A Previdência Social para cálculo de aposentadorias no Brasil adota o sistema binário, ou seja, trata de forma diferenciada homens e mulheres (acesse regras aqui). Então, como se aposenta uma pessoa transexual, aquela cuja a identidade de gênero não corresponde ao sexo biológico? A reflexão foi tema de debate no I Congresso Brasileiro do IBDFAM de Direito das Famílias e Direito Previdenciário, que aconteceu em junho, em Belo Horizonte (MG).
“O fato é que aqui no Brasil não tem uma normatização sobre como tratar alguém que nasceu sob o signo biológico masculino e em determinado momento é reconhecido como mulher e depois precisa requerer aposentadoria”, responde Társis Nametala Sarlo Jorge, procurador federal no Rio de Janeiro.
Ele explica que, na condição de segurada, a pessoa tem direito a aposentadoria. A controvérsia é como vai ser feito esse cálculo da soma de idade ao tempo de contribuição com o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.
A pessoa transexual vai se aposentar sob as normas exclusivas referentes ao homem, à mulher ou haveria um critério misto? A melhor hipótese, afirma o procurador, seria fazer um cálculo proporcional.
“É equânime que se contabilize o tempo e a idade de forma proporcional, do período em que aquele ser humano é considerado juridicamente homem e do período em que ele é considerado juridicamente mulher. Uma regra de três simples em que vai se chegar a uma quantidade de anos de contribuição”, diz. “Isso, a meu ver, protege o interesse da pessoa, garante os direitos fundamentais e não causa um eventual desequilíbrio financeiro da previdência social”, observa.
Társis ressalta que não existe nenhuma norma sobre o tema e que, no momento, a matéria é objeto de estudos doutrinários.
Precedente internacional
Em 2016, os juízes da Suprema Corte do Reino Unido tinham em mãos a seguinte situação: uma pessoa transexual que nasceu homem, mudou de sexo e tornou-se mulher, mas nunca alterou o sexo no registro civil, deve se aposentar aos 65 anos, idade prevista para os homens, ou aos 60, idade prevista para as mulheres?
No caso, a mulher trans nasceu homem e se casou com outra mulher. Depois de alguns anos, se submeteu a uma cirurgia de mudança de sexo, mas não quis alterar o gênero no registro civil. Aos 60 anos, essa mulher tentou se aposentar, mas seu pedido foi negado com o argumento de que, como ainda estava registrada como homem, teria de esperar mais cinco anos para ter direito à aposentadoria. O caso foi parar na Corte Europeia de Direitos Humanos, conforme explica Társis Nametala Sarlo Jorge, que condenou a Inglaterra a conceder a aposentadoria para a mulher trans seguindo o critério de idade previsto para as mulheres.
“É interessante ressaltar que, nesse período, a legislação inglesa nesse aspecto do sistema binário era muito semelhante a nossa e antes da Inglaterra editar um ato reconhecendo as alterações de gênero, inclusive para efeitos previdenciários, já havia um reconhecimento da Corte Europeia da omissão por parte do Estado inglês. Lá, diferentemente do que eu defendo, aquela senhora foi aposentada como mulher como se tivesse sido mulher a sua vida toda, não houve um cálculo proporcional. Eu discordo dessa orientação, mas principiologia é a mesma: tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”, reflete.
Fonte: Ibdfam