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Luciana Dadalto é jovem, tem um filho de 2 anos e esbanja energia, mas sua causa é o fim da vida. Com toda a dignidade possível. Advogada e fundadora do portal Testamento Vital, é doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da UFMG e mestre em Direito Privado pela PUC-Minas. Há dez anos pesquisa, escreve e dá palestras sobre a importância do testamento vital, documento que manifesta as vontades da pessoa, em pleno gozo de suas faculdades mentais, sobre como gostaria de ser cuidada pela equipe médica quando estiver com uma doença grave, incurável e terminal. E por que isso é tão relevante?
“Vivemos numa cultura de prolongamento artificial da vida. Quando se fala em testamento vital, há quem pense que se trata de um salvo-conduto para a eutanásia, quando não é nada disso, até porque a eutanásia é proibida pela legislação. Estamos falando que, mesmo no fim da vida, a vontade do paciente tem que ser respeitada”, afirma.
No fim do mês, irá a Curitiba para conversar com profissionais do Conselho Regional de Medicina. Em maio, estará no Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito de Coimbra, em Portugal, para falar sobre a responsabilidade civil do médico face à distanásia, que é a prática de utilizar todo tipo de esforço para prolongar ao máximo a vida – o que pode resultar em processo judicial se o paciente já tiver se manifestado contra a manutenção artificial da sua existência. Em contrapartida, a ortotanásia é definida como a “a arte de bem morrer”, com a supressão ou limitação de todo tratamento desproporcional diante da iminência da morte. “Os médicos têm grande dificuldade de lidar com o assunto, porque foram treinados para salvar vidas. Até o termo ‘perder um paciente’ encerra a ideia de uma derrota”, diz, acrescentando que esse é o tipo de discussão que deveria permear toda a sociedade, da família aos cursos de medicina: “como cada um entende o conceito de vida? Será que basta o coração bater, ainda que a pessoa esteja entubada e sem chances de recuperação?”, questiona.
No Brasil, num cenário de vácuo do poder legislativo, o Conselho Federal de Medicina publicou, em 2012, resolução para disciplinar a conduta do médico. O documento determina como diretivas antecipadas de vontade o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade – por exemplo, em casos como demência avançada, ou estado vegetativo persistente. Por meio das diretivas antecipadas de vontade, o paciente nomeia um procurador para fazer valer suas vontades sobre cuidados médicos no fim da vida. Em Portugal, que promulgou lei a respeito em 2012, é possível fazer as diretivas antecipadas de vontade nos postos de saúde. Quando alguém chega ao hospital, a equipe de plantão acessa o banco de dados e checa as orientações eventualmente dadas.
Por aqui, não temos lei, nem banco de dados. Na verdade, o SUS (Sistema Único de Saúde) não dispõe sequer de base unificada para os prontuários. Também não há consenso sobre a melhor forma de garantir esse direito. Muitos médicos alegam que não há necessidade de um documento registrado em cartório, bastando que as vontades do paciente constem da sua ficha no consultório. Luciana Dadalto argumenta que nem sempre será possível acionar o clínico ou geriatra, o que pode levar ao risco de descumprimento das vontades, e lembra que o Colégio Notarial do Brasil tem um banco com os testamentos vitais lavrados em cartório. “Não há obrigatoriedade de registrar o testamento vital, mas, quando isso é feito, há um apoio legal à iniciativa”, sintetiza.
O ideal é que o documento seja redigido com a ajuda de um médico de confiança, cujo papel será de orientar a pessoa em relação aos termos técnicos, sem influenciá-la. Em seu site, ela explica em linhas gerais como fazer um testamento vital, e conta que sempre disponibiliza um longo questionário para seus clientes e pede que levem o tempo necessário para pensar sobre as alternativas: “tenho clientes que me devolvem em uma semana, outros levam seis meses. O processo de lidar com a própria finitude é profundo. Há quem elabore até a lista de quem poderá fazer visitas. É fundamental que pessoas próximas e facilmente localizáveis saibam da iniciativa e tenham cópia do documento”. E ressalta que a ideia é devolver ao paciente o poder de decidir sobre sua vida até o último suspiro.
Fonte: G1