 0337294-5 – Relator: Des. Costa Barros – j. em 24.01.2007).
Dessa forma, descabe exigência de ITCDM, para a transmissão de bem imóvel, a título oneroso, como forma de pagamento de dívida do monte, até porque, se incidisse o tributo impugnado, haveria dupla tributação, da mesma transferência, já que forçosamente incidirá o ITBI, de competência do Município da situação do imóvel.
Com esses fundamentos, portanto, dou provimento ao recurso para reformar a r. sentença recorrida, excluindo-se a exigência de pagamento de ITCD para a expedição da competente autorização/alvará, para a lavratura da escritura de dação em pagamento, do imóvel situado na Rua Francisco Otaviano, nº 67, apartamento nº 403, na cidade do Rio de Janeiro/RJ, conforme requerido nos itens 1.3 e 1.4 do Plano de Partilha homologado (documento eletrônico 23).
É como voto.
Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Corrêa Junior e Yeda Athias.
Súmula – DERAM PROVIMENTO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG