* Isabela Franco Maculan Assumpção
**Letícia Franco Maculan Assumpção
O nome é direito da personalidade e está previsto no Código Civil da seguinte forma: “Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.” No presente artigo será enfocado apenas o sobrenome.
Os sobrenomes são fixados no registro de nascimento e permitem estabelecer a ligação dos seus titulares com as famílias às quais pertencem, distinguindo-os das outras famílias. São a segunda parte do nome e, junto com o prenome, que é a primeira parte, completam a designação oficial da pessoa.
Os sobrenomes têm características próprias: são obrigatórios, ou seja, não é possível registrar uma pessoa e não lhe atribuir um sobrenome; são oficiais; de natureza e origem familiar. Para Manuel Vilhena de Carvalho os sobrenomes são imutáveis[1]. De fato, em regra, os sobrenomes são preservados pela pessoa durante toda a vida, com exceções previstas em lei. Essa imutabilidade, no entanto, vem sendo objeto de novas exceções.
Com a Lei 14.382/2022, foi admitida, a qualquer tempo, em procedimento realizado diretamente perante qualquer[2] Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, a inclusão de sobrenomes familiares e a inclusão de sobrenome do cônjuge ou companheiro, nesse último caso apenas se a união estável tiver sido registrada no livro E. Já a exclusão de sobrenomes somente foi permitida quando tivessem sido adotados aqueles do companheiro quando em razão de casamento ou de união estável. A referida lei não previu a exclusão de sobrenomes da própria família sem que houvesse alteração nas relações de filiação.
Para melhor compreensão, importante reproduzir o art. 57 da Lei de Registros Públicos, na redação dada pela Lei 14.382/2022:
“Art. 57. A alteração posterior de sobrenomes poderá ser requerida pessoalmente perante o oficial de registro civil, com a apresentação de certidões e de documentos necessários, e será averbada nos assentos de nascimento e casamento, independentemente de autorização judicial, a fim de:
I – inclusão de sobrenomes familiares;
II – inclusão ou exclusão de sobrenome do cônjuge, na constância do casamento;
III – exclusão de sobrenome do ex-cônjuge, após a dissolução da sociedade conjugal, por qualquer de suas causas;
IV – inclusão e exclusão de sobrenomes em razão de alteração das relações de filiação, inclusive para os descendentes, cônjuge ou companheiro da pessoa que teve seu estado alterado. […]
§ 2º Os conviventes em união estável devidamente registrada no registro civil de pessoas naturais poderão requerer a inclusão de sobrenome de seu companheiro, a qualquer tempo, bem como alterar seus sobrenomes nas mesmas hipóteses previstas para as pessoas casadas.
§ 3º (Revogado).
§ 3º-A O retorno ao nome de solteiro ou de solteira do companheiro ou da companheira será realizado por meio da averbação da extinção de união estável em seu registro.
A Lei 14.382/2022, portanto, não havia previsto a possibilidade de exclusão de sobrenome de um dos genitores em razão, por exemplo, de abandono afetivo. Essa situação de abandono vinha sendo apresentada aos Oficiais de Registro Civil, mas, como não havia autorização para a mudança nesse caso, o pedido vinha sendo indeferido.
Ocorre que o Provimento nº 153/CNJ deu nova redação ao Código Nacional de Normas do Extrajudicial e trouxe inovação que pode permitir a exclusão de sobrenome familiar, mediante procedimento administrativo feito diretamente ao Oficial do Registro Civil da escolha da pessoa. De fato, o art. 515-I, § 1º, do referido Código Nacional, estabelece que a alteração de sobrenome fora das hipóteses expressamente descritas poderá ser requerida diretamente perante o Oficial do RCPN e dependerá de decisão do juiz competente[3], que avaliará a existência de justa causa:
Art. 515-I. A alteração de sobrenomes, em momento posterior ao registro de nascimento, poderá ser requerida diretamente perante o oficial de registro civil das pessoas naturais, com a apresentação de certidões atualizadas do registro civil e de documentos pessoais, e será averbada no assento de nascimento e casamento, se for o caso, independentemente de autorização judicial, a fim de:
I – inclusão de sobrenomes familiares;
II – inclusão ou exclusão de sobrenome do cônjuge, na constância do casamento;
III – exclusão de sobrenome do ex-cônjuge, após a dissolução da sociedade conjugal, por qualquer de suas causas;
IV – inclusão e exclusão de sobrenomes em razão de alteração das relações de filiação, inclusive para os descendentes, cônjuge ou companheiro da pessoa que teve seu estado alterado.
§1º A alteração de sobrenome fora das hipóteses acima descritas poderá ser requerida diretamente perante o oficial de registro civil das pessoas naturais, mas dependerá de decisão do juiz corregedor competente, que avaliará a existência de justa causa.
