Artigo – A uniformização da jurisprudência e a segurança jurídica – Por Pedro Paulo Teixeira Manus

A função institucional do Poder Judiciário é dizer o direito, proporcionando a segurança jurídica aos jurisdicionados. Eis aí o significado da palavra jurisdição, que é a dicção do juris, isto é, a dicção do direito.

 

Daí decorre uma necessidade imperiosa, que é a certeza oriunda das decisões judiciais, que é produto de reiteradas decisões no mesmo sentido, quando se trata das mesmas questões controvertidas. A disparidade das decisões judiciais significa a antítese desta certeza que todos buscamos, o que gera insegurança na sociedade e estimula o ingresso em juízo.

 

Sabemos que no mundo ocidental há dois grandes sistemas jurídicos, que são o civil law e o common law.

 

O primeiro, civil law, que é aquele a que nos filiamos, caracteriza-se pela edição das leis e sob seu império é que se constroem as decisões judiciais e a jurisprudência.

 

Já o sistema do common law, em opção ao anterior, caracteriza-se pela construção de precedentes, ou de julgados, representados pelas decisões anteriores, e que servem de fundamento para as futuras decisões.

 

A literatura jurídica ensina que os dois regimes têm origem na ocupação pelo Império Romano dos territórios de todos os povos por eles subjugados, impondo inclusive seu próprio ordenamento jurídico. Assim, enquanto a maioria dos povos adotou o Direito Romano como ordenamento, aceitando o império da lei romana, os povos anglo-saxões rebelaram-se contra essa regra, desprezando o Direito Romano, e criaram um regime de precedentes jurídicos, o que explica a existência dos dois regimes por nós referidos.

 

Nós nos filiamos, como referido, ao sistema do civil law, isto é, ao império da lei, como base de nosso ordenamento jurídico. E a interpretação da lei, na sua aplicação ao caso concreto, cria a jurisprudência, que consiste no conjunto de julgados que orientam os juízes e os jurisdicionados nas suas ações e procedimentos.

 

Daí decorre que, quando temos uma jurisprudência uniforme, a vida em sociedade passa a ter regramento mais claros, resultando numa vida social menos conflituosa, com uma demanda menor no âmbito do Poder Judiciário. Quando há disparidade entre decisões judiciais sobre o mesmo tema, temos uma situação inversa, de insegurança jurídica, provocando, ao contrário, maior número de demandas judiciais.

 

É esta última a situação que estamos atravessamos quando assistimos a um acúmulo impressionante de processos judiciais, com uma jurisprudência ainda não uniformizada o suficiente para orientar os jurisdicionados.

 

E no âmbito da Justiça do Trabalho o número de processos assusta pelo seu volume, impedindo os tribunais de proferir decisões céleres o quanto necessário e como resultado de posicionamentos seguros.

 

A propósito do tema, em entrevista concedida ao Anuário da Justiça e publicada pelo ConJur no sábado (2/2), o ministro do Superior Tribunal de Justiça e diretor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, Herman Benjamin, afirmou que a “cultura de precedente não é imposição autoritária, mas norte seguro para o juiz”.

 

Asseverou ainda o ministro que “a aproximação do sistema brasileiro, do civil law com o common law se intensificou com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, e as mudanças começam a pegar”. “Mesmo nos tribunais mais rebeldes, hoje entendem que há um dever que vem com o múnus público de ser juiz, de cumprir as decisões das instâncias superiores. As escolas [da magistratura] têm feito um belo trabalho de mudar a cultura, de passar para o juiz que não se trata de imposição de natureza casuística ou autoritária. É um norte seguro para a nossa carreira.”

 

Trata-se, como se vê, de um deslocamento do nosso sistema do civil law aproximando-se do common law, na medida em que passa a valorizar mais as decisões judiciais, como precedentes, e que tem como consequência positiva conferir mais segurança a todos, na medida em que passamos a ter mais previsibilidade nos julgamentos, o que desestimula as partes a ingressar em juízo, pois já se sabe o posicionamento judicial, tendo como consequência a solução do conflito sem a necessidade de ingressar em juízo.

 

Uma das causas a incrementar o número de processos na Justiça do Trabalho é a imprevisibilidade das decisões, como afirmam estudos acadêmicos, daí porque a necessidade imperiosa de se emprestar valor à jurisprudência.

 

Nesse sentido a Lei 13.467/2017, apelidada de reforma trabalhista, também aqui não andou bem ao alterar o artigo 902 da Consolidação das Leis do Trabalho.

 

Isso porque o texto anterior do dispositivo exigia, no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, todo procedimento meticuloso para a edição de súmula e orientações jurisprudenciais.

 

Todavia, com a nova redação, que retirou a competência constitucional do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho para edição de súmulas e enunciados, dificultou-se muito a produção da jurisprudência consolidada do tribunal, o que se vê do simples conflito entre os dois textos do dispositivo legal e que, sem dúvida, representa um retrocesso no processo do trabalho, na medida em que ocasionará maior insegurança jurídica à sociedade.

 

 

Pedro Paulo Teixeira Manus é ministro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho, professor e diretor da Faculdade de Direito da PUC-SP.

 

 

Fonte: Conjur