§2º A alteração de sobrenome permite a supressão ou acréscimo de partícula (de, da, do, das, dos etc.), a critério da pessoa requerente.
§3º Para fins do caput, considera-se atualizada a certidão do registro civil expedida há, no máximo, 90 (noventa) dias.
Logo, o procedimento é administrativo. O Oficial do RCPN deverá exigir provas da justa causa para alteração do nome, podendo ouvir testemunhas e tomar o depoimento testemunhal do requerente. Em seguida, o Oficial enviará o procedimento ao juiz competente para registros púbicos, que decidirá. A decisão que reconhecer a justa causa será juntada aos autos do procedimento administrativo, não havendo, pois, mandado judicial. Decisões já vêm sendo proferidas em Belo Horizonte, MG, como a que abaixo é reproduzida, em parte[4] :
Trata-se de expediente encaminhado a este juízo em face do requerimento formulado por […] para que a ilustre Oficiala proceda à retificação administrativa do nome do requerente, que pretende excluir de seu nome o sobrenome paterno […]. Fundamenta seu pedido no “abandono afetivo” do seu genitor, sendo que o referido sobrenome lhe traz “muito sofrimento”.
Pois bem, no caso, embora a Lei 6015/1973 (Lei de Registros Públicos) ainda não disponha sobre regulamentação para exclusão de sobrenome de forma administrativa, tenho como possível a retificação pretendida, haja vista a autorização no § 1º, do art. 515, I, do Provimento n. 149 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Ademais, consta nos autos em ID […] o depoimento pessoal do requerente colhido pela zelosa Registradora Civil e, ainda, declarações assinadas por seus irmãos, juntadas em ID […], que corroboram a existência da justa causa apresentada e comprovada pelo requerente.
Com tais considerações, JULGO PROCEDENTE o pedido para determinar seja feita a retificação pretendida nos termos da manifestação da Registradora Civil em ID […], observando-se as demais cautelas legais.
P.R.I. Cumpra-se, arquivando-se com baixa.
A nova orientação da Corregedoria do CNJ, válida em nível nacional, mais uma vez reconhece a relevância do serviço prestado pelos Registradores Civis e lhes atribui a coleta das provas que demonstram a justa causa para alteração do sobrenome. Com o novo procedimento, as pessoas que sofrem por ter um sobrenome com o qual não se identificam, tendo em vista que, no caso de “abandono afetivo”, não há que se falar em sentimento de família, conseguem obter de forma célere a alteração do seu nome.
Por fim, importante ressaltar que cabe ao Oficial do Registro Civil esclarecer ao requerente os ônus decorrentes da alteração do sobrenome, pois todos os documentos pessoais deverão ser atualizados, bem como os registros de nascimento e casamento da pessoa e, ainda, outros registros no qual conste o seu nome, como, por exemplo, o registro de imóveis.
*Isabela Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, pós-graduada em Direito Inglês e Mestre em Prática Jurídica pela BPP University e Mestre em Direito Internacional Público pela London School of Economics and Political Science. Foi Oficial Substituta no Cartório de Registro Civil e de Notas do Distrito do Barreiro, em Belo Horizonte, MG. Autora de diversos artigos na área do Direito Civil e Direito Notarial e do livro “Casamento homoafetivo”, atua como Trainee Solicitor no escritório Dawson Cornwell em Londres, Inglaterra, na área de direito de família.
**Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, pós-graduada, mestre e doutoranda em Direito. Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. Diretora do Instituto Nacional de Direito e Cultura – INDIC. Professora em Pós-Graduações e no curso Do Zero à Regularização de Imóveis. Presidente do Colégio Registral de Minas Gerais e Diretora do Recivil. Autora dos livros “Notas e Registros”, “Casamento e Divórcio em Cartórios Extrajudiciais do Brasil” e “Usucapião Extrajudicial”, além de capítulos de livros e de diversos artigos na área do direito notarial e registral.
[1] CARVALHO, Manuel Vilhena de – O nome das pessoas e o direito. Coimbra: Almedina, 1989, p. 95.
[2] No Brasil o RCPN está nacionamente integrado, de modos que pedidos de retificação, dentre outros, podem ser solicitados a qualquer Oficial de RCPN, que encaminhará, via e-protocolo, o procedimento ao Oficial do cartório no qual está o registro que deverá ser objeto de averbação.
[3] Em São Paulo o juiz competente para registros públicos é denominado “juiz corregedor permanente”. O Código Nacional utilizou denominação que, no entanto, não é utilizada nos outros estados da federação.
[4] O número do processo não é informado e o nome alterado foi excluído tendo em vista a necessidade de proteção dos dados do requerente